Marcelo de Souza Franklin Mello REFLEXÕES SOBRE LINGUÍSTICA E COGNIÇÃO MUSICAL Dissertação apresentada ao Departamento de Linguística, do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, como requisito obtenção do título de Mestre em Linguística, na área de Neurolinguística. Edwiges Maria Morato, orientadora Campinas/UNICAMP Instituto de Estudos da Linguagem 2003 FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA IEL - UNICAMP M489r Mello, Marcelo de Souza Franklin. Reflexões sobre Linguística e cognição musical / Marcelo de Souza Franklin Mello - - Campinas, SP: [s.n.], 2003. Orientadora: Edwiges Maria Morato Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. 1. Música. 2. Cognição. 3. Linguagem. I. Morato, Edwiges Maria. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título. ______________________________________________________________________________ Orientadora: Profa. Dra. Edwiges Maria Morato ______________________________________________________________________________ Prof. Dr. Edson Françozo ______________________________________________________________________________ Prof. Dr. Jônatas Manzolli ______________________________________________________________________________ Prof. Dr. Edson Zampronha Campinas, 26 de fevereiro de 2003. À minha “matriz” intelectual, Edwiges Maria Morato. A todos os meus filhos. Agradeço profundamente a todos que contribuíram, de uma forma ou de outra, em todo o processo por trás do presente trabalho: minha mãe, minha Zana, Weber, Wander, Carlinhos, Leandro, Detmer, Ricardo, Fernandinha e George, Bruno, e tantos outros, amigos, professores e funcionários da UNICAMP. Agradeço também à FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo, pelo apoio e pela atenção empreendidos no presente trabalho. Sumário Sumário VII Resumo IX INTRODUÇÃO 11 I. O CASO MÚSICA X LINGUAGEM 15 II. O CASO MENTE X COGNITIVISMO 27 Modelos lógicos, matemáticos, computacionais 30 Modelos biológicos, cerebrais, animais 40 Modelos de consciência e subjetividade 54 A linguagem e os processos cognitivos 59 III. POR TRÁS DE UMA COGNIÇÃO MUSICAL 78 Definições de cognição musical 83 Questões envolvidas com a cognição musical 93 IV. COGNIÇÃO MUSICAL E SISTEMAS SEMIÓTICOS 96 Semiótica e cognição musical 98 Métodos linguísticos e cognição musical 104 Cognição e signo musical 115 V. COGNIÇÃO MUSICAL E SISTEMAS COMPUTACIONAIS 122 Inteligência Artificial e cognição musical 128 Conexionismo e cognição musical 139 Sistemas interativos e cognição musical 148 VI. NEUROMUSICOLOGIA COGNITIVA 154 Localizacionismo e cognição musical 158 Atividade cortical e cognição musical 173 Expectâncias, modelos sensóreo-motores e cognição musical 180 Neurolinguística e cognição 210 VII. CONCLUSÕES 226 Música, subjetividade, discurso 234 SUMMARY 247 BIBLIOGRAFIA 248 Resumo O presente trabalho propõe uma investigação epistemológica acerca das bases conceituais do conjunto de pesquisas científicas atuais que podem ser abarcadas em um campo genérico conhecido como “cognição musical”. É apresentada uma conceituação do termo, bem como um panorama mais amplo do campo sobre o qual se assentam as atuais ciências cognitivas — a partir das quais constitui-se muito do que pode ser considerado cognição musical hoje. Um ponto de partida inicial de conceituação é apresentado num problema especificamente linguístico — a metáfora musical, ou a comparação disseminada e de duplo sentido entre música e linguagem, tal como definida por MORAES (1991) —, o que define uma busca por possíveis manifestações de uma metáfora musical (de uma comparação disseminada entre música e linguagem) nas formulações dos artigos científicos sobre as relações entre a música e a cognição humana. É assim que a Linguística, enquanto disciplina independente do conhecimento humano, é encontrada em primeiro lugar como modelo epistemológico disseminado para os paradigmas reinantes na cognição musical. Para cada campo de aplicação de princípios das ciências cognitivas em música seria possível apontar para uma metáfora musical, envolvendo música e linguagem. Ao mesmo tempo, as implicações de um modelo propriamente linguístico para processos cognitivos podem, na maior parte das vezes, levar a conclusões contrastantes em relação à própria noção de cognição, e de sua relação com a linguagem. Assim, a comparações “cognitivas” (cognitivistas) entre música e linguagem, a Linguística poderia também representar um paradigma de oposição aos conceitos e métodos empregados em cognição musical (e também a uma metáfora musical reinante). As várias acepções sobre o caráter contextual, intersubjetivo, enunciativo e discursivo dos processos linguísticos que surgem associadas a um novo paradigma como este, por sua vez, podem dar origem a uma relação interdependente entre linguagem, cérebro e cognição, na constituição teórica de uma Neurolinguística enunciativo-discursiva, ou pragmático-discursiva (COUDRY 1988; MORATO 1995; MORATO 1999). Ao final, uma perspectiva enunciativa, pragmática e discursiva sobre linguagem e cognição permite vislumbrar consequências conceituais, metodológicas e programáticas tanto para o conteúdo do que é estudado em cognição musical quanto na dimensão de suas implicações teóricas, sociais, artísticas e éticas, modificando uma vez mais as possibilidades de uma relação com a Linguística — afinal, como ferramenta de análise teórica (epistemológica, ou simplesmente ideológica) de definições científicas. Palavras-chave: música / cognição / linguagem / cérebro / mente / discurso INTRODUÇÃO “Existe em muita gente, penso eu, um desejo semelhante de não ter de começar, um desejo de se encontrar, logo de entrada, do outro lado do discurso [...]. A essa aspiração tão comum, a instituição responde de modo irônico; pois que torna os começos solenes, cerca-os de um minuto de atenção e silêncio, e lhes impõe formas ritualizadas, como para sinalizá-los à distância”. FOUCAULT, A Ordem do Discurso. Antes de iniciar a discussão representada pelo presente trabalho, certamente será necessário discernir quais campos e forças do conhecimento humano serão postas em jogo, e quais os limites factíveis de realização que serão estipulados. Sendo assim, vamos direto ao ponto: o campo de estudo fundamental abordado aqui são as prerrogativas teóricas que permeiam o que pode ser chamado de musicologia cognitiva (cognitive musicology — LEMAN 1989), isto é, os estudos científicos que relacionam música e cognição. É certo também que um tal tema específico, assim apresentado como objetivo e simples, pode se mostrar totalmente enganoso, inalcançável em termos de discussão teórica ou acadêmica. O que se pode chamar de musicologia cognitiva envolve hoje dezenas de centros de pesquisa ao redor do mundo, centenas (talvez milhares) de pesquisadores sérios e competentes em diferentes áreas de pesquisa, talvez incontáveis publicações de tratados específicos, contribuições individuais, periódicos especializados por vezes em apenas uma das muitas facetas envolvidas em sua formulação. Afinal, a que poderia levar uma discussão que envolvesse simultaneamente tradições teóricas a respeito de música, obras musicais criadas por computadores de diversos tipos, vias de processamento auditivo do sistema nervoso humano, sequelas comportamentais causadas por lesões cerebrais, balbucio de bebês, educação musical, transes de possessão religiosa, postulações teóricas a respeito da lógica e da racionalidade, entre outros? É preciso permitir, em primeiro lugar, que cada dúvida ou irregularidade apontável a respeito seja apresentada e respondida em seu devido momento e lugar, tentando formar um todo coerente no espaço que abrange e no tempo em que é apresentado. O necessário agora é tentar definir quais as prerrogativas que possam autorizar uma pesquisa sistemática de relacionamento mútuo entre estes campos de ação, ou que possam basear uma coerência voluntária, anterior, aos esforços descritivos e conceituais que se seguirão aqui. Em outras palavras, é necessário definir, aqui e agora, o que move explicitamente o presente estudo. O primeiro ponto então é que a musicologia cognitiva existe, e, se este é um fato colocado cientificamente (institucionalmente), já move um sem número de pretextos para se falar a respeito dela. As possíveis (e também as necessárias) relações entre música e mente têm suscitado perguntas filosóficas durante séculos, envolvendo questões metafísicas, estéticas, sociais etc., formando o cerne das questões a respeito de psicologia da música; a simples proposição específica de relacionamento entre música e cognição, porém, já implicaria um movimento dentro deste espaço do conhecimento, ou seja, uma relação material, física (de uma maneira ou de outra), a ser dissecada e essencializada pela ciência (cognitione — lat. conhecimento; scientia — lat. saber). O segundo ponto, portanto, é que postular uma musicologia cognitiva é também postular uma materialidade, uma concretude, tanto da cognição quanto da própria música; ao menos, uma concretude científica. E nesse caso uma cognição especificamente musical, seja lá qual for, deveria mover-se em direção a uma ontologia musical, a um “ser musical” que se dá a conhecer por si próprio, a um “objeto” claro e visível do conhecimento, ou ao menos, do conhecimento científico. De fato, posturas totalizantes sobre a “universalidade” da música dentro da sociedade humana são comuns dentro de uma musicologia cognitiva; acima de tudo, a música deve existir como um objeto indiscutível, evidente, ontologicamente distinto para ser digno de uma busca científica; ou seu conceito deve ao menos se mover de alguma forma em direção a este tipo de objetividade. Não seria o caso de acatar unilateralmente uma pré-concepção assim apresentada, nem por outro lado negar peremptoriamente uma “essência da música” (como em PIANA 2001); mas sim o de observar quais seriam, afinal, as características concretas que poderiam ser indicadas nos fenômenos musicais quando estudados sob o ponto de vista cognitivo. E este seria sobretudo um objetivo válido e factível do ponto de vista teórico. O que move este estudo, portanto, não são exatamente novas postulações afirmativas e científicas sobre música (ou sobre cognição), mas é mais exatamente o exame de teorias propostas hoje sobre relações materiais (materialistas) entre música e mente; mais do que sua validade enquanto fatos científicos, tratar-se-ia de agrupar, no interior de tais teorias, idéias a respeito da relação entre processos cognitivos e música, e tentar observá-los de um ponto um pouco mais afastado e elevado, de uma visão mais, digamos, “panorâmica”, de contextualização geral dentro dos campos do conhecimento. O que moverá o presente trabalho não será tanto o que as pesquisas consultadas dizem explicitamente sobre seus conteúdos, mas sim as características na maneira como o dizem, em quais escolhas, voluntárias ou não, se baseiam seus objetos de pesquisa e suas conclusões, quais palavras, quais atividades foram usadas e comparadas, o que foi explicitamente definido, o que está “implícito” e o que não é dito de forma alguma. Ao mesmo tempo, reconhecer a pertinência de uma ontologia musical na atividade científica deve também levar a aceitá-la disseminada na produção que trata da cognição musical, sob quaisquer facetas que esta produção possa alcançar. Se uma definição do que é música, dentro do campo considerado, pode ser uma noção geral implícita mais que um conceito fechado, as próprias definições do que venha a ser cognição ou de seu estudo dentro dos meios científicos são extremamente variadas e por vezes contraditórias ou antagônicas, tal como poderá ser apresentado mais adiante. É desta forma que pode vir a ser produtiva e rica a variedade das diferenças metodológicas e conceituais entre os diversos ramos científicos envolvidos em pesquisas sobre cognição musical (numa palavra, diferenças epistemológicas — ver Capítulo I), ao invés de tornar a empreitada impraticável em motivo dos pontos de vista por vezes totalmente independentes e irreconciliáveis entre si. Se são múltiplos os campos de estudo considerados aqui, os exemplos e citações privilegiados são por sua vez, em sua maioria, específicos e corriqueiros em muitos aspectos dentro de suas áreas de alcance, mais do que propensos a uma consideração de caráter geral sobre os problemas dos quais tratam. Neste presente estudo eles também não serão questionados ou abordados de uma maneira estritamente ligada a seus problemas científicos corriqueiros ou específicos; pelo contrário, que move este estudo é a esperança que estes textos possam transmitir uma noção mais definida sobre os assuntos dos quais estão tratando (no caso, a música, mas também os processos cognitivos humanos). E há de se levar em conta também, por outro lado, que os pontos comuns de abordagem sobre cognição musical estão sujeitos às próprias diferenças conceituais envolvidas nas diferentes áreas de pesquisa, não se devendo perder em nenhum momento nem a visão geral, nem as especificidades particulares. Sem dúvida que tais pontos também não se apresentam desde sempre de maneira transparente ou unívoca, requerendo um processo de interpretação direcionado tanto para o conteúdo conceitual quanto para a realidade contextual, bibliográfica, no universo da produção científica consultada. A estrutura do presente trabalho se firma então num movimento de reconstrução bibliográfica e interpretativa dos paradigmas envolvidos nas relações entre música e cognição, assim como das opções metodológicas apresentadas por cada pesquisa científica da área. Os textos consultados caracterizam-se em sua maioria por artigos delimitados de periódicos científicos ou de coletâneas de trabalhos em áreas específicas, sendo digna de nota a significativa presença, na pesquisa, de citações de textos disponíveis na Internet (World Wide Web), cuja ampla disponibilidade atual acentua, de certa forma, o caráter “público” das questões colocadas. Também procurou-se imprimir rigor e explicitude na formatação gráfica do texto (grifos, bibliografia etc.), dando ao texto a possibilidade de múltiplas “varreduras” de informação. Finalmente, pode-se adiantar desde já que o ponto focal de onde serão enfileiradas as noções pertinentes aqui objetivadas, ou o “cursor” metodológico que esquadrinhará as relações entre música e cognição, será a relação entre música e linguagem (verbal) dentro dos processos cognitivos, como se notará em seguida. O corpo do presente trabalho pode ser dividido então em três partes distintas, organizadas em capítulos que procuraram de maneira a mais coerente possível se inter-relacionarem de forma independente entre si e seguindo uma ordem de apresentação linear de conceitos e objetos: a definição conceitual das questões envolvidas na relação entre música, linguagem e cognição (Capítulos I-III); a apresentação dos dados relevantes das diferentes pesquisas relacionadas à cognição musical (Capítulos IV-VI); a discussão das questões envolvidas de acordo com os objetivos propostos, à luz principalmente das implicações de paradigmas linguísticos na relação entre linguagem e cognição (Capítulo VII). I. O CASO MÚSICA X LINGUAGEM “E aliás a música é uma coisa terrível. O que ela é? Não entendo. O que é música? O que ela faz? E por que faz o que faz?” TOLSTOI, Sonata a Kreutzer. No início de uma investigação sobre cognição musical, a princípio, tem-se a música. Há sem dúvida uma espécie de “senso comum” do que vem a significar a palavra “música”. Pode-se encontrar este senso comum em compêndios sobre teoria musical (ARCANJO 1917), em declarações de artistas (DONATO 1994), em definições ontológicas (ROUGET 1985) ou comparações de caráter conceitual (BENVENISTE 1966A) etc. Música seria a “arte dos sons”, gerando, através da relação do que estas duas palavras possam representar, unidades de sentido próprio (as “músicas”, ou obras musicais, ou termos correspondentes); e estaria ligada a conceitos como os de “melodia”, “notas musicais”, “ritmo”, “instrumentos musicais” etc., que lhe dão identidade e a distinguem de outras atividades ou criações humanas. No momento não creio ser necessário me estender muito além de uma conceituação geral, “empírica”; como veremos, as “conceituações gerais” podem ser benéficas ou traiçoeiras, um porto seguro ou uma pedra no caminho. Digamos então que este é o dado culturalmente, dentro de nossa civilização, na acepção do que vem a ser música, intimamente relacionado com atividades ou sistemas musicais específicos, reconhecidos como artisticamente ou mesmo “lexicalmente” representativos — como uma “tradição” musical, mantidos e cultivados como “ideais” das atividades musicais em geral. E, é importante frisar inicialmente, este “dado” dificilmente é exposto, num primeiro momento, muito além do que o foi até aqui. Mas o surgimento e a apropriação do termo “música”, tal como é colocado atualmente, responde a princípios históricos, sociais ou humanos que podem estendê-lo para muito além dos limites colocados até aqui, transformando a música, de certa forma, num “pan-conceito” extensível a todas as formas: “[A]s histórias costumam nos oferecer pássaros cantando, os ventos nas árvores, os ciclos naturais dos astros, ou seja, todo um repertório naturalista bem ao gosto da música das esferas — medieval —, onde o homem, por princípio, não tinha lugar” (MORAES 1991; grifos do autor). Se aqui ainda podemos nos considerar no terreno do sonoro, que seria a matéria por excelência da atividade musical, o adjetivo “musical”, ou mesmo termos advindos de um sistema musical, podem a partir daí surgir associados a conceitos e noções que fogem de um ponto comum tão simples quanto este. A apropriação de termos como “ritmo” ou “melodia” é realizada de maneira natural no interior de diversos campos, como as artes plásticas, a linguagem ou atividades sinestésicas, e isso em meios acadêmicos ou não. Exemplos acadêmicos iniciais, que se revelarão importantes no decorrer do presente trabalho, podem ser o de sinergismo, ou “melodia do movimento”, (ex. LURIA 1981), em relação à homogeneidade fluente das atividades motoras; outro exemplo significativo seria falar da aquisição da fala e da linguagem “tocando de ouvido”, de ALBANO (1990), no qual os processos linguísticos parecem surgir, na formação infantil, ligados de certa forma a uma subjetividade lúdica, “musical”, aplicada aos materiais sonoros e vocálicos. Mas essa situação pode ser considerada como disseminada nas mais diversas áreas do conhecimento. O peso metafórico do uso de tais termos também é distinto de possíveis similares de apropriação, dentro do meio musical, de termos de outros campos (“como uma pintura”, “como uma fala” ou “como um idioma”), na medida em que o “musical” parece também implicar na definição não apenas de uma qualidade própria da música, mas da música ela própria como uma qualidade, uma vez que suas definições parecem sempre requerer uma pré-definição “musical”, propriamente técnica ou objetiva, anterior à sua formulação metafórica. Nesse aspecto, o uso de conceitos “musicais” remete também, sob variadas formas, não só a uma Música disseminada no mundo, mas de forma bem concreta a uma determinada música, ao sistema ou prática musical (a um sistema ou prática musical) vigente no interior de uma sociedade, como se o termo (“ritmo”, “melodia” etc.) pudesse ser conceituado e explorado a partir de seu uso corrente em situações musicais reais, ou a partir de seu paradigma dentro da teoria musical, do sistema outorgado socialmente como o “musical” por excelência. A existência ou validade de um paradigma do “musical” para a sistematização de nosso atual conhecimento a respeito de música, diga-se de passagem, pode ter suas origens demonstradas com base numa perspectiva histórica, que reduziria a atual teoria musical a uma prática de “adestramento” musical, cuja concepção pode ser traçada, entre outros, até o interior das guildas pós-medievais (MORAES 1991; para uma conceituação da guilda medieval, FISCHER 1984). A situação, então, é a de que a música não só é reputada ontologicamente como um fenômeno humano de natureza própria, passível de referência, sem prévia definição, em outros campos do conhecimento; ela também é geralmente considerada “definível” através das propriedades estudadas na teoria musical vigente, que dá conta apenas de uma prática musical específica. E tudo se passa como se a teoria (ou mesmo os elementos considerados constitutivos em música, como melodia, ritmo etc.) pudesse indicar os limites e as origens ontológicas de seu campo de estudo, a Música. Tal processo de equivalência “ontológica” entre Música e teoria musical (ou entre Música e termos musicais) foi definido em MORAES (1991) como a “metáfora musical”: a noção de termos musicais como uma “região limiar entre um léxico geral — onde se tornam passíveis de uso retórico — e um léxico restrito (‘teoria musical’) — onde são investidos de um certo poder normativo característico dos termos técnicos” (MORAES 1991). E no mesmo processo de “metaforização”, pode-se apontar também o fato de que conceitos da prática musical que não estão sistematizados na normatização de um sistema musical são geralmente definidos com termos oriundos de outros campos do conhecimento, e isso com variáveis graus de arbitrariedade semântica (metafórica); dentro da teoria musical tradicional, por exemplo, pode-se falar de “contornos musicais”, “sintaxe musical”, “coloridos timbrísticos”; ou, já no terreno acadêmico, científico, do estudo em cognição musical, de termos como “Linguística musical microestrutural” (“microstructural musical linguistics” — CLYNES 1995). Dentro destes últimos fenômenos, os indícios de uma aproximação entre conceitos musicais e conceitos linguísticos estão entre os mais comuns axiomas dentro do conhecimento humano, e se é este o caso, um primeiro objetivo do presente trabalho seria justamente apresentar evidências que tornem esta aproximação, no mínimo, relevante. Ela ultrapassaria uma mera questão terminológica (“melodia da fala”, ou “sintaxe musical”) para ocupar um “caráter contingencial, necessário” (ALBANO 1990) entre Música e Linguística (entre música e linguagem). Nesse sentido, “[...] não se trataria, portanto, de indicar o caminho historicamente retrógrado, qual seja, a retirada, do âmbito das preocupações linguísticas, da eventual relação linguagem / música” (MORAES 1991). Ou seja, tratar-se-ia de aceitar uma relação necessária entre os dois campos do conhecimento, colocada de tal forma que uma definição propriamente técnica em um campo ou outro talvez implique na inserção do outro campo, de forma dissimulada ou “metafórica”, dentro das preocupações próprias do campo inicial. Com isso, então talvez fosse possível buscar também uma “metáfora linguística” no interior de estudos musicais, dada em termos semelhantes1. Na verdade, se partimos aqui da validade da “metáfora musical” postulada por Marcos Moraes, uma “metáfora linguística” no interior de estudos sobre música talvez seja um dos conceitos mais importantes que podem emergir do presente estudo, como procurarei apontar mais adiante. Portanto, para se compreender e lidar com uma “metáfora musical” (e a partir daqui este termo será valorado como conceitual, e serão evitadas as aspas em suas aparições), a Linguística parece ocupar necessariamente um papel importante. Os princípios que nortearam a formação da Linguística como disciplina científica atual têm marco e fundador histórico definidos: SAUSSURE (1916) ultrapassa a metodologia de comparação entre as línguas, praticada pela filologia comparativa praticada no séc. XIX, interessada em apenas opor entre si as características gramaticais entre diferentes línguas sem colocar em questão a ontologia mesmo deste objeto — a língua. Saussure determina como tarefa da Linguística a de estudar a linguagem através de sua forma de funcionamento, de propriedades intrínsecas presentes em todas as suas manifestações, e não através de seus produtos (a fala cotidiana, ou as regras de línguas específicas); de procurar cientificamente “as forças que estão em jogo, de modo permanente e universal, em todas as línguas”, uma meta grandiosa e delicada. Para realizá-la, ele propõe abordar a linguagem verbal humana como um sistema fechado complexo de relações onde suas partes integrantes (fonemas, palavras, frases etc.) não têm seu valor dado por si próprias (por sua materialidade física, ou por sua simples realização), ou de acordo com instâncias externas (nas causas ou consequências de sua realização), mas de acordo com a posição que ocupem em relação às outras unidades: “[…] While there are many possible ways to pronounce ‘cat,’ for instance, each one ever so slightly different from the others, we still recognize it as the word ‘cat’ because it’s not ‘cap,’ or ‘bat,’ or ‘cot.’ We recognize a word only because it differs from similar words” 2 (LYNCH S.D.; grifo do autor). Propondo-se assim o estudo científico (e a Linguística sempre se rogou o direito de ser tomada como ciência) de um objeto (a linguagem) através das relações entre seus elementos distintos, surge também o estruturalismo, enquanto metodologia científica, de conhecimento; os objetos de estudo podem ser tomados não por seu valor ontológico ou contingencial, por suas qualidades intrínsecas ou seu conteúdo, mas simplesmente por seu papel na constituição de um sistema que os abarca: “Essentially, elements of culture are not explanatory in and of themselves, but rather form part of a meaningful system. As an analytical model, structuralism assumes the universality of human thought processes in efforts to explain the ‘deep structure’ or underlying meaning existing in cultural phenomena”3 (MEYER 2001). Dessa forma, o estruturalismo pode evoluir de conceito especificamente linguístico ao status de uma metodologia sistemática e versátil em ciências humanas, em disciplinas as mais díspares (exemplos clássicos hoje em dia são constantemente apontados, por exemplo, em LEVI-STRAUSS na sociologia, PIAGET na psicologia, BARTHES na teoria literária etc.): “ […] The account of language proposed by Saussure passed first into anthropology and literary criticism, and then, having been transformed through contact with phenomenology, psychoanalysis and Noam Chomsky, into virtually every discipline of the humanities — music theory, philosophy, archaeology, theology, intellectual and social history, the history of science, the analysis of popular culture — before capping off its imperial march with incursions into political theory, in the work of Foucault, Ernesto Laclau and Chantal Mouffe”4 (HIRSCHKOP S.D.). Os linguistas, diga-se de passagem, se colocam constantemente contra esta “inflação pan-lingüística” (ALBANO 1990) dos processos e principalmente dos métodos estruturalistas, enfatizando a especificidade dos fenômenos da linguagem frente a outras manifestações humanas. “The achievement of structuralist phonology was to show that the phonological rules of a great variety of languages apply to classes of elements that can be simply characterised in terms of these features; that historical change affects such classes in a uniform way; and that the organisation of features plays a basic role in the use and acquisition of language. This was a discovery of the greatest importance, and it provides the groundwork for much of contemporary linguistics. But if we abstract away from the specific universal set of features and the rule systems in which they function, little of any significance remains”5 (CHOMSKY 1968). Além disso, o estruturalismo enquanto centro epistemológico da Linguística também dá uma coesão conceitual e metodológica para as diversas áreas dentro da Linguística — suas diversas categorias. Em Semântica, ou na relação do significado linguístico com sua representação na palavra; na Sintaxe, ou em como, e a partir de que restrições ou mecanismos, os elementos linguísticos — fonemas, palavras etc. — podem ser encadeados numa ordem linear e com significado; na Fonética, ou em como produzimos vocalmente os sons linguísticos, e na Fonologia, ou em como eles são interpretados, organizados, classificados e transformados; na Aquisição da Linguagem, ou em como as origens da linguagem (principalmente em crianças) podem indicar algo sobre seu funcionamento — sua estrutura —; nos estudos sobre como funciona seu uso, que propriedades determinam as relações da linguagem verbal com o contexto em que está inserida, seja num contexto conversacional, de interação entre indivíduos, na Pragmática, seja num contexto social, na Sociolinguística, seja num contexto individual, psicológico, na Psicolinguística, seja como ocorrência cerebral, neurológica, na Neurolinguística. Assim, pode-se afirmar que estas diversas categorias se encaram no mais das vezes também como sistemas específicos e independentes uns dos outros em seu funcionamento na linguagem, e que portanto a Linguística aceita que existam diferentes níveis de funcionamento do linguístico, inter-relacionáveis entre si mas constituindo diferentes realidades conceituais, diferentes dados de estudo e principalmente diferentes recortes epistemológicos e ideológicos. Pode-se lembrar aqui da denominação de FRANCHI (1977), da linguagem como um “sistema de sistemas”. E mesmo nos dizeres de SAUSSURE (1916), o objeto linguístico é criado no momento mesmo em que se define “um determinado ponto de vista” para os fenômenos da linguagem, diferenciando-o de outros pontos de vista possíveis. E talvez seja por isso que ele considera necessário colocar, entre as atividades e objetivos primordiais da Linguística, a “definição de si própria e de seu objeto de estudo”, essa força inesgotável e em permanente variedade e transformação. “[.] o argumento de que são precisos múltiplos sistemas formais para captar o imenso potencial simbólico [das línguas naturais] permanece válido. A prova está no atual estado de arte da Linguística, onde uma multiplicidade de modelos compete para iluminar as facetas quase sempre entrecruzadas de um objeto tão difícil de apreender em sua totalidade” (ALBANO 1990). É através de uma perspectiva estruturalista, portanto, que pode se vislumbrar já uma primeira forma de introduzir a Linguística em suas relações com a música: como o sistema semiológico6 por natureza, a linguagem verbal se impõe como modelo estrutural (estruturalista?) para outras “linguagens”, entre elas a musical, permitindo-lhes uma forma anterior de conceituação e de funcionamento (como em BENVENISTE 1966A). No caso de uma metáfora musical, para um sistema musical normatizante, com uma visão “representacional” (simbólica, formalista, de regras explícitas) dos fenômenos musicais, a música assemelhar-se-ia ou “aspiraria” a um sistema semiológico ou mesmo estruturalista, ou seja, um sistema auto-referente onde as regras de inter-relação entre seus elementos se mostrem nítidas ou ao menos imbuídas de sentido, de validade pela simples oposição que estes elementos fazem entre si, como nas prerrogativas estruturalistas. Uma proposta como esta pode ser bastante encontrada, em diferentes abordagens e com diferentes profundidades para uma analogia entre música e linguagem: em confrontações epistemológicas, tentando definir o que poderia ser produtivo numa visão de um campo a partir do outro (BARTHES 1990) ou nas relações e distinções entre os dois campos (SEEGER 1977B); em teorias que encaram, em diversos graus, a música como uma linguagem musical específica, e onde sobretudo o conceito do “linguístico” é privilegiado como modelo de uma “teoria da representação” humana (mental, sígnica, estrutural) específica (LERDAHL, JACKENDOFF 1981); também em momentos em que metodologias e mesmo “tomadas de posição” conceituais entre música e linguagem aparecem inter-relacionados, como na fonologia (LERDAHL, JACKENDOFF 1983B; REPP 1991), na psicolinguística (MATTE 2001), na neurolinguística (ou na afasiologia7, no estudo de amusias — NEPOMUCENO 1983; DALLA BELLA, PERETZ 1999) etc.; em neuropsicologia, em comparações de pesquisas e medições de processamento cerebral, com vários métodos, envolvendo dados dos dois campos, música e linguagem (POLK, KERTESZ 1993; BESSON, KUTAS 1997); em modelos computacionais que relacionam de alguma forma determinadas características musicais e linguísticas (WINOGRAD 1968; SMOLIAR 1980); ou mesmo no linguístico visto como resultado natural e mais evoluído de propriedades dos fenômenos musicais, de diferentes formas (MIRANDA 2000; VANEECHOUTTE, SKOYLES 1998), ou em comparações entre educação musical e o desenvolvimento de um determinado “sistema formal”, como na linguagem: “Um sistema simbólico formal [num contexto musical] é definido como um conjunto de signos cujos referentes são elementos e relações que ficam constantes em relação a um quadro referencial externo e estável (uma estrutura formal), generalizáveis a todas as instâncias em um dado domínio (por exemplo, a todo ritmo), aplicáveis de um ponto a outro de contextos internos variados e aceitáveis por leitores diferentes” (BAMBERGER 1990). Cria-se aqui, portanto, uma situação de interdisciplinaridade, no sentido clássico, entre modelos linguísticos e sua aplicação em conteúdos musicais. Ora, se dada como uma comparação entre teoria musical e estruturalismo ou mesmo entre seus objetos de conhecimento, a relação Música-Linguística (ou música-linguagem verbal), na própria maneira como está exposta, se revela desde o início desigual e conflitante. O conteúdo linguístico atual apresenta um conjunto de dados estratificado e explicitado através de uma metodologia própria, alcançada pela análise multifacetada de um mesmo objeto — a linguagem. Nesse caso, a Música (ou mais especificamente a metáfora musical) não pode propor nada que vá muito além da apropriação de conceitos externos, afora da terminologia inicial que a institui enquanto prática — ou seja, a teoria musical. “Language has self-evident evolutionary, social and individual utility; after all, language is, at the least, about something. Music is not about anything in particular”8 (CROSS 1999A; grifos do autor). De fato, na postulação de uma metáfora musical, o que Marcos Moraes expõe em sua tese de mestrado Por uma teoria do ritmo: a questão da metáfora musical (MORAES 1991) é uma abordagem histórica de uma questão específica, o ritmo, tanto em estudos musicais (de teoria musical) quanto em sua apropriação e em seu continuamente crescente interesse dentro da Linguística pós-saussuriana. Para ele, a teoria musical seria incompatível com as implicações necessárias em uma interdisciplinaridade a partir da Linguística estruturalista; uma estrita interdisciplinaridade, se concebida em termos de “uma disciplina funcionando como input primário para outra”, é contra-producente, justamente pela vagueza ontológica das concepções de Música e do musical. Mas acredito que a formulação de uma metáfora musical imbricada nos limites entre a Música e a Linguística pode ter implicações bem mais amplas, dentro das Ciências Humanas. Em vários círculos diferentes das teorias psicológicas, gerados por acepções diversas (ligadas ou não à Linguística e ao estruturalismo), encontra se a idéia de que a linguagem verbal exerce papel fundamental na percepção e na concepção que temos do mundo. Na possibilidade cognitiva do simbólico (do semiológico — BENVENISTE 1966A) ou do propriamente linguístico (JAKOBSON 1954), do interacional e intersubjetivo (LEMOS 1982A) ou do cultural (VYGOTSKY 1934), na formação dos processos cognitivos e dedutivos característicos do ser humano (SPERBER, WILSON 1986; CHOMSKY 1968) ou mesmo na forma de um “aparelho de linguagem” constitutivo de um “aparelho psíquico” freudiano (FREUD 1891; BIRMAN 1993), em toda parte, em suma, a linguagem ou seus atributos são apontados como centrais nas mais variadas facetas do conhecimento humano. A partir daí, através de pesquisas em várias facetas da Linguística, podem ser confrontados outros paradigmas sobre o cognitivo, o mental, o cerebral (e também o psicológico e o epistemológico), onde a cognição e a mente são advindas não só biologicamente mas também culturalmente (ex. VYGOTSKY 1934), com uma participação essencial e constitutiva da linguagem (verbal) (MORATO 1996). “Se queremos imaginar [a linguagem] como uma ‘ação’ livre e ativa e criadora, suscetível de pelo menos renovar-se ultrapassando as convenções e as heranças, processo em crise de quem é agente e não mero receptáculo da cultura, temos então de apreendê-la nessa relação instável de interioridade e exterioridade, de diálogo e solilóquio: antes de ser para a comunicação, a linguagem é para a elaboração; e antes de ser mensagem, a linguagem é construção de pensamento; e antes de ser veículo de sentimentos, idéias, emoções, aspirações, a linguagem é um processo criador em que organizamos e informamos as nossas experiências” (FRANCHI 1977). Nessa situação, a linguagem não é mais necessariamente vista apenas como manifestação de uma estrutura (da língua, do pensamento ou de processos cognitivos mais primários), mas passa a ser valorada também como atividade, estruturada e estruturante destes processos (a língua, o pensamento, processos cognitivos etc.). Para além de suas categorias estruturais, para além de um sistema determinístico, a linguagem enquanto “atividade constitutiva” dilui e amplia as fronteiras do linguístico, definindo-o como um processo sempre intersubjetivo entre sujeitos específicos, mais do que baseado em princípios invariáveis, sejam estruturais, sejam de referência a “objetos” externos. Da mesma forma, se pela separação entre sistema linguístico (de funcionamento da significação, abordável pela metodologia estruturalista) e suas manifestações, o método estruturalista determina uma dicotomia essencial entre língua (estrutura) e fala (manifestação), esta dicotomia perde sua força conceitual na medida em que são valorizados elementos ligados às formas e processos linguísticos dialógicos, de questionamento das maneiras pelas quais é possível se formar e se manter estes sujeitos linguísticos enquanto tais, enquanto usuários de uma língua (o que abarca também suas condições de manifestação ou produção). Nesse movimento podem ser acolhidos diversos pontos de vista distintos dentro de disciplinas da Linguística, como na pragmática (PARRET 1997); em teorias sobre enunciação, ou o ato de realizar verbalmente uma proposição (DUCROT 1972); mesmo em proposições a respeito do caráter intersubjetivo e (por isso mesmo) construído socialmente dos conteúdos linguísticos, na análise do poder conceitual e social da linguagem, de propagação e construção do sentido e do significado, (BAKHTIN, VOLOSHINOV 1930; WITTGENSTEIN 1921; WITTGENSTEIN 1953); ou, em outros termos, da relação entre linguagem (e língua) e sociedade (ideologia), como a abordagem presente na Análise do Discurso francesa, de caráter histórico-sociológico-ideológico (PÊCHEUX 1975; HENRY 1990), ou outras, ditas “pós-estruturalistas”, com certo grau de similaridade (FOUCAULT 1969; FOUCAULT 1977; etc.). Numerosas implicações destas posições podem ser encontradas também nas áreas, por exemplo, da aquisição da linguagem (PEREIRA DE CASTRO 1997), da teoria literária (BAKHTIN 1997), da neurolinguística (MORATO 1999) etc. (ver Capítulo II). “Apesar de os processos linguístico-discursivos serem distintos no monólogo e no diálogo, a natureza intertextual e interlocutiva da linguagem [...] sugere que as duas são estruturas muito próximas, ou dito de outra forma, não distintas. Na verdade, a dicotomia monologia/dialogia tem mis a ver com o esforço da Retórica do que propriamente com o caráter intrínseco da atividade discursiva, externa e interna, ou do pensamento, se se preferir” (MORATO 1996). É nesse sentido então que a Linguística poderia tomar parte também em um segundo papel junto a uma metáfora musical: o de oposição epistemológica (conceitual, ontogênica, metodológica etc.) ao escopo de pesquisas envolvendo uma definição sobre o musical. Se linguagem e música devem estar intrinsecamente relacionadas, esse relacionamento deveria ser inserido numa discussão maior, sobre o papel da linguagem na constituição do humano, do dialógico e do social. Adicionar, ao nosso panorama da relação música-linguagem, questões da ordem do discursivo e do intersubjetivo, significaria, entre outras coisas, também poder tomar a produção teórica sobre música (e em nosso caso específico, sobre cognição musical) não só como proposições diretas “emanadas” do conteúdo dissecado cientificamente, mas também como representantes explícitos ou implícitos de uma determinada mentalidade (ou uma “linguagem”) sobre o musical, como “dizeres” constituídos e constituintes da atividade e da conceituação do musical, ou, afinal, também como manifestações de discursos ideologicamente e historicamente marcados (COHEN 1993; AGAWU 1995A), o que configuraria uma terceira forma de possível relacionamento direto com a Linguística. Mais especificamente, como uma forma de abordar tais textos não só marcados de forma implícita, disseminada e dissimulada, mas também determinantes para a formação de uma ideologia (de um “senso comum” implícito e aceito — ver Capítulo II) a respeito da música e do musical. Isso nos aproximaria de abordagens que consideram a linguagem, a língua e o texto como ferramentas de atuação especificamente social ou ideológica, de transformação e consolidação de uma determinada visão do mundo. Dessa maneira, o “falar sobre música” também se torna uma maneira de fazê-la, de construir e comunicar seu sentido. De fato, podem ser encontrados vários indícios nesse caminho em pontos específicos da literatura relacionada (DAVIDSON, TORFF 1992; BÉHAGUE 1995; SEEGER 1977C; SAMUELS 1989), como poderá ser apresentado no Capítulo VII. Mais que isso, a aceitação de paradigmas linguísticos ligados ao dialógico, ao discursivo e ao intersubjetivo no seio de estudos sobre música talvez implique na aceitação de uma inexorável região de indeterminação (FRANCHI 1977) no significado do que é o musical, no uso corrente desse significado, nas pesquisas e operações realizadas a partir dele, na aplicação de propriedades suas em ramos diferentes do conhecimento humano, de acordo com implicações dadas por estes mesmos paradigmas. Uma indeterminação de caráter profundamente conceitual, que parece escapar às tentativas de definição artística, filosófica ou mesmo que simplesmente semântica, justamente pela volatilidade dinâmica do musical frente a outras “entidades” do conhecimento, como o signo, a linguagem, o som: “[...] música, enquanto significante puro, é mera possibilidade, com a qualidade mantendo uma relação de analogia com o objeto que, no caso da música, é ela mesma. [...] É desse modo que ela se caracteriza como polissêmica, não se esgotando nunca, alimentando-se sempre de uma grande margem de ambiguidade e indefinição, favorecendo diferentes tipos de leitura. Fortemente engendrada em si mesma, a música, tonal ou não, só se mostra, e nesse se mostrar ela acaba desautomatizando a nossa sensibilidade [...]” (SEKEFF 1996). De fato, é uma definição da “especificidade” do musical, sua relação com determinados modelos teóricos musicais e racionais (SEEGER 1977A) ou, pelo contrário, com um intangível e “inefável” musical (RAFFMAN 1993), que parecem sempre como que escapar entre os dedos na literatura disponível. Portanto, para além de uma mera apropriação metodológica entre disciplinas, o problema de uma metáfora musical pode ser encarado enfim como um problema epistemológico em seu cerne, ou seja, um problema da relação dos fenômenos musicais com seus modelos teóricos, com suas formas de representação, com sua conceituação dentro de um campo epistemológico geral, com seu status dentro da sociedade. A Epistemologia é uma área da filosofia ligada a teorias sobre o conhecimento humano: “its possibility, scope, and general basis” (HAMLYN 1995). Se antes de DESCARTES, na filosofia grega e na Idade Média, é possível encontrar-se reflexões sobre as origens e as formas de conhecimento do ser humano a respeito do mundo, é a partir dele que a questão se torna central na cena filosófica, inaugurando, por assim dizer, a filosofia moderna. “Often, but not always, [many] philosophers have had as their main preoccupation the attempt to provide a general basis which would ensure the possibility of knowledge. For this reason it is sometimes said that the seventeenth and eighteenth centuries were the age of epistemology, in that Descartes then introduced what is sometimes termed the ‘search for certainty’, seeking a sure foundation for knowledge, and was followed in this by other philosophers of the period. To this end DESCARTES employed his ‘method of doubt’, a form of systematic scepticism, in order to ascertain what could not be doubted. He found this in his notorious proposition ‘Cogito ergo sum’ (‘I think, therefore I am’), which, he thought, established the existence of the self as a thinking thing”9 (HAMLYN 1995). Propõe-se assim que o conhecimento objetivo do ser humano a respeito do mundo não seja dissecado e questionado através de dados empíricos, mas na forma como nossa consciência e racionalidade a respeito do objeto (ou o cogito) podem ser concebidas: “Nothing counts as justification unless by reference to what we already accept, and there is no way to get outside our beliefs and our language so as to find some test other than coherence”10 (RORTY apud DAVIDSON 1983). Se a relação música-linguagem pode ser apresentada antes de tudo como uma questão de posição ou de origem de conhecimento, seu questionamento não se dá mais como um questionamento de objetos específicos de conhecimento (objetivo), mas de posicionamento de sujeitos em relação estes mesmos dados de conhecimento (subjetivo). Ou seja, o cerne da questão deixa de ser o que sabemos (a música, a linguagem etc.), para se concentrar nas formas como chegamos a conhecer os fatos do mundo (a respeito da música, da linguagem etc.). Enfim, até aqui foram delineados dois problemas específicos. Um, o da tentativa de superação de uma conceituação da Música e do musical a partir da teoria musical vigente; se a princípio a conceituação do musical pode ser encontrada de maneira disseminada no conhecimento humano a ponto de ser possível falar dela apenas de maneira “metafórica”, sua representação através do conteúdo da atual teoria musical é insuficiente. Outro, o da relação epistemológica entre Música e Linguística; se considerarmos constatado não ser possível separar totalmente um campo do outro, talvez seja possível ao menos determinar uma “função geral” de um campo do conhecimento para o outro, para além de uma simples interdisciplinaridade. O que certamente implicaria uma pertinência necessária, para um campo do conhecimento, de conclusões no outro campo. Assim, antes de propor o objeto específico do estudo apresentado no presente trabalho, foi necessário definir, num movimento reflexivo (de “reflexão”), seu objetivo, seu “problema”. E também será vantajoso descrever, a partir deste ponto (no Capítulo II), o campo difuso e instituído do conhecimento humano — ou seja, a cognição e o cognitivismo — no qual será possível uma investigação epistemológica sobre o musical e sua relação com a Linguística num tema específico — ou seja, a cognição musical (a partir do Capítulo III). II. O CASO MENTE X COGNITIVISMO “Mas isso não se deve a nosso conhecimento demasiado escasso dos processos que se dão no cérebro e no sistema nervoso? Se os conhecêssemos mais exatamente, veríamos quais ligações foram produzidas pelo treinamento, e poderíamos então dizer, quando olhássemos no cérebro: ‘Agora ele leu essa palavra’ ”. WITTGENSTEIN, Investigações filosóficas, §158. 11 Quando não há dúvidas sobre o que se sabe ou como se sabe, nossos objetos de conhecimento e crença, nossos “fatos”, são dados por si mesmos, e discutidos independentemente de sua apreensão ou julgamento. “Para a filosofia pré-moderna, em primeiro lugar, a existência daquilo que na filosofia moderna se convencionou chamar de ‘mundo exterior’ (a realidade externa à nossa mente) não é um problema. Para ela, é pacífico que existe um mundo fora de nossa mente, que é objeto de nosso conhecimento. Isso não precisava ser demonstrado, porque não havia se tornado um problema” (CHAVES S.D.). Um problema epistemológico, pelo contrário, se dirige justamente para o conhecimento humano, isto é, a forma e os processos pelos quais podemos perceber e julgar o mundo, a forma como nossas percepções e julgamentos “reais”, objetivos, são atingidos por estes mesmos processos. Assim, ele pode ser identificado também com processos puramente mentais ou mais especificamente psicológicos, problemas referentes a uma “vida interior” (PIANA 2001). “Where does epistemology come on the philosophical map? I see it as a chapter in the more general enterprise which is called the philosophy of mind; it is the evaluative side of that enterprise. In the philosophy of mind we ask about the nature of mental states, in particular […] about the nature of belief. Our views in epistemology are sensitive to our answers to that question, just as they are sensitive to scientific results about the nature of perceptual processes.”12 (DANCY 1995). Se é DESCARTES quem coloca a questão do conhecimento como central na filosofia (tal como fora apresentado no Capítulo I), é também ele quem leva a encará-la como uma questão especificamente mental. O “Cogito ergo sum” (“penso logo existo”) instaura ao mesmo tempo um princípio filosófico de racionalidade empírica, e um método filosófico de inquirição a partir da qual se possa chegar a verdades incontestáveis, ou seja, o método da dúvida. O cogito estabelece o princípio do conhecimento numa racionalidade lógica, matemática ou simplesmente humana, a partir da qual a dúvida, como uma espécie de “método de prova” experimental do raciocínio, se instauraria como forma de “dedução” da realidade, racional, empírico e formal (numa palavra, o método científico). Mais que isso: a mente ou a racionalidade primária (o cogito e o método da dúvida) é contraposta a tudo que não tenha sido dissecada anteriormente por seus princípios — englobando aí os sistemas de crenças, dos sentidos do corpo ou mesmo o senso comum matemático. A oposição entre a racionalidade e o mundo, em sua filosofia, instaura uma cisão entre o corpo e a mente, ou entre o corpo e a alma; o conhecimento é colocado como proveniente das representações mentais (da racionalidade lógica) de uma formulação individual, de um único sujeito, ou seja, em uma subjetividade imanente. “One thing that was novel about the kind of philosophy that Descartes introduced was its first-person approach. The general basis for justification of claims to knowledge was to be found in the individual’s own mind, and the ‘I think’ is, for Descartes, the basis for any confidence an individual can have in believing himself to have knowledge. Perception is just as much a matter of having ideas as is any other operation of the mind, and the problem is therefore what kind of justification we have for believing that our ideas are representative of anything.”13 (HAMLYN 1995). Também é a partir daí que se pode considerar este o início da filosofia moderna, sempre envolvida com questões a respeito da relação entre o “interior” humano e a realidade, ou as formas de representação desta última (a simbolização do mundo, sua significação). As maneiras filosóficas de responder a questões como estas têm se multiplicado desde o século XVII (cf. RIBEIRO 2000), e suas possibilidades teóricas e implicacionais podem se ampliar ao infinito e não conseguiriam ser abarcadas aqui adequadamente. “The mind-body debate reduces the general problem of fit to a very specific question: what is the ontological relationship between mental entities, on the one hand, and physical entities, on the other? It has developed a range of candidate answers to this question. These are the official ‘isms’ familiar to any student of the debate: Cartesian dualism, central state materialism, functionalism, and so forth.”14 (VAN GELDER 2001). Mas é a partir desta contextualização de caráter geral que pode ser apresentado o campo de estudo do qual o presente trabalho pretende abordar um aspecto específico. Inicialmente, uma abordagem epistemológica da metáfora musical (ver Capítulo I) só se mostrará factível na medida em que se optar por uma epistemologia específica, um determinado ponto de vista a respeito do que é o conhecimento humano (da música, da linguagem). Trata-se então de investigar portanto uma “resposta científica, portanto materialista, ao velho problema filosófico da relação entre a alma e o corpo” (DUPUY 1996). Trata-se assim de investigar a questão do mental (do epistemológico), em suma, como uma questão a respeito da cognição. A palavra “cognição” pode ser descrita num dicionário como o processo de “aquisição do conhecimento” (HOLLANDA 1986). Seu uso nos meios científicos aparece associado mais especificamente ao estudo de processos específicos da percepção e da atividade motora, animais e humanas, e principalmente sua relação com o pensamento e a razão, ou com “atividades mentais superiores”. Ou seja, ao momento justamente em que o físico (o perceptual) e o abstrato podem se “transformar” ou se “transmitir” um ao outro. Se os processos mentais superiores são acessíveis para descrição e explicação apenas através de especulação filosófica, os processos perceptuais e motores apresentam um vasto campo objetivo e material para estudos científicos, empíricos, formais e precisos. A partir desta fórmula simples, a proposição atual de respostas científicas (empíricas, materialistas) a respeito da mente humana responde a origens históricas, epistemológicas e ideológicas delimitáveis (DUPUY 1996); abarca na verdade questões fundamentais do conhecimento humano; e, ao mesmo tempo, têm profundas controvérsias em sua própria conceituação. Historicamente, ela deve a longínquos posicionamentos de caráter empiricista (Locke, Stuart Mill, Hume — cf. HAMLYN 1995) e mais recentemente, deve muito de seu impulso à proposição inovadora do teorema da “máquina de TURING” (1936), a proposição de uma máquina imaginária de configurações físicas a princípio bastante simples, e que seria capaz (postuladamente) de computar qualquer algoritmo matemático (ou racional). “Uma máquina de Turing compreende três órgãos: a máquina stricto sensu, suscetível a qualquer momento [...] de se achar num estado, chamado ‘estado interno’, pertencente a uma lista finita; uma fita ilimitada no dois sentidos, que representa a memória da máquina: essa fita é dividida em ‘casas’, cada uma delas comportando ou não certa marca; e por fim uma cabeça de ler-apagar-escrever capaz de [...] ler na casa se ela contém a marca ou não, escrever ou apagar a marca, e desolar-se para uma casa adjacente na fita.” [...] “Por meio de codificação, uma dada máquina de Turing realiza uma função numérica particular. [...] A máquina de Turing é portanto, uma calculadora aritmética. Graças ao trabalho de GÖDEL, [...] já que a lógica é aritmetizável, a máquina de Turing é também uma calculadora simbólica. Ela constitui um modelo do pensamento simbólico.” (DUPUY 1996). Ou seja, trata ou reduz o computável (o racional ou o consciente) a uma máquina, a um procedimento automático, material, causado por seu funcionamento físico. Na medida em que é concebida como um modelo de computabilidade (e, a partir daí, da matemática e da lógica), e um limite da funcionalidade racional (da operabilidade racional) não apenas lógico mas também físico, a máquina de Turing propõe uma série de problemas e implica em uma série de paradigmas a respeito do mental que influirão na formulação das ciências cognitivas e de processos assim chamados cognitivos, tais quais são concebidos e pesquisados hoje (cf. SEARLE 1993; SEIFERT 1992). Então, o que se propõe agora é discriminar alguns destes pontos “epistemológicos” de maneira a formar uma paisagem clara do que vem a ser, senão a cognição, pelo menos o cognitivismo. “A mente, ou antes cada uma de suas faculdades particulares, é concebida como uma máquina [...] que opera sob as fórmulas de uma linguagem interna, privada, análoga a uma linguagem formal na lógica [a disciplina]. Os símbolos [...] têm um triplo modo de existência. São materiais (encarnados na neurofisiologia) e, portanto, sujeito às leis da física (em primeiro lugar, sujeitos às leis da neurofisiologia, mas supõe-se que esta possa ser reduzida àquela); têm uma forma, e como tais, são regidos por regras sintáticas (análogas às regras de inferência num sistema formal no sentido da lógica); são, enfim, dotados de sentido e têm um valor semântico” (DUPUY 1996). Modelos lógicos, matemáticos, computacionais Atribuir causas físicas ao pensamento (a processos cognitivos, mas o cognitivismo certamente que possa se reduzir estes a aquele) tem o primeiro sentido de torná-lo observável e acessível empiricamente, cientificamente, capaz de ser descrito e representado em termos de grandezas físicas envolvidas em suas formas de funcionamento, de processamento. O “método da dúvida” de Descartes já aponta para uma metodologia e um princípio de racionalidade a ser encarnado na ciência moderna, de caráter formal, experimental e institucional. Assim, um modelo fisicalista dos processos mentais humanos é também um modelo cientificista, positivista. Mais ainda, nesse sentido pode-se também assumir que a “ordem” física à qual pode-se atribuir a gênese dos estados mentais humanos esteja já, afinal, impregnada na natureza. A informação e a racionalidade seriam assim propriedades “naturais”, e a própria noção de “informação [...] pertence[ria] ao domínio da física, e mais precisamente da termodinâmica” (WIENER apud DUPUY 1996). “Se todo organismo é cercado de informações, isso acontece porque há organização em toda parte ao seu redor, e essa organização, em razão até de sua diferenciação, contém informação. A informação está na natureza, e sua existência é portanto independente da atividade desses doadores de sentido que são os intérpretes humanos” (DUPUY 1996, sobre o movimento cibernético do final dos anos 40; grifo do autor). Numa evolução deste conceito primário, a idéia de que toda forma de organização na natureza, até as mais indeterminadas (e das quais a cognição ou o pensamento constituiria apenas manifestações possíveis), possa ser axiomizada em termos de proposições matemáticas ou físicas foi proposta assim por ASHBY (1962), dando origem a um vasto movimento teórico e de aplicação matemática (como ex. Atlan, van Foerster, Debrun, Varela; apud ALBANO 1990; SHALIZI 2001) que propõe isolar ou definir sistemas de auto-organização. Ou seja, sistemas abertos e complexos (não-lineares, ou não-matemáticos) que revelem comportamentos axiomizáveis e “lógicos” (matemáticos), como abordagens possíveis em áreas bastante diversas do conhecimento (matemática, biologia, economia, neurofisiologia etc.). “Todo sistema composto de um número muito grande de elementos em interação [...] desenvolve inevitavelmente, e de maneira espontânea, propriedades de estabilidade” (DUPUY 1996). Portanto, a questão da auto-organização toca de perto os problemas a respeito da cognição e das ciências cognitivas, mas não se confunde propriamente com eles. Hoje são encontráveis várias postulações sobre aspectos da cognição humana baseadas na idéia de sistemas auto-organizados. Como pretendo apresentar no decorrer deste trabalho, teorias baseadas em formas de auto-organização (de uma organização espontânea emergindo em um sistema caótico) podem na verdade ser consideradas como teorias-limite para aplicação em estudos sobre cognição, na medida em que devem encarar o conhecimento humano como um dado gerado naturalmente da interação entre os objetos (mais do que de um tipo específico de percepção, ou uma atribuição de valor informacional ou sígnico), a partir de propriedades intrínsecas (físicas) e inexoráveis. A própria noção de auto-organização parece conter elementos paradoxais, que têm o poder mesmo de englobar a posição do sujeito científico, cartesiano. “Por dedução lógica, Ashby deduz daí que a auto-organização é uma noção contraditória, que só participa do campo das aparências. Para que haja auto-organização, seria preciso, com efeito, determinar a mudança da função [matemática] que o rege [o sistema auto-organizado]. Mas, para isso, dever-se-ia imaginar uma outra função, de um nível lógico superior à primeira, que a modificasse. E nesse caso o sistema teria sido definido de maneira errada pela função inicial. O novo, a liberdade, a espontaneidade são relegados à condição de ilusões ou de erros. São relativos a um observador que só é surpreendido porque se restringiu ao ponto de vista finito daquele que opta por ‘não levantar a tampa do sistema’ ” (DUPUY 1996). Para a definição das ciências cognitivas (e mesmo do papel nelas de processos de auto-organização), não se trata tanto de discernir o quanto o físico (a realidade) já contém de lógico, ou de se perguntar sobre a recursividade ou mecanicidade do mundo15, mas sim de discernir processos que sustentem a própria possibilidade de formulações lógicas humanas, mesmo a possibilidade física, representável em uma máquina (como a máquina de Turing). Na medida em que a lógica ou mesmo seu funcionamento são tomados como modelo de racionalidade (fato comum na filosofia da mente — cf. AUROUX 1994), trata-se então de materializar seus mecanismos num sistema formal, codificável como uma linguagem, ou mesmo de formalizar o pensamento em um sistema possível de proposições lógicas, matemáticas ou, simplesmente, linguísticas. O que aproxima as abordagens cognitivistas de disputas tradicionais envolvendo a relação da linguagem com o pensamento. “Sabe-se que, como consequência do dualismo ontológico, o fenômeno mental (cognitivo) tem sido [...] concebido praticamente à margem da linguagem. Se quisermos resumir a história da tradição filosófica acerca da mente, observaremos, como fez DASCAL (1983), que a relação entre linguagem e cognição, assim, ou é externa, em termos de que ambas são tomadas como elementos logicamente independentes e heterogêneos entre si, ou interna, por uma instrumentalidade (na medida em que a linguagem desempenharia, nesse ponto de vista, uma função meramente instrumental, psicotécnica, frente à cognição)“ (MORATO 1996; grifos da autora). Já o desenvolvimento da lógica como disciplina envolveu constantemente questões a respeito especificamente da linguagem lógica, de sua formalização e infalibilidade, de sua representação; só para ficarmos no século XX, podem ser citados vários filósofos que se ocuparam da questão: Russell, o primeiro Wittgenstein, Frege etc. (DIAS 1998; SCRUTON 1982). Em todos eles, a questão de uma linguagem lógica é transpassada ela mesma pelo uso da linguagem, em seu papel de representação sígnica delimitável e sintática. Note-se que se a linguagem é tomada como a responsável pela possibilidade de sistemas formais, a identificação maior não é com a atividade “linguageira” (AUROUX 1994) do uso da fala cotidiana, mas com seu status epistemológico como suporte para o pensamento racional, ou em última instância, a lógica. “FREGE (1972) pretendia, através [...] de um sistema de signos ‘com uma definição estrita e unívoca’, expressar da maneira mais correta possível a estrutura de nosso raciocínio. Além disso, para evitar conclusões logicamente ilegítimas, Frege também criou um conjunto de regras de dedução formais e de axiomas lógicos. Podemos perceber que, através desses recursos em que a dedução se tornou cálculo, foi possível a eliminação dos equívocos e imperfeições da linguagem comum” (DIAS 1998). Assim, na acepção da lógica como um modelo da relação linguagem-pensamento pode-se encontrar não só a formalização do pensamento (em termos de um código, capaz de ser mecanizado), mas também uma redução do funcionamento mesmo da linguagem a seu aspecto mecânico, instrumental. A linguagem se caracterizaria essencialmente pela capacidade de criar proposições racionais, e poderia ser circunscrita a partir do funcionamento destas enquanto tais; é dessa forma que o caráter sintático da linguagem, de formas de relação necessária e unívoca entre “verdades” denotativas, é valorizado como “mecanismo” básico no funcionamento da lógica. Da mesma forma, na Linguística (no estruturalismo) a “língua”, o objeto de estudo, se caracteriza também essencialmente por uma língua formalizável e delimitável enquanto sistema de oposição entre elementos, pela noção de regra ou restrição constitutiva que permite as relações entre os termos das proposições. Por outro lado, para além do estruturalismo, a formalização do sistema linguístico tem sido representada, na tradição histórica dos estudos sobre a linguagem, pela idéia de gramática (AUROUX 1994). Pode-se dizer que é isso que permitiria CHOMSKY (1965; CHOMSKY 1968), dentro da Linguística, caracterizar sua idéia de “gramática universal” — uma “estrutura profunda” de regras constitutivas (em sua essência) sintáticas que subjazeria universalmente às diferenças entre todas as línguas humanas existentes — como um procedimento não só formal mas também lógico ou matemático. “Notice, incidentally, that the existence of definite principles of universal grammar makes possible the rise of the new field of mathematical linguistics, a field that submits to abstract study the class of generative systems […] in universal grammar. This inquiry aims to elaborate the formal properties of any possible human language”16 (CHOMSKY 1968). Mas o “materialismo” da perspectiva cognitivista não se resume ao formalismo da linguagem como um “código lógico” e definido (um código, afinal de contas, “material”). O modelo idealizado de cognição (de racionalidade) como máquina deveria ser completado pela máquina ela mesma, por sua concreta implementação e sua comparação com os processos informacionais humanos. Assim, um dos fatos profundamente relacionados ao início do movimento cognitivista é justamente a invenção desta máquina, uma “máquina de pensar” (ou uma encarnação da máquina de Turing) que ao mesmo tempo simulasse o pensamento como processo mecânico: o surgimento do computador. “Em 1943 […] é iniciada a construção da primeira calculadora eletrônica ultra-rápida, o ENIAC, na Moore School of Electral Engineering, da Universidade da Pensilvânia. Por mais espantoso que isso possa parecer, esse dinossauro informático foi realizado sem que se dispusesse da idéia de que a concepção lógica de uma máquina de calcular é separável da concepção de seus circuitos, tal como ela se vê forçada pelo estado da técnica e pela natureza dos componentes físicos — ou, para dizê-lo em termos atuais, sem que fosse feita a distinção entre o ‘equipamento’ (o hardware) e o ‘programa’ (o software)” (DUPUY 1996; grifos do autor). Portanto, a questão inicial que o computador impõe é como especificamente simular o pensamento humano, ou antes que tipo de processo mental humano específico a máquina é capaz de simular, ou mesmo de representar como modelo. Uma perspectiva funcional da simulação de comportamentos humanos identifica-a com realizações específicas, com objetivos factíveis do comportamento humano que possam ser simulados pelo computador. Nessa perspectiva, os computadores (as máquinas, ou processos mecânicos de racionalidade em geral) não necessitariam utilizar os mesmos processos (psíquicos, lógicos, linguísticos) que a mente para poderem ser apontados como seu modelo, eles precisariam apenas chegar aos mesmos resultados práticos. “One popular way to pursue that quest is to start with a ‘top-down’ strategy: begin at the level of common sense psychology and try to imagine processes that could play a certain game, solve a certain kind of puzzle, or recognize a certain kind of object. If you can’t do this in a single step, then keep breaking things down into simpler parts until you can actually embody them in hardware or software”17 (MINSKY 1990). É VON NEUMANN que, convidado a participar do projeto original do ENIAC, transforma-o no EDVAC, uma máquina de processamento serial, de análise de dados apresentados numa sequência linear, um dado após o outro. Diga-se de passagem, de uma forma essencialmente sintática, similar à que ocorre na linguagem (e na lógica). Assim, se o computador de processamento serial (ou a “máquina de von Neumann”, como é às vezes chamado), o modo de processamento usado pela quase totalidade dos dispositivos computacionais hoje, pode ser considerado um modelo da mente humana, ou pelo menos uma encarnação da “máquina de Turing”, ele o pode ser em um sentido essencialmente linguístico, na compreensão de uma sintaxe (de uma “linguagem”) particular, de proposições codificadas, de “instruções”, de uma capacidade de “resolver problemas” definidos, através de uma série de tarefas explícitas (matematicamente determinadas) ou um “programa” específico, ou em suma, de um expresso funcionalismo (cf. MINSKY 1990). O programa computacional (o problema a ser resolvido, apresentado de maneira racional, formal, codificada em instruções) é um modelo da mente, e portanto independe do hardware, de sua implementação especificamente física, necessitando apenas da codificação numa linguagem (computacional) adequada. Esse é o ponto central de toda uma corrente cognitivista de concepção de uma mente computacional, agrupada várias vezes sob o nome de Inteligência Artificial (cf. SEIFERT 1992; SEARLE 1993), e à qual podem ser associados diferentes (e por vezes antagônicos) nomes, como os de Marvin MINSKY & Seymour PAPERT, Hilary PUTNAM, Ray JACKENDOFF, Allen NEWELL & Herbert SIMON etc. “The basic idea of the computer model of the mind is that the mind is the program and the brain is the hardware of a computational system. A slogan one often see is: ‘The mind is to the brain as the program is to the hardware’ ”18 (SEARLE 1993). “Para a inteligência artificial, assim como para o funcionalismo, o que conta são os programas, e os programas são independentes de sua realização em máquinas... É somente se acreditarmos que a mente é separável do cérebro ao mesmo tempo conceitual e empiricamente — ou seja, se formos dualistas num sentido forte — que poderemos ter a esperança de reproduzir o mental escrevendo e executando programas” (SEARLE 1980 apud DUPUY 1996). Se os princípios que norteiam a inteligência artificial podem ser medidos pela eficácia de seu modelo material — o computador serial, ou o atual modelo de computador por excelência —, seu valor dificilmente pode ser posto à prova. Por outro lado, tentar justificar sua representatividade, em termos de uma teoria cognitivista, a partir de uma determinada “eficiência” em reproduzir comportamentos racionais humanos, poderia pôr em evidência justamente um de seus pontos mais criticados: a redução do comportamento humano (da racionalidade humana) a uma “máquina de resolver problemas”, através de uma linguagem (um sistema formal) apropriada e uma lógica (um processador sintático, matemático, digital) mecanicista. A maneira pela qual se chega à representação do problema, o processo de simbolização em termos de elementos de uma linguagem lógica para poder realizar suas tarefas “eficientes”, deve ser dada antes à capacidade de codificar proposições. A linguagem de software é capaz apenas de relacionar determinadas entidades simbólicas de acordo como operações lógicas bem claras. Elas em nenhum momento estão imbuídas do sentido específico de cada operação (o “problema”); este sentido é externo às operações. Em última instância, o computador nunca sabe o que computa; ele apenas o faz, seguindo as regras já pré-estabelecidas. “Memory representations in symbolic processing systems are designed in terms of symbols and relations between symbols by a formalism very close to Predicate Logics. The nature of this representation is prepositional and hence based on a referential semantics. This means, among other things, that the representational form, on which rules act, is arbitrarily related to what is represented”19 (LEMAN 1989). Ou seja, se a representação não se forma no interior da proposição computacional, ela é “outorgada” por níveis de processamento externos, ou em última instância, pelo próprio empreendimento da formulação do “problema”, seja como atividade cognitiva, seja como aplicação funcional, seja como experiência de simulação científica, computacional, dos processos cognitivos. Como no funcionamento essencial da linguagem (estruturalista), as representações são arbitrárias; o dado digital não precisa ter nenhuma relação com o mundo físico real (com a forma física através da qual é gerado), porque só tem sentido quando inserido em um sistema (em uma estrutura inter-relacionada) de dados, através de regras explícitas. Tal característica da inteligência artificial se impõe tanto nas diferenças entre as linguagens computacionais (a partir de qual delas, afinal, poderia ser construída uma inequívoca “linguagem do pensamento”, realmente material, lógica e infalível?) quanto da indiferença na forma com que o símbolo será representado, seja em máquinas de calcular elétricas, ou mecânicas, ou “hidráulicas”, ou outro sistema de disposições discretas qualquer; é a linguagem computacional que representaria as formas de processos de pensamento, e a base material de seu funcionamento não é colocada em questão (JOHNSON-LAIRD 1988; BLOCK 1993). “Provavelmente o computador não é uma metáfora para [a cognição] melhor ou pior do que anteriores metáforas mecânicas. Apresndemos tanto a propósito do cérebro dizendo que é um computador como ao afirmarmos que é um quadro telefônico, um sistema telegráfico, uma bomba de água ou uma máquina a vapor” (SEARLE 1987). O próprio processo de “solucionar um problema” deve estar inserido num espaço e num tempo finitos e objetivamente determinados. As representações são essencialmente qualidades atribuídas, fruto de uma categorização anterior que atua tanto ao nível conceitual (considerando-as como “dadas”, ao nível do senso comum ou mesmo do contexto criado no “problema a ser resolvido”) quanto a um nível propriamente científico (encontrável na própria concepção tecnicista, de “engenheiro”, de uma metodologia “de resolução de problemas” intrínseca à inteligência artificial — MIGUENS S.D.); este “modelamento prévio” em termos computacionais, dos processos simbólicos e linguísticos, é que impediria também que a gênese e o real funcionamento deste “mecanismo” (a mente) sejam postos em jogo. É isso que SEARLE (1993) parece acentuar ao dizer que a “sintaxe não é intrínseca à física” (“sintax is not intrinsic to physics”). “The really deep problem is that syntax is essentially an observer-relative notion. The multiple realizations of computationally equivalent processes in different physical media is not just a sign that the processes are abstract, but that they are not intrinsic to the system at all. They depend on an interpretation form outside”20 (SEARLE 1993). Ou seja, na medida em que o computacional é deduzido de um sistema lógico, linguístico, e não de um sistema propriamente físico, “[…] Computational states are not discovered within the physics, they are assigned to the physics”21 (SEARLE 1993; grifos do autor). A resposta a “como se dá o pensamento” (“como se dá a representação”), portanto, faz necessária uma outra orientação teórica dentro do cognitivismo, propondo-a “brotada” ou “emanada”, se não da própria física (como em sistemas auto-organizados), ou do código que a “constitui” (como nas postulações da inteligência artificial), da arquitetura constitutiva no órgão próprio de sua produção, ou seja, o cérebro. Em primeiro lugar, evidentemente, no cérebro tomado como um modelo mecânico, de máquina, como uma “máquina lógica” capacitada biologicamente, de mecanismos operacionais cuja interação possibilitaria o surgimento da capacidade mental de representação ou de racionalidade. A questão novamente deixa de ser a das “capacidades” ou realizações da inteligência abstrata (simbólica) e lógica (computacional), para se voltar para sua própria possibilidade de existência; ou, de acordo com o título de um famoso texto de MCCULLOCH (1948), trata-se do “por quê a mente estar na cabeça” (“Why the mind is in the head”). As unidades básicas da “arquitetura cerebral” — os neurônios22 — podem ter as propriedades nas quais seu funcionamento repousa, na forma como foram descritas por autores tanto da psicologia, como William JAMES, quanto da neurobiologia, como HEBB (apud MEDLER 1998), discriminadas e formalizadas em um sistema teórico, de caráter principalmente matemático. O modelo resultante constaria de uma rede de unidades básicas de processamento (similares aos neurônios) interligadas por conexões (similares às sinapses) cuja “força” ou importância na transmissão de dados pode ser representada por pesos matemáticos específicos para cada conexão (similares à “força” excitatória da sinapse correspondente — acompanhe uma representação de um dos primeiros modelos funcionais de rede neural, um PERCEPTRON, na Figura 1). A entrada de informação em uma rede de processadores assim descrita provoca a ativação e acomodação (reordenação) de todas as ligações (as conexões) simultaneamente, levando-a a um novo estado de equilíbrio (de distribuição dos pesos de excitação entre as ligações); e através da apresentação de dados de forma apropriada (cf. ELMAN 1993) é possível fazer tal rede “aprender” a responder mecanicamente de determinadas maneiras, permitindo, sobre modelos computacionais lineares baseados em regras e manipulações simbólicas, vantagens de processamento tais como “tolerância a erros, associação automática, generalização espontânea” (“fault tolerance, default assignment, spontaneous generalization” — LOY 1989). Figura 1 - exemplo esquemático de rede neural (um PERCEPTRON), com representações dos "pesos" de conexões entre cada um dos nós (vermelho = processadores de entrada de dados). “The total state of the network at a given time is the set of values, at that time, of each of the neural units. This total state corresponds to a point in a geometric space of all possible total states. Every neural unit is continuously changing its activity under influence from other units, and so the total state of the system is itself continuously changing, or moving on a particular trajectory through the space. This trajectory can be diagrammed, in a very schematic way, by a shape of this curve can be affected by external factors. In other words, inputs to the system influence the direction of change in the system”23 (VAN GELDER 1996). Mais que isso, o comportamento dinâmico das redes é um comportamento complexo, e (por isso mesmo, como diria Ashby) auto-organizado, como seu funcionamento paradoxal de unidades equivalentes entre si formando um todo apenas por suas relações de conexão (ou seja, sem uma ”ordem” matemática ou formal pré-estabelecida). É dessa maneira que o modelo de redes neurais se instaura como uma nova “teoria limite” para o pensamento lógico-formal cognitivista, que pode ser descrita como uma nova lógica e uma nova forma de encarar o símbolo: não como resultados de relações (proposições) lógicas entre elementos discretos, mas no resultado emergente de uma ativação conjunta de elementos que em si mesmos não apresentam um valor “semântico” ou “sintático”, ou seja, não apresentam em si mesmos um valor representacional. Por estas características, um modelo conexionista de processamento cognitivo também pode surgir acompanhado de denominações tais como processamento paralelo entre as unidades (RUMELHART, MCLELLAND 1986), subsimbólico (LEMAN 1989) ou representacional (THURLIN S.D.). E também pode ter sua utilização, através de muitas gradações, variando desde evidência empírica de processos cognitivos até como fórmula matemática complexa, no uso dos algoritmos que descrevem a rede, apropriada a determinados problemas por exemplo na física, na química, na economia, na Linguística (MEDLER 1998). “Boa parte dos debates que agitam as ciências cognitivas atualmente está ligada ao confronto entre os dois modelos, promovidos à condição de paradigmas: um cognitivismo ortodoxo, para o qual pensar é calcular como um computador, ou seja, sobre símbolos que têm ao mesmo tempo uma realidade material e um valor semântico de representação; o paradigma das redes neurais, para o qual pensar é calcular como o fazem estas redes, de maneira maciçamente paralela, só aparecendo os comportamentos interessantes no nível coletivo, ‘emergindo’ do sistema das interações entre unidades de processamento simples” (DUPUY 1996). Por trás desta oposição fundamental entre as duas correntes científicas, seu caráter “computacional” (matemático, mecânico, racional) transparece como base epistemológica comum, a partir da qual suas diferenças têm um irreversível caráter contraditório e aparente. A história de relacionamento científico entre estas duas tendências é formada de ferrenhas batalhas conceituais que faziam tender a comunidade científica ora para um extremo, ora para outro. Veja-se por exemplo o caso da obra Perceptrons (MINSKY, PAPERT 1968), principal responsável pelo recrudescimento das pesquisas com arquiteturas conexionistas por quase vinte anos (DUPUY 1996; MEDLER 1998). Ao mesmo tempo, “mal-entendidos” ou inversões conceituais paradoxais não são incomuns. Já foi narrada a criação do computador serial (o EDVAC de von Neumann) a partir de uma estrutura projetada a princípio para um modelo paralelo (o ENIAC). Um ponto também digno de nota é a possibilidade de se encontrar hoje modelos computacionais alternativos e rivais, simbólicos e subsimbólicos, para uma grande variedade de temas, seja processamento visual, linguístico, matemático etc. Por outro lado, se os produtos da inteligência artificial podem ser tidos como um procedimento puramente abstrato e formalizado, inapropriado para descrever os processos especificamente materiais e dinâmicos do comportamento cognitivo humano, a simples adoção de um “modelo matemático” para o funcionamento neuronal pode apresentar um senso de abstração semelhante. Basta considerar que a maior parte das pesquisas envolvendo aplicação de redes neurais não se baseia em redes informatizadas concretas, construídas com processadores eletrônicos ligados em paralelo, mas em “programas de simulação de redes” em linguagem computacional comum (serial), que aplicam os algoritmos matemáticos que descrevem as redes e “simulam” seus resultados... O cerne da questão permanece o mesmo, isto é, o valor imbuído no modelo do conhecimento humano, a representação lógica, axiomizada, “anterior”, necessária para sua descrição algorítmica; na apresentação de dados à rede neural, no “treinamento” de seus resultados24, em suas analogias competitivas com processos simbólicos. “O que [as pesquisas conexionistas] de fato conseguiram foi demonstrar que o processamento paralelo distribuído implementa, com desempenho semelhante ao humano, cálculos que nem por isso deixam de ser de natureza simbólica e serial. [...] Está ainda por se demonstrar que os esquemas conexionistas possam trabalhar sem estes símbolos implícitos ou possam extraí-los do input sem nenhuma pré-programação” (ALBANO 199025). “A pressuposição tácita do cognitivismo e do conexionismo [...] é a de um realismo cognitivo: o mundo pode ser dividido em regiões de elementos e tarefas discretos. A cognição, nesta abordagem, consistirá numa resolução de problemas que deve, para ser atingida, respeitar os elementos, as propriedades e relações próprias a estas regiões já dadas. Em ambos os modelos permanece o projeto de incorporar o conhecimento do mundo anteriormente existente na forma de uma representação (com a re-apresentação deste mundo)” (ARENDT 2000; grifo do autor). “Thus, the present-day systems of both types show serious limitations. The top-down systems are handicapped by inflexible mechanisms for retrieving knowledge and reasoning about it, while the bottom-up systems are crippled by inflexible architectures and organizational schemes. Neither type of system has been developed so as to be able to exploit multiple, diverse varieties of knowledge”26 (MINSKY 1990). Modelos biológicos, cerebrais, animais Assim, se a “representatividade” do modelo conexionista pode ser ela mesma alvo de críticas em relação à formalização abstrata que executa em sua fonte material, ou seja, o neurônio (SMOLENSKY 1988), podem ser consideradas ainda em aberto não só a questão da representação (da capacidade simbólica), mas também a da materialidade necessária dos processos mentais, base da empreitada cognitivista. É a partir daí que a problemática cognitivista como um todo pode ser mais uma vez contextualizada num nível mais materialista, e menos formalista, ou seja, no propriamente biológico, nervoso, cerebral. A (enganosa, por sinal) epígrafe de Wittgenstein, do início deste capítulo, é elevada a paradigma científico; conhecendo-se o cérebro, seus mecanismos e dinâmicas próprias, poderíamos saber como funciona, afinal, a cognição (a mente) humana. Mas o cérebro, em toda sua complexidade, não pode ser diretamente abordado, dentro do paradigma formal e computacional apresentado nas ciências cognitivas até aqui, como se fosse seu objeto natural e auto-evidente. As primeiras proposições propriamente científicas a respeito do funcionamento cerebral (a nível celular e a nível de funcionamento global), e de sua relação com processos mentais e comportamentais, datam do século XIX, e estão na base das disciplinas modernas compatíveis com o nome neuropsicologia (LURIA 1981; MORATO 2000A; HOLE 2000). Assim, além de incompatibilidades acadêmicas ou epistemológicas entre o biológico (de caráter multi-hierárquico, dinâmico, estocástico) e o físico (de caráter linear, formalizado, determinístico), as bases históricas, metodológicas e conceituais da neuropsicologia não coincidem a princípio com as preocupações e objetivos do movimento cognitivista. Se a neuropsicologia sempre procurou apresentar uma visão científica própria, independente, do comportamento mental humano, mesmo as questões de ordem psicológica são a princípio incompatíveis com o objetivo cognitivista de “despsicologizar” a mente, propô-la não em termos de uma “vida interior” mental (PIANA 2001), mas afinal, em termos físicos, científicos. Nesse sentido, uma “normatização” ou “cientifização” das características comportamentais, com uma metodologia de “laboratório” para experimentos a respeito de respostas comportamentais, tal como podem ser apresentadas na Psicologia Experimental a partir do trabalho de WUNDT (THAGARD 1996), representarão o ponto de onde poderá surgir uma psicologia especificamente cognitiva (ANDERSON 1980; MILLER 1981). No início de correlações (e de uma identificação) entre o mental (o lógico) e o material (o biológico) apresentado até aqui, a “materialidade” das redes conexionistas se baseia na abstração de propriedades formais do funcionamento dos neurônios; comecemos por eles. Afora o papel importante de agentes hormonais (ou seja, analógicos) no funcionamento e no gerenciamento de informações no cérebro (relativizando a importância do papel exclusivo dos impulsos nervosos propriamente elétricos entre os neurônios, que são os simulados no modelamento das redes neurais), a forma de processamento e de disposição das ligações sinápticas entre neurônios apresenta algumas características muito diversas e muito mais complexas que as determinadas numa rede neural formal, destacando-se a distribuição tridimensional dos neurônios (ao invés da comum bidimensionalidade dos modelos conexionistas) e a quantidade de sinapses, que pode chegar a milhares em um único neurônio (um número impraticável nas simulações dos modelos conexionistas atuais), podendo inclusive ligá-lo a células bem afastadas espacialmente (SMOLENSKY 1988). Na verdade, a arquitetura de ligação entre neurônios “em rede”, utilizada como princípio modelativo das iniciativas conexionistas, ocorre apenas numa “capa” celular de poucos milímetros de espessura que recobre a parte externa do cérebro, o córtex cerebral. Dentro do córtex os neurônios se encontram estratificados em seis camadas horizontais de células, cujas características morfológicas e funcionais diferem entre si. Além disso, a configuração destas camadas varia bastante de acordo com a região topográfica do córtex, formando complexos aglomerados de diferentes tipos de células neuronais em múltiplas formas de interação simultâneas entre si, e por isso podem ser agrupadas em áreas histologicamente distintas, isto é, em áreas onde as camadas celulares de neurônios têm configurações e propriedades similares entre si e diferentes das vizinhas. A discriminação precisa de todas estas áreas forma o mapa de BRODMANN (Figura 2)27. Essas estruturas, por sua vez, são geralmente agrupadas de acordo com quatro grandes macro-regiões anatômicas do córtex, chamadas de lobos ou giros: frontal, temporal, parietal, occipital. Finalmente, os lobos formam um todo semi-esférico, tornando o córtex cerebral um órgão simétrico formado por dois hemisférios de estruturas similares (separados entre si por uma profunda reentrância, o sulco hemisferial). Internamente, fibras nervosas realizam ligações anatômicas dos tecidos corticais entre si e entre eles e as terminações nervosas do resto do corpo, através de várias estruturas da região mais central e inferior do cérebro, agrupadas sob o nome de sistema límbico, e nas quais se sobressai fisiologicamente o tálamo (Figura 3). Esta bastante breve apresentação das estruturas cerebrais pode já dar uma idéia da complexidade da questão colocada para os neuropsicólogos. Se uma abordagem anatômica do sistema cerebral pode implicar numa análoga busca psiconeurológica por uma “anatomia do espírito” — e uma localização de fenômenos comportamentais e cognitivos humanos no córtex (ou em toda a estrutura) cerebral, ou seja, a postura localizacionista —, a questão pode se dar não só no “quê” vai ser localizado, ou seja, a mente (e aí já estamos no debate dualista cartesiano entre o corpo e a alma), mas também no “onde”, dentre as múltiplas estruturas sobrepostas na atividade cerebral, vão ser apontadas estruturas materiais dos processos cognitivos. A história do estudo das relações entre cérebro e processos mentais, diga-se de passagem, passa necessariamente por uma reflexão sobre a linguagem. Afinal, foi para a produção articulatória da fala que BROCA (1861) proclamou a primeira região cortical relacionável empiricamente (cientificamente ou medicamente) com uma função mental, a sua área motora da linguagem, hoje razoavelmente identificada com as áreas 44 e 45 do mapa de Brodmann, no hemisfério cerebral esquerdo (ou, ao menos, em uma “vasta maioria da população” — ZATORRE 1993). Pouco tempo depois, WERNICKE (1874) definiu uma segunda área empiricamente relacionada à linguagem, conhecida desde então como área reservada à compreensão da linguagem, considerada hoje delimitável, no mapa de Brodmann, no equivalente às áreas 39 42, também do hemisfério esquerdo. (KENT, TJADEN 1997). É com base nestes dois trabalhos seminais de relacionamento entre linguagem e cérebro que se funda a primeira descrição de uma patologia neuropsicológica (ou, digamos, “neurocognitiva”) real, cientificamente dada, a afasia, ou seja, a perturbação patológica de habilidades linguísticas, através de lesões ou deformidades de áreas cerebrais; e ao mesmo tempo, é claro, um estudo sistemático de correlações entre a produção da linguagem e sua representação no córtex, a afasiologia. O principal método de pesquisa seria a localização de áreas na anatomia cortical ou cerebral envolvidas em processos cognitivos ou linguísticos distintos, através de exames clínicos de casos patológicos de perda de capacidades linguísticas e exames post mortem em cérebros lesados. A tipologia inicial de afasias também corresponde à classificação localizacionista dos fundadores: existiriam então uma afasia “de Broca”, ou motora, de abalo na produção articulatória (vocal) da linguagem, e provocada por lesões na “área de Broca”; uma afasia “de Wernicke”, ou um abalo na capacidade de compreensão linguística (e de produção compreensível), causada por lesão na área correspondente; e uma afasia “de condução”, que era anatomicamente correlacionada a uma suposta ligação cerebral interna, feita por fibras nervosas, entre as áreas de Broca e de Wernicke Mas a delimitação, classificação e inter-relação de um mapa cortical de “áreas de linguagem”, formando um todo fechado entre si, também aponta para uma delimitação do próprio funcionamento da linguagem, e à descrição de seus elementos em termos de estruturas corticais envolvidas em sua realização (ou em sua perda em caso de lesão). Mais que isso, a delimitação de uma área uniforme, concreta, fechada, a permite tomar como um objeto constituído em si mesmo, e a questão pode a partir daí envolver um aspecto evolutivo, de surgimento de um “aparelho de linguagem” específico na evolução dos primatas ao homem. Sobretudo a importante questão de tais áreas estarem distribuídas em um único hemisfério cerebral (o esquerdo) influi em toda uma corrente de pesquisa neuropsicológica, de envolvimentos diferentes dos dois hemisférios no processamento cognitivo, ou seja, da lateralização; a terminologia geralmente aceita de um hemisfério “dominante” (o esquerdo), por exemplo, está diretamente ligada uma “lateralização” dos processos relativos à linguagem. Figura 2 - mapa de Brodmann do cortex cerebral, indicando áreas de configurações celulares distintas no córtex do hemisfério cerebral esquerdo, em sua área externa (acima) e na comissura do sulco inter-hemisferial direito (abaixo). Figura 3 - Lobos corticais e estruturas do sistema límbico numa reconstituição tridimensional. “Muchas investigaciones clínicas sobre el lenguaje y el cerebro se han orientado exclusivamente a los desequilibrios afásicos producidos por lesiones en el hemisferio izquierdo. Esto ha dado lugar a las creencias actuales de que la gran mayoría de los adultos el hemisferio izquierdo controla todas o la mayor parte de las funciones linguísticas, y de que este hemisferio es el ‘dominante’ mientras que el derecho en ‘no dominante’ ”28 […] “En el hombre, el lenguaje se representa en una región del hemisferio mayor que, en el hemisferio menor, interviene en las funciones espaciales, la cual participaba en las funciones espaciales de ambos hemisferios de sus ancestrais. La conclusión inevitable es que la evolución del lenguaje implicaba adaptaciones en el substrato nervioso de la conducta espacial”29 (OSTROSKY SOLÍS, ARDILLA 1986). Embora seus conceitos e metodologias básicos possam ser dados como muito presentes nas pesquisas atuais (cf. MAYER 1997), a tipologia própria dos distúrbios afásicos continua se renovando e se modificando até hoje. A postulação da “afasia de condução” foi várias vezes criticada e hoje tende a ser totalmente reformulada; mais que isso, ela serve como exemplo de como os modelos simples (simplistas) podem se sobrepor à realidade de uma questão complexa. Para além de uma simples correlação, o localizacionismo implicou muitas vezes em um isomorfismo psicofísico, ou um isomorfismo psiconeural (WUNDT 1896; KÖHLER 1929); ou seja, uma transposição direta de funções cognitivas para estruturas corticais, e vice-versa. Casos clássicos deste pensamento podem ser encontrados nas concepções de linguagem (uma “linguagem-coisa” de caráter essencialmente instrumental, de “tradução do pensamento”, indicada no córtex por uma “área da linguagem” delimitada), na memória (que já fora concebida como um armazenamento “neuronal” de impressões e experiências sensoriais, usando neurônios ou sinapses em um primeiro momento desprovidas de função mental, reservadas para um “preenchimento futuro”), na percepção sensorial (concebendo o cérebro como uma grande “caixa preta” na qual seriam diretamente impressas os impulsos nervosos corporais) etc. (cf. FREUD 1891). “The joint force of clinical studies and laboratory research produced a scientific psychology that established itself as independent from epistemology and the philosophy of mind”30 (MCNALLY S.D.). Concepções como estas, que reduzem os estados neuropsicológicos a localizações ou estados cerebrais, se fazem sentir hoje em dia em um considerável número de posições teóricas dentro da neuropsicologia (cf. CARAMAZZA 1984; CHURCHLAND 1986; etc.). Tais concepções sempre foram alvo de severas críticas e reformulações, não só em questões específicas, como quanto à natureza, extensão e efeito das lesões (e das áreas) cerebrais envolvidas em distúrbios e apresentadas como evidência de localizações neuropsicológicas (DAMASIO, GESCHWIND 1985), mas mesmo quanto à essência do funcionamento cerebral e de sua relação como sua configuração anatômica, postulados nestes casos. Iniciando uma linha contrária ao localizacionismo, JACKSON (1871), por exemplo, confronta essa visão materialista e empiricista com uma concepção funcional e holística, não só do funcionamento cerebral (cortical), mas de todos os diferentes e sobrepostos níveis de processamento cognitivo, negando uma irredutibilidade necessária do mental ao neurológico; assim, a níveis gerais de processamento mais automático (de “contexto único”, como que “congelado”) seguiriam-se níveis de maior plasticidade (contextual, isto é, com ampliação de uma liberdade contextual), que seriam os primeiros a se perderem em perturbações neuropsicológicas. Em sua fase pré-psicanalítica, “neurológica” (BIRMAN 1993), FREUD (1891 — A interpretação das afasias) se baseia no trabalho de Jackson para apontar para várias lacunas na teoria localizacionista, que não dá conta de uma explicação convincente, elaborada a partir das propriedades das “áreas da linguagem”, para muitos dos casos possíveis de afasia ou mesmo para uma idéia geral do papel e do funcionamento da linguagem (ou de suas localizações corticais, à época) dentro dos processos mentais. É a partir daí que ele propõe o funcionamento cerebral como um processo funcional, não redutível às suas características tópicas (de localização) ou comportamentais, onde o distúrbio afásico é determinado não só pela área da lesão cerebral correspondente, mas por sua extensão e sua colocação em relação aos limites de uma área topográfica específica. Isto é, a lesão provocaria um efeito indeterminado no domínio da linguagem (e da cognição), complexo por sua própria natureza, com a interferência em muitos fatores concorrentes para seu funcionamento adequado. Para além de uma dicotomia comparável à da “produção X compreensão” da linguagem, derivada da tipologia tradicional (produção X compreensão), é justamente a noção de um contínuo indeterminado na chamada “área da linguagem” que parece levar adiante a definição de um aparelho da linguagem, não-redutível a seus componentes topográficos (corticais), estruturais (estruturalistas) ou funcionais (comportamentais), mas no qual se baseia o próprio ser da linguagem (GABBI JR 1994), elemento teórico decisivo na concepção de um aparelho psíquico a partir do qual se desenvolverá toda a psicanálise. Além das áreas de Broca e Wernicke, várias outras regiões topográficas do córtex estão hoje correlacionadas a processos cognitivos específicos, algumas com alto grau de detalhamento de relação psico-topográfica, como a área de percepção e ativação sensório-motoras (áreas 1-5 no mapa de Brodmann) e a área de processamento primário da visão (área 17 no mapa de Brodmann) (DAMASIO, GESCHWIND 1985). Também outras áreas relacionáveis a capacidades linguísticas de diversos tipos foram delimitadas, gerando uma complexa tipologia (ex. Luria 1976). Hoje, são encontráveis abordagens relacionando estruturas cerebrais localizadas e comportamentos humanos específicos, desde a nível de relações e distinções entre os papéis cognitivos dos hemisférios esquerdo e direito (a lateralização — OSTROSKY SOLÍS, ARDILLA 1986) até discussões sobre o papel representado por unidades multi-celulares e bastante específicas do córtex e do sistema cerebral interno, como o hipocampo (POECK 1985) ou a amídala (DAMASIO 1994). Além disso, os métodos de pesquisa sobre formas de correlação entre o cérebro e a cognição, que a princípio tinham de se limitar a exames clínicos de comportamento e análises post mortem do órgão cerebral, foram bastante ampliados com o desenvolvimento de técnicas de “escaneamento” de vários parâmetros de atividade de pontos do córtex cerebral: elétricos (eletroencefalogramas — EEG), de vascularização sanguínea (no exame por emissão de pósitrons — PET, ou por ressonância magnética — MRI) etc. (TERVANIEMI, VAN ZUIJEN 1999), o que permite hoje a observação e análise de fenômenos cerebrais in vivo, no momento de sua realização, e num desenvolvimento temporal e cronológico, isto é, com sujeitos vivos, normais (sem lesões corticais) e num ambiente controlado, de laboratório (num amplo contato com metodologias da psicologia experimental). Afora isso, muitos dados considerados relevantes a respeito de propriedades de processos cerebrais e comportamentais são oriundos de experiências envolvendo cérebros (vivos e mortos) de mamíferos superiores, como macacos e gatos (por exemplo cf. POPPER, ECCLES 1980; DAMASIO 1994; SUGA 1995; etc.). Uma vez que uma das principais questões colocadas ao paradigma cognitivista computacional é baseada na falta de evidências oriundas diretamente de indícios cerebrais, ou neuropsicológicos (SEARLE 1993; DENNET 1995), vários modelos recentes de “neurocognitivismo” buscam integrar processamentos computacionais do tipo “top-down” e “bottom-up” diretamente no cérebro, num todo único, encarando-os como assimiláveis a diferentes níveis de atividade cortical. Assim, as redes neurais poderiam representar o processamento a nível celular; o resultado da diversidade (e quantidade) dos diferentes arranjos neuronais existentes poderia ser por sua vez entendido em termos de módulos de processamento cognitivo específico (KAMILOFF-SMITH 1992; GARDNER 1983; SPERBER 2000; etc.), que representariam diferentes respostas da atividade cognitiva global, ou diferentes “habilidades” cognitivas e categóricas (ou categorizantes), como o movimento de um dedo, a percepção visual de linhas retas, cálculos matemáticos etc.; os módulos, por sua vez, estariam subordinados ao funcionamento das macro-regiões do córtex e do cérebro como um todo, dando origem a nossas respostas representacionais e comportamentais ao mundo sensível (bem como suas perturbações nas patologias neuropsicológicas). “Information from the external environment passes first through a system of sensory transducers which transform the data into formats that each special-purpose module can process. Each module, in turn, outputs data in a common format suitable for central, domain-general processing” 31 (KARMILOFF-SMITH 1999). Teorias de um neurocognitivismo e um modularismo “forte” consideram como “anti-científicas” as abordagem que não sejam estritamente derivadas de dados empíricos, descartando qualquer aproximação com descrições psicológicas de “estados mentais” como um rebaixamento à condição de um “senso comum” anti-racional (eliminalismo materialista — CHURCHLAND 1981); se é proposta uma pesquisa científica, é afinal ciência que se deve fazer, algo rigidamente controlado, inequívoco e materialmente real (físico), e não simulações mecânicas (ou formalizações hipotéticas) de racionalidades específicas. A partir daí procura-se definir todas as propriedades de funcionamento cognitivo a partir de diversas e multi-hierárquicas evidências científicas das formas de processamento cerebral, seja centrados em dados anátomo-fisiológicos (ex. POPPER, ECCLES 1980), seja em resultados de experiências com redes conexionistas, contextualizados em termos de processamento neuronal (ex. CHURCHLAND, GRUSH 1999). Deve-se concordar que abordagens como estas, ao separarem em entidades distintas o sujeito cognoscente do sujeito científico, reforçam a dualidade cartesiana corpo-alma no que ela tem de propriamente irresoluta na atividade científica (mente mecânica X racionalidade científica), ponto que será tratado com maior profundidade ainda no presente capítulo. Ao mesmo tempo em que pode ser tomado como modelo do funcionamento cerebral, um modularismo associado aos processos cognitivos pode ser justamente um motivo para não se ir ao cérebro em busca de explicações. Ao considerar os “módulos”, as regiões (os processos ou os resultados) de processamentos cerebrais distintos, como realizações mentais, que “repousam sobre características emergentes da totalidade de nosso sistema de conhecimento” (”rely on emergent characteristics of our entire system of knowledge” — ROCKWELL 1998), FODOR (1983), o primeiro proponente de um paradigma especificamente modularista, dá ao “seu” modularismo uma carga eminentemente simbólica, representacional. Os processos cognitivos poderiam ser descritos como ocorrendo como inputs sensoriais e motores do sistema nervoso-cerebral, relativamente independentes entre si e biológicos (inatos, em larga medida invariáveis), que funcionam como “transdutores” das informações relevantes do mundo externo ao mental. Cada um destes sistemas independentes constituiria um módulo mental; o “produto” (ou “saída”) do processamento deste módulo seria um objeto material, estruturado e inferido (uma representação), apresentado sob a forma de um código interno (cerebral, nervoso), formal e invariável, servindo de material para processos mais “gerais e inespecíficos”, ou seja, para os processos superiores do pensamento humano, entre eles, a linguagem (cf. FRANCHI 1986). “This means that the mechanisms that perform the inferences have access only to the formal (as opposed to semantic or contentful) properties of mental representations in which the perceptual information is couched. As a first approximation, an input process is a series of computations yielding a representation of the environment in a format that central process, also computational, can read”32 (RAFFMAN 1993; grifo da autora). A idéia de Fodor radicaliza e ao mesmo templo amplia muito da tradição empirista e da visão cognitivista sobre os processos mentais, por isso muito já foi falado e discutido a respeito da modularidade da mente. A idéia de uma organização “vertical” dos processos mentais (e cerebrais) pode remontar historicamente a GALL, o mestre da frenologia iluminista (isso de acordo com o próprio Fodor), e as origens do modularismo podem então se confundir com a própria origem do materialismo mental, isto é com a discriminação de “capacidades” cognitivas específicas (cf. FRANÇOZO 1986; FRANÇOZO 1987). Se são propriedades emergentes da atividade neuronal/cortical, os módulos cognitivos, ou seu substrato propriamente nervoso, informacional (para Fodor, computacional), são entidades de um nível superior, reais (materiais) e valoradas semanticamente (representacionalmente). A linguagem, antes de ser um “sistema de sistemas” (de módulos), seria um módulo específico, identificável com uma “capacidade de operabilidade” simbólica de caráter principalmente sintático e automático dos módulos — aproximando-a do funcionamento do computador, ou em última estância, da máquina de Turing (FODOR 1975; FODOR 1982). Seu “valor representacional” (semântico, simbólico) da realidade poderia ser desvinculado da atividade especificamente linguística (sintática) e se identificar, afinal, com o “pensamento”. E Fodor assim propõe uma linguagem do pensamento (“mentalês”, ou mentalese — AUROUX 1994), com características inatistas, formalistas e logicistas (computacionais — ver Capítulo V) que se aproximam muito da “gramática universal” de Chomsky e de toda concepção instrumental de uma “linguagem-coisa”, de acordo com moldes tradicionais (cf. SEARLE S.D.) da relação entre linguagem e pensamento, já apresentados acima (MORATO 1996). Variações de um modularismo “fraco”, tomado apenas como um conjunto de “pré-disposições” cerebrais para determinados comportamentos e capacidades cognitivas humanas, podem ser agrupadas em torno de uma mesma perspectiva, em várias pesquisas cognitivistas, que tende a se basear menos em conceitos computacionais (lógicos, sintático-proposicionais, modulares) e mais na descrição complexa de “estados mentais” a partir de dados neurocientíficos (fisiológicos, comportamentais e patológicos). Isto é, dar aos conteúdos mentais um valor representacional de estados cerebrais ou do corpo, identificáveis com estados sensório-motores ou simplesmente “corporais” num sentido largo (“embodied” — CROSS 1998A; CROSS 1999A), sem conteúdo linguístico pré-estabelecido (“não-verbais” — cf. AKSNES 1997; DAMASIO 1994) e que por isso mesmo (como unidades inconscientes do pensamento), tornam possíveis as atividades categóricas, referenciais e linguísticas (LAKOFF 1997). Em suma, que tornam possível o conhecimento do mundo e sua partilha no meio social, ou seja, um “ponto de partida” comum cognitivo, perceptual ou cerebral (físico), que aproxima estas teorias de uma psicologia do “senso comum”. “Their general position is that language, behavior, and value itself it strongly rooted in sensori-motor or bodily processes, and that activation in itself does influence motivation. Thus sensori-motor and neural activation patterns underlie basic processes of reinforcement (DONAHOE, PALMER 1993), create the basis of language through metaphor (LAKOFF, JOHNSON 1999), continually influence behavior as emotion (DAMASIO 1994), and provide the basis of value and consciousness (EDELMAN 1992)”33 (MARR 2000). Em tais prerrogativas, a noção de repetição (e de imitação — MELTZOFF, MOORE 1999) parece ter um papel primordial como processo sensório-motor em muitas hipóteses, associada à noção de pattern, ou de schema psicológico (JOHNSON 1987; ANDERSON 1980), ou seja, de padrões de ocorrência de fenômenos cognitivos, nas mais variadas formas de inter-relação. “A schema can be anything from a representation of the set of features typically possessed by birds […] to a representation of the series of actions typically occurring during dinner at a restaurant”34 (RAFFMAN 1993). Tentando quase sempre dar conta de algum mecanismo necessário na representação de disposições cerebrais (como por exemplo da consciência), descrições cognitivistas de estados mentais a partir de estados cerebrais podem dar origem a intrincados quebra-cabeças terminológicos, dos quais a literatura disponível está repleta. Aqui vão transcritos alguns exemplos mais ou menos aleatórios e isolados de seu contexto original. Mais do que exemplificarem um “cognitivês” de especialista, eles podem funcionar como evidência das tremendas dificuldades de relacionamento conceitual entre o físico e o mental, ou, a partir da tradição filosófica, sua “inter-irredutibilidade”. “As representações imagéticas de segunda ordem incluem o objecto prestes a modificar o proto-si, em interacção com o organismo, assim como as ‘modificações subsequentes do proto-si’. [...] É uma escrita que marca o súbito despontar da consciência nuclear. Este tipo de relato da relação causal entre o objecto e o organismo só pode ser captado em mapas neurais de segunda ordem” (DAMASIO 2000). “It is the nature of the nervous system that the highest (most integrated) level of function at any given moment is that which is manifest. This neurological function is experienced as a state. Lower levels of representation within such an integrative map are suppressed whilst apical expression occurs, i.e., the apex representing the ‘whole’ is experienced rather than the constituent parts (the supportive convergences). Nevertheless lower levels within an integration will reflect apical representation as a consequence of the lowered interneural conduction resistance within that integration”35 (WEINBERG, VAN WYK S.D.). “The organisation of frontal-posterior cortical arrangements is organised in relation to the distal-proximal correspondence of sensory input and motor output regions of the cortex (FAIR 1992). That is as sensory information is received in the posterior cortex and becomes more distal from the input site it is connected with a frontal site more distal to the motor output site. Thus information from higher association areas of the cortex are connected to the highest association areas of the prefrontal cortex”36 (POCOCK S.D.). De fato, não é simples lidar com o cérebro enquanto modelo da mente. Se os estados cerebrais representam (ou são representados por) estados mentais, é difícil definir o que isso significa exatamente, para além de um “psicologismo cognitivista” de dissolução da intenção científica; se primariedades cognitivas (como as sensações táteis, por exemplo) podem ser correlacionadas com localizações ou atividades cerebrais específicas, é sabido que elas dificilmente correspondem a uma forma “familiar” de descrição destas mesmas sensações. A dualidade cartesiana aqui se dá então entre a descrição cognitivista e uma conceituação subjetiva ou de “senso comum” (identificável com uma conceituação “fenomenológica” discutida mais adiante). “It is true that science has discovered representations of the body in the brain, for example, a tactile mapping of the body surface distributed over the somatosensory cortex (SSC). The area of SSC devoted to different body regions is determined by the number of tactile receptors in those regions. In SSC, for example, the lips occupy more space than the torso. Furthermore, regions of the body which are adjacent in phenomenal space may not be adjacent in SSC. For example, we feel our face to be connected to our head and neck, but in SSC, the tactile map of the face is spatially separated from the map of the head and neck by maps of the fingers, arm and shoulder. That is, the topographical arrangement of the ‘body image’ is very different to the body as-perceived.”37 (VELMANS 1996). Se descrever a mente a partir do cérebro é um dos papéis importantes reservado ao cognitivismo, ele se torna ainda mais temerário quando é necessário levar em conta as experiências pessoais (mentais) de sujeitos cérebro-lesados, onde estados de consciência os mais paradoxais, tais como foram descritos por neuropsicólogos como LURIA (1981); GOLDSTEIN (1951); SACKS (1985) etc. (ver Capítulo VI), podem conviver com disposições “normais” de percepção, categorização e consciência; nesse sentido, a “capacidade de linguagem” da citação abaixo pode ser substituída por muitas das categorias mais comuns de dados dos sentidos, ou mesmo por muito do que é afirmado sobre módulos cognitivos: “O que impressiona, nessa tipologia, e mais ainda na descrição detalhada de casos clínicos, [...] é precisamente que a ‘capacidade de linguagem’ que temos tendência a representar como monolítica, ou ao menos como fortemente unificada, encontra-se aqui completamente estilhaçada em diversos componentes dos quais não se encontra correspondência funcional clara nos modelos de linguagem desenvolvidos pelos linguistas” (AUROUX 1994). Se o todo mental ou psíquico não parece ser redutível ao cerebral (como parecem indicar as experiências “paradoxais” citadas acima), o cérebro mesmo não pode ser definido apenas a partir de seu metabolismo no ser humano adulto normal. Ele pode e deve ser estudado como um órgão em desenvolvimento: evolutivo (da espécie humana), ontogenético (na formação cognitiva da criança), adaptativo e dinâmico (como no caso da neuroplasticidade, ou rearranjo de funções cognitivas do córtex em razão de distúrbios estruturais, como lesões — GILBERT 1999; BATES 1994), e em contínua interação com o ambiente ecológico (ex. GIBSON 1979) e intersubjetivo (ex. COUDRY 1988). É o que torna insustentável a imagem hipotética do “cérebro num barril” (“brain in a vat”), mantido em seu metabolismo normal mas sem um corpo humano para “encorporar”. “A brain in a vat might be wired up the right way, but unless that brain is situated appropriately in a body and social context, it is ontologically deficient”38 (VAN GELDER 2001). Isso leva à possibilidade, de certa forma de encarar o próprio desenvolvimento biológico, comportamental e ontogenético humano, também como passível de uma perspectiva, digamos, “cognitivista”. Assim, mais uma vez, uma epistemologia fisicalista do conhecimento humano se vê constrangida a inflar seu campo de alcance para englobar uma “materialidade’” menos formal do conhecimento, ou seja, em seus modos de produção e de desenvolvimento na evolução da espécie humana. E também mais uma vez uma epistemologia reducionista tende a atribuir relações de contiguidade entre o mental e o material. Nesse caso, o grande princípio metodológico que sublimina teorias de desenvolvimento cognitivo está presente em alguma forma de isomorfismo entre filogênese (o desenvolvimento biológico) e ontogênese (o desenvolvimento cognitivo, mental) dos seres humanos: seja na relação entre evolução biológica e o surgimento de atividades humanas (culturais), presente em trabalhos na paleontologia (dando origens a teorias evolucionistas de capacidades cognitivas — DENNET 1990; PINKER 1997); seja na relação entre desenvolvimento filogenético e ontogenético do corpo humano, descrevendo relações entre nossa evolução dos primatas e o desenvolvimento infantil (LIEBERMAN, HARRIS, WOLFF, RUSSELL 1972; PREMACK, WOODRUFF 1978); seja na relação entre a evolução infantil e o surgimento de atividades cognitivas específicas e culturais, especialmente em teorias envolvendo em algum grau definições sobre aprendizagem — exemplos clássicos são VYGOTSKY (1934; MORATO 1996); PIAGET (1978); SKINNER (CHOMSKY 1959; JACKENDOFF 1987). Combinadas entre si, estas abordagens podem dar origem a miríades de hipóteses e linhas de pesquisa entrecruzadas, em disciplinas as mais variadas envolvendo “cultura, cognição e evolução” (“Culture, cognition and evolution” — SPERBER, HIRSCHFELD 1999). Mas não é fácil manter a rigidez logicista e anti-psicologista da ciências cognitivas frente a assuntos culturais, evolutivos ou sociais. Afinal, como diz GOPNIK (1993), não são mais máquinas despersonalizadas que estão em questão (ou cérebros dissecados), são crianças, indivíduos, comunidades. Baseada em princípios de uma certa “psicologia do reflexo” (PAVLOV, WATSON etc), a opção de SKINNER, na primeira metade do século XX, direcionou-se exatamente no sentido de “despsicologizar” radicalmente os processos mentais e negar a existência de estado mentais interiores (ou pelo menos sua validade como objeto científico), e tratar o comportamento humano como uma “máquina animal” de estímulo e resposta, suscetível a estudo experimental, e a reforço pela repetição (como prática de “adestramento”). “Verbal contingencies of reinforcement explain why we report what we feel or introspectively observe. The verbal culture that arranges such contingencies would not have evolved if it had not been useful. Bodily conditions are not the causes of behaviour but they are collateral effects of the causes, and people's answers to questions about how they feel or what they are thinking often tell us something about what has happened to them or what they have done. […] The words they use are part of a living language that can be used without embarrassment by cognitive psychologists and behaviour analysts alike in their daily lives. But not in their science! A few traditional terms may survive in the technical language of a science, but they are carefully defined and stripped by usage of their old connotations. Science requires a language”39 (SKINNER 1989). Mas este tipo de abordagem de uma psicologia experimental teve muitos de seus conceitos teóricos e práticas metodológicas severamente criticados, e hoje está imbuído de um caráter totalmente diverso, menos aproximado de uma proposta especificamente cognitiva (cognitivista). De fato, para além do paradigma presente nas ciências cognitivistas, dos “estados mentais” inconscientes e descritos como estados cerebrais, aceitar a psicologia (e a cultura) como fator relevante em processos cognitivos é de certa forma aceitar a pertinência dentro do cognitivismo de uma teoria sobre a consciência, e aproximar-se enfim de uma verdadeira epistemologia materialista sobre o cogito cartesiano. “The standard way in which mainstream computational cognitive science has dealt with this objection is to suggest that the posited computational processes are subconscious, and so the phenomenology does not directly bear on the issue”.40 (VAN GELDER 1996). Modelos de consciência e subjetividade Uma “epistemologia da consciência”, ou uma descrição (um conhecimento) das experiências conscientes, é o que parece formar o ramo da filosofia conhecido como fenomenologia (GALLAGHER 1997). Para além (ou talvez para aquém) do dualismo cartesiano, e num sentido oposto ao behaviorismo, HUSSERL (1964) propõe a busca de uma certa forma muito especial de “introspecção”, onde este “eu”, que a experiência consciente produz, passa por uma inquirição, sem propriamente se fundir, ou confundir, com a introspecção de “estados mentais” interiores própria do cognitivismo, da tradição psicológica ou mesmo de uma psicologia de “senso comum” acostumada à nossa familiaridade com a “vida subjetiva” do dia-a-dia, também posta de lado (VARELA, SHEAR S.D.). Para além de um estado descritível complexo, ou das relações (inconscientes, mecânicas) entre o “eu” e o mundo, o objetivo é se fundar epistemologicamente no limite imaginável em que o “eu” vê-se a si mesmo enquanto pura relação com a realidade objetiva. “Estudar uma experiência fenomenologicamente significa ganhar uma consciência imediata dessa experiência através da exclusão de tudo aquilo que não é essencial a ela” (COOK 1987). “Thus [phenomenology] is not a ‘seeing inside’, but a tolerance concerning the suspension of conclusions that allows a new aspect or insight into the phenomenon to unfold. In consequence, this move does not sustain the basic subject-object duality but opens up into a field of phenomena where it becomes less and less obvious how to distinguish between subject and object (this is the ‘fundamental correlation’ as Husserl called)”41 (VARELA 1996). A consciência, acima de tudo, é a consciência de algo; antes de se identificar com um “estado atencional”, ela seria a própria relação que se cria com o objeto de sua atenção; assim, a consciência (a fenomenologia) pode ser vista filosoficamente como uma orientação (mental) em direção ao objeto. Num momento anterior ao símbolo e à relação sujeito-objeto, estaria uma consciência auto-referente (reflexiva) e atuante que se volta ao mundo exterior. “O que importa primeiro não é a representação: não é para ela nem para aquilo a que ela pode concernir que se trata de dirigir o interesse, mas o que importa é dirigi-lo para o objeto representado, como sendo aquele que é visado, e, em seguida, nomeado, e de colocá-lo para nós como tal” (HUSSERL 1972; grifos do autor). Ao atribuir um valor apriorístico à consciência enquanto experiência, o grande feito de Husserl pode ser considerado justamente a transcendência do pensamento frente à representação (ou à linguagem simbólica — “transcendência na imanência”). As significações (as idéias) não são descritas numa relação (proposicional, dualista) de correspondência entre estados (lógicos, cerebrais etc.), como num paradigma simbólico ou sintático do pensamento, mas são fruto de uma intencionalidade, proposta (pré-posta) sobre o mundo, anteriormente à constituição da linguagem. “The mistake of the representational account is to define intentionality as a phenomenon that inheres only in the sentences of a language, and not also, and more fundamentally, in the pre-linguistic intentional behaviour [..] that come before them”42 (MINGERS 2001). A questão da intencionalidade é apresentada por SEARLE (1969) como advinda de uma consciência subjetiva, na “primeira pessoa” 43, uma “subjetividade como um fenômeno irredutível da natureza” (“subjectivity as a [...] irreducible phenomenon of nature” — SEARLE S.D.). Caracterizando-se como a face tanto externa quanto linguística da consciência fenomenológica (e através disso podendo ser colocada ela mesma como um “objeto” real do mundo, passível de estudo objetivo, em contraste com a postura transcendentalista de Husserl), esta intencionalidade é dada como fundamento natural da representação e da ação simbólica (linguística). Suas qualidades performativas e pragmáticas (contextuais, dadas numa relação situacional do sujeito com o objeto ou com o ambiente — VARELA, SHEAR S.D.) a aproximam de uma relação histórica íntima com a teoria linguística dos atos de fala, ou atos ilocutórios (AUSTIN 1962), na qual as proposições linguísticas não são valoradas por seu conteúdo lógico ou por seu “valor de verdade”, mas por suas consequências como ação no mundo. Os enunciados linguísticos não são apenas entidades “mentais” ou lógicas (ou mesmo condizentes com um sistema de regras), mas possuem uma realidade (uma realização) física, cujo conteúdo material lhe é indiferente (como demonstra o estruturalismo) mas que cria uma relação contextual com seu conteúdo representacional. Ao se falar, não apenas se comunica, mas dentro mesmo da comunicação (e de forma indissolúvel) se interpreta o sentido e o efeito que vai advir do que se fala, as consequências de sua proferição no mundo. A linguagem não é apenas uma atividade “referencial”, de nomeação de objetos, mas também (e ao mesmo tempo) de “produção” de estados entre indivíduos (ou intersubjetivos). Com a linguagem não apenas dizemos, mas também, e de forma irredutível, ordenamos, pedimos, adulamos, oramos etc. “O que o sujeito falante comunica através de seu enunciado é uma qualificação da enunciação deste enunciado. Idéia paradoxal na aparência, já que supõe que toda enunciação faz, através do enunciado que veicula, referência a si mesma” (DUCROT 1972). É justamente a auto-referência da enunciação, marca da atividade enunciativa, de “proclamação”, que parece capacitar o sujeito linguístico de agir como tal. O sujeito, o “eu”, é “aquele-que-diz”, e se constitui na medida em que pode “indicar” (linguisticamente, isto é, através mesmo dos elementos linguísticos usados — nomes e verbos, mas também pronomes, adjetivos, elementos dêiticos etc.) os contextos de significação nos quais os enunciados que veicula podem ser veiculados. Cada frase enunciada teria um “valor de verdade” (um valor semântico, de representação) implícito no ato da enunciação; o que parece imputar o valor semântico aos conteúdos simbólicos, segundo Searle, é a própria intencionalidade subjetiva em sua “aplicação” no mundo, quando efetuada às formas linguísticas. A noção de intencionalidade pode ser definida então, em termos filosóficos, como o ser enquanto ação objetivada simbolicamente (linguisticamente). “The characteristic mistakes in the study of consciousness is to ignore its essential subjectivity and to try to treat it as if it were an objective third person phenomenon. Instead of recognizing that consciousness is essentially a subjective, qualitative phenomenon, many people mistakenly suppose that its essence is that of a control mechanism or a certain kind of set of dispositions to behavior or a computer program. The two most common mistakes about consciousness are to suppose that it can be analysed behavioristically or computationally”44 (SEARLE S.D.). Assim, a intencionalidade (a consciência) como pertinência teórica se instaura, dentro das ciências cognitivas, também como um forte argumento contra toda a empreitada cognitivista de atribuição de lógica a um sistema objetivo (uma máquina, um ambiente ou um cérebro). O computador não poderia produzir proposições originais ou verdadeiras semanticamente, porque lhe faltaria justamente uma intencionalidade consciente e fundante simbolicamente (semanticamente)45. Sistemas computacionais formais, conexionistas ou neurocorticais (no sentido de um cognitivismo “fraco”), na qualidade de “representantes do mental”, estariam fadados a uma auto-circularidade vazia e inexorável pela impossibilidade de referirem-se diretamente ao mundo, ao não participarem dele através de uma intencionalidade auto-consciente ou linguisticamente “orientada” ao mundo. Essa seria uma das razões que levariam as abordagens baseadas num dualismo mente-corpo a apresentarem algum nível, algum “locus”, de “transcendência” externa do sistema material, onde a representação simbólica é “projetada” e de onde por sua vez se projeta valorando o sistema simbólico; nesses casos é necessário conceber algum tipo de “homúnculo” implantado dentro de sistemas computacionais ou corticais, ou um “fantasma dentro da máquina” (“ghost in the machine”) do pensamento, como catalisadores centrais dos múltiplos processos computacionais e cognitivos, ou que funcionem na verdade como atribuidores de significação, de intencionalidade. O precursor clássico é a glândula pineal de Descartes, para ele um “centro” cerebral e mental localizável anatomicamente, que fundiria os impulsos nervosos e o pensamento abstrato e consciente numa “imagem” unificada e projetada (a alma ela mesma), funcionando metaforicamente como um “teatro” — o teatro cartesiano, também classicamente refutado (cf. o argumento do “quarto chinês” de SEARLE 1980 — HARNAD 1989) mas sempre ressurgido em qualquer atribuição de estados intencionais a sistemas formais. “There is often a tendency in cognitive science to anthropomorphize or intentionalize the subintentional level. Naive homuncularisms (e.g., the observer in the Cartesian Theater, or the attribution of intentional behavior to neurons) provide the most apparent examples of such anthropomorphism. It takes other forms too, all of which involve treating subpersonal, subintentional processes as if they operated by intentional rules”46 (GALLAGHER 1997). “A julgar pelos achados e critérios clínicos, as respostas geralmente incidem em algum agente isolado, como o cérebro, a língua, a ‘mente’, o sujeito etc. Uma (questão de) causalidade, assim, acaba escondendo as propriedades múltiplas e integradas da constituição do sentido e da significação” (MORATO 1995; grifo da autora). De nada serve tentar reduzir ou regredir de um estado simbólico (lógico, causal, cognitivo) a um estado simbólico anterior, em busca de uma explicação última. A noção de intencionalidade transforma o irredutível sujeito cartesiano racional numa simples forma de relação. Aceitar a pertinência do método fenomenológico em ciências cognitivas permite, ou mesmo impele a, que a busca por uma causalidade formal, lógica ou biológica última dos/nos processos cognitivos possa ser substituída pelo estudo da gênese do intencional, ou seja uma busca não do sujeito pensante materializado, mas do sujeito cognoscente emergido na dinâmica de seu ambiente externo e de suas configurações internas. Não como “homúnculo” único e último (identificável com o cogito cartesiano), mas como uma espécie de “instanciação” dentro de um sistema dinâmico de interações, representável pelo conceito de agente (como por exemplo em VARELA 1996; MIRANDA 2000). É o surgimento de um “cognitivismo subjetivo”, representável entre outros por uma Neurofenomenologia (VARELA 1996; VARELA, SHEAR S.D.), ou pela aplicação de noções a respeito de sistemas dinâmicos diretamente na concepção de um ”ambiente” cognitivo dinâmico e plural (VAN GELDER 1999; WRIGHT, LILEY 1996). Podemos falar de um “princípio heinsenberguiano de incerteza” aplicado ao material cognitivo: o fenômeno a ser investigado empiricamente (cientificamente) é modificado no ato mesmo da investigação, fazendo surgir assim um sistema de inter-relações nos quais o sujeito e o objeto (científicos) são co-determinados. Por outro lado, os conceitos de agente, sistema dinâmico (e complexo) e propriedades emergentes do sistema, são comuns por sua vez a aplicações de sistemas auto-organizados. De fato, uma proximidade conceitual entre metodologias permite apresentar uma neurofenomenologia de caráter auto-emergente (auto-organizado — ARENDT 2000) também como mais uma teoria-limite dentro do cognitivismo, também por ser capaz de diluir ontologicamente (como toda concepção de sistema auto-organizado) a relação sujeito-objeto, e a própria epistemologia científica. Uma teoria-limite conceituável, no caso, a partir do conceito-limite de corpo oriundo da fenomenologia existencialista de MERLEAU-PONTY (1942; MERLEAU PONTY 1945) como limite objetivável entre o sistema nervoso e o símbolo racional (DREYFUS 1992; MINGUERS 2001 — ver Capítulo VI). “Consciousness is the only scope of inquiry in the world that we may know from both the inside (via contemplation) and from the outside (via observation of the nervous system and its activities in cross-cultural expression). Neurophenomenology takes advantage of this fact and unites these two most direct approaches to consciousness in a common dialogue”47 (LAUGHLIN S.D.). “Subjective experience refers to the level of the user of one’s own cognitions, of intentions and doings, in everyday practices. I know that my movements are the products of coordinated series of muscle contractions. However, the activity of moving my hand operates on the emergent scale of motor plans that appear to me as motor intentions as an active agent-user, not the muscle tones that can only be seen from a third-person position. This practical dimension is what makes interaction with third-person accounts possible in the first place (and not an abstract armchair description so familiar in philosophy of mind)”48 (VARELA, SHEAR S.D.; grifo do autor). Práticas de pesquisa envolvendo sistemas dinâmicos tendem a diminuir a ênfase em objetos lógicos, causais ou delimitados, preferindo ater-se a objetos “intuitivos”, estatísticos e “campos” de acontecimentos de caráter indeterminado ou mesmo caótico, processos envolvendo uma contínua interação e re-equilibração entre seus elementos. Os objetos de pesquisa desenvolvem-se no tempo, às vezes envolvendo ciclos de relações recursivas. Paradigmas como estes podem ser encontrados em trabalhos em neurociências (RODRIGUEZ ET ALL., 1999), computação (ELMAN 1991; ROCKWELL 1998), Linguística (PORT, CUMMINS, GASSER 1996), biologia (GUIMARÃES 2001), antropologia e sociologia (LAUGHLIN S.D.), psicologia social (VALLACHER, NOWAK 1993), economia (DEBREU apud DUPUY 1996) etc. Acima de tudo, o que está em jogo é um novo paradigma para a ciência, um paradigma subjetivo que admita também uma dinâmica, uma estocástica e um desenvolvimento (histórico) no interior de seus próprios postulados, seguindo os princípios aplicados a seus objetos de estudo. Um “princípio heinsemberguiano” impede que aconteça a “última palavra” da ciência aos processos cognitivos; o estudo dos processos cognitivos é mediado pelos próprios processos cognitivos de quem os estuda. Assim, admite-se que respostas científicas só são adequadas na medida em que se enquadram em suas perguntas, que aquilo que se pode estudar (aquilo que se consegue pensar) é apenas aquilo que se pode dizer (perguntar)49, e que diferentes “perguntas” podem transformar a forma de ver o problema, dando origem a ciências (pensamentos) diferentes. “With no radical expansion of the style of work in the scientific tradition and the establishment of a research program roughly along these lines, the riddle of the place of experience in science and world will continually come back.”50 (VARELA 1996). A linguagem e os processos cognitivos De modo paradoxalmente inverso, parece ser apenas a anulação da pura subjetividade num sistema (ou num meio não-sistemático), por meio de uma linguagem formalizada ou socialmente convencionada (em outros termos, intersubjetiva), que parece permitir em seu interior a existência de proposições lógicas, linguísticas ou científicas. Nesse caso, a intencionalidade e a subjetividade fenomenológicas é que são afastadas por denegrirem um “pacto” racional imbuído nas atividades científicas e racionais. É justamente um “óbvio” fenomenológico, implícito, pré-linguístico (identificável com uma “psicologia de senso comum”), que deveria ser desconstruído na atividade materialista e empiricista da ciência. Não basta apenas “querer fazer ciência” (intencionalmente) para efetivamente produzir resultados consideráveis como científicos (ou racionais, ou lógicos); é necessário produzi-la como uma atividade específica e repleta de padrões de procedimento (instrumentais, metodológicos, conceituais, mas também linguísticos), para além do “óbvio” dado pelo senso comum, que garantiriam um novo nível de representação do mundo (um nível “ideal”) no acesso aos mesmos resultados científicos a todos que pudessem repetir os mesmos padrões. É portanto a formalização enquanto “pacto científico” que garantiria sua validade objetiva, sua “certeza” irrefutável. Tal “pacto implícito da racionalidade” é gerado através do encobrimento mesmo de qualquer tipo de intencionalidade individual na atividade científica, resultando de certa forma numa ciência sem sujeito (ou, no mínimo, de um sujeito oculto — cf. DENNETT 1991; CHURCHLAND 1981). “According to DENNETT (1991), one cannot have a serious science of the mind if one relies upon subjective accounts of experience. Rather, one needs ‘agreed-upon methods of description and analysis’, so scientists can be sure about what other scientists are saying. […] In contrast to first-person methods of phenomenology which entail an identity between scientist and subject, real science requires the separation of scientist and subject, that is, a third-person approach”51 (GHALLAGER 1997). “Rhetorically speaking, the idea is to bully the reader into thinking that unless he accepts the idea that the brain is some kind of computer, he is committed to some weird anti-scientific views”52 (SEARLE 1993). Assim, nas abordagens objetivistas, o “acordo” tácito sobre o objeto científico se coloca num nível desvinculado do mundo prático ou da linguagem comum, tentando fazer como que o método científico corresponda, enfim, a uma “linguagem ideal”, totalmente objetiva (totalmente lógica; redutível a uma máquina de Turing — cf. SCRUTON 1982). Apresentada desta forma, o que tal mentalidade pode na verdade revelar é o quanto este próprio “acordo” também é formado através da linguagem, na adoção pública (socialmente convencionada, aceita e creditada como “norma comum”) das restrições e das “formas de falar” que caracterizam as atividades sociais enquanto tais (no caso, a atividade científica). Uma “meta-regra” científica ou lógica, acima do sistema objetivo, cria-se, entre outros pontos, no conjunto de proposições (linguísticas, por sinal) que a constitui enquanto sistema “fechado”, formalizado; a ciência, afinal, é uma instituição social (e discursiva), não uma “posição fenomenológica” atemporal e anti-social. “One’s introspective certainty that one’s mind is the seat of beliefs and desires may be as badly misplaced as was the classical man’s visual certainty that the star-flecked sphere of the heavens turn daily”53 (CHURCHLAND 1981; grifos do autor). “First-person explanations or phenomenological descriptions are generated within the linguistic framework of a social world that always undermines the solipsism of the first-person perspective. Although within language one can develop the distinction between first- and third-person discourse, linguistic ability itself is not easily classified as exclusively a first- or third-person phenomenon”54 (GALLAGHER 1997). Nas atuais circunstâncias, deve-se perguntar a respeito de qual “habilidade linguística” a citação nos diz. No âmbito da Linguística, BENVENISTE (1966B), entre outros (LAHUD 1977; PARRET 1988), destaca a singularidade própria que noções como as de enunciação, dêixis, performativo, locutor etc., representam dentro das atividades da linguagem. Os elementos propriamente performativos (pronomes, demonstrativos, modalidades como “aqui”, “agora”) se caracterizam por efetuarem no interior da atividade linguística uma referência explícita ao contexto em que esta atividade se dá; são assim “gestos de apontar” linguisticamente para o mundo, mais do que operações dadas apenas ao nível simbólico e conceitual. “A noção de categoria dêitica ou demonstrativa é tradicionalmente usada para a categoria de palavras cujo sentido tem associada, como pré-requisito, uma demonstração (incluindo, na maioria dos casos, o gesto que acompanha)” (PARRET 1988; grifo do autor). A contrário dos substantivos ou verbos, por exemplo, que “significam” apenas dentro de um sistema (estruturalista) de oposições sígnicas, as categorias dêiticas criam elas próprias a instanciação, o contexto que cria seu valor linguístico. Dizer “aqui”, “agora”, “eu” (cf. o plural majestático “nós” dos sofismos políticos, ou o “agora” de uma tragédia grega clássica), só passam a fazer sentido quando podem ser interpretados a partir de “proclamações de contexto” específicas, dentro da atividade linguística, intimamente condizentes com a força ilocucional da produção discursiva (enunciativa), comentada a pouco. Assim, o funcionamento do dêitico dentro da estrutura linguística aponta sempre para um “estar no mundo”, para uma contínua atualização contextual das coordenadas do mundo, dentro dos processos linguísticos (quaisquer que sejam eles, o que parece ser o ponto mais importante aqui), que extrapola a concepção fechada da língua como estrutura. É a partir destas “formas de colocar” os enunciados linguísticos que seria possível a atividade linguística, simbólica e subjetiva; para Benveniste, é através de tal “aparelho formal da enunciação” que o sujeito linguístico (proposicional, enunciativo, intencional) pode se constituir enquanto tal e se “colocar” no mundo. “O aparelho da enunciação constitui a um só tempo o fundamento linguístico da subjetividade e o fundamento subjetivo da linguagem: ‘É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito’. A subjetividade é, para BENVENISTE (1966B), a capacidade do locutor se colocar como sujeito” (MORATO 2001). “A respeito da força subjetiva envolvida [na linguagem], ela se torna, então, o objeto, que é percebido como novo e que reverte, assim, apara a força subjetiva. Para esse propósito a linguagem é indispensável, pois, quando, em seu esforço intelectual, ela faz seu caminho até os lábios, seu produto faz o caminho de volta ao ouvido do próprio falante. O conceito é então, mudado para um estado de objetividade, sem perder a sua subjetividade” (HUMBOLDT 1871). Acima de tudo, portanto, a inexorabilidade do performativo como “formador de contexto” linguístico (e das atividades ilocucionárias em geral) tornam valorizado o caráter intersubjetivo das atividades linguísticas e representacionais como um todo. “Eu”, por exemplo, ou o sujeito linguístico, a força ilocucional, é construído através da e para a linguagem, nas possibilidades criadas quer pelas instanciações dialógicas das atividades linguísticas (nesse sentido, atividades linguageiras — cf. AUROUX 1994), quer pelo próprio funcionamento do sistema linguístico (representacional) como um todo, por exemplo os performativos ou os pronomes (não apenas “eu”). É a linguagem que molda nosso mundo e nossas iniciativas, são as suas possibilidades estruturais, especificamente, que permitiriam a construção histórica, lógica e cheia de significado do “eu” fenomenológico, não encarado mais como imanência primordial interior. “O problema do caráter privado do sentido de ‘eu’ desaparece tão logo se admite que o sentido de ‘eu’ não é um sentido epistêmico, não é uma crença, nem um pensamento. Afirmo que nenhuma forma especial de conhecimento ou crença a respeito de um objeto é exigida ou pressuposta para que uma pessoa possa falar uma proposição singular envolvendo ‘eu’ “. [...] “O estruturalismo saussuriano […] pode ser ultrapassado por uma teoria de linguagem […] que leve em conta a subjetividade do enunciado.” (PARRET 1988). Assim, uma postura como esta cria por sua vez profundos problemas em uma abordagem fenomenológica do conhecimento humano. Se a consciência é consciência “de algo”, como diz Husserl, este “algo” não pode ser constituído sem a participação da linguagem. “O sentido dos indiciais e especialmente o de ‘eu’ é determinado com respeito a um contexto de uso”. [...] “John Searle acentua a importância da ‘consciência compartilhada do contexto do discurso’ em uma situação dialógica, e traduz sua ‘consciência compartilhada’ em termos de um ‘intencionalidade compartilhada’ [...]. Eu diria, ao contrário, que os membros de uma comunidade compreendem as sequências em uma situação dialógica somente se eles interpretam os contextos nos quais esses fragmentos de diálogo são produzidos. Isso indicaria que a compreensão como uma habilidade é uma prática-no-mundo e não um atividade da vida interior atuando com elementos mentais ‘primitivos’ ” (PARRET 1988; grifos do autor). O limite das possibilidades de uma postura cognitivista, portanto, parece ir, sob certo aspecto, até onde começam os limites da linguagem como constituinte dos processos cognitivos. A linguagem como possibilidade de representação, categorização e inferência do mundo, estruturante da “possibilidade de sentido” dos processos cognitivos; a linguagem como o limite do corpo, na possibilidade da referencialidade ao “si mesmo”, ou como habilidade motora, inconsciente, específica (mas não limitável como objeto); a linguagem como atividade enunciativa e intersubjetiva, de construção de sentido e significação humanos a partir da interação, oposição e conjunção de indivíduos, caráteres, idéias. A linguagem, enfim, como processo (trabalho) humano de transformação da natureza, mais do que como forma (representação) natural e implacável. É essa a noção de linguagem que podemos ver aflorar incólume para além da grande “caixa preta” formalista que é o cognitivismo, uma noção que traz o sentido de toda a discussão de volta ao aspecto “humano, demasiado humano”. A estrutura linguística posta em funcionamento pela atividade ilocucional é o que permitiria que os conteúdos mentais se formem e incidam no meio (material, representacional, social). Ou, em palavras talvez mais incisivas, seria a linguagem o que cria o homem. É essa uma posição essencialmente linguística em relação aos processos mentais. Marca, então, uma nova epistemologia, o limite de uma teoria outra a respeito do conhecimento. A partir deste ponto, podem ser reconstruídas cada uma das principais características que as ciências cognitivas aplicam a seu objeto de estudo. Um paradigma pragmático (ver Capítulo I) adequado aqui não tenderá ao praticado na estruturação de normas constitutivas de conversação e comunicação linguística entre indivíduos, formalizada dentro da estrita metodologia estruturalista, como é dada por exemplo nas “leis conversacionais” ou “leis discursivas”, de GRICE (1967), ou na Análise Conversacional de origem norte-americana (ex. HARRIS 1952; BROWN, YULE 1983), ainda que tais abordagens sejam historicamente relevantes na formação de uma noção de enunciação e de discurso. Em grande parte, tais abordagens se mostram pautadas em muito na metodologia estruturalista, de “fechamento” e inter-relacionamento do material conversacional a ser estudado, descartando a idéia de qualquer exterioridade pertinente à língua (à estrutura movida nas atividades linguísticas), seja ela a psique, a cognição, a fala etc. Serão então, em última análise, normas “transparentes” (PARRET 1988) de um “comportamento” linguístico (pragmático) adequado e delimitável, normas dadas a posteriori à formação da significação linguística e cognitiva, como “naturalmente” necessárias nas interações humanas, e que levam em conta uma correspondência funcional entre estruturas linguísticas e estruturas conversacionais (ou lógicas), entre o que foi dito e o que se quis dizer, entre o pensamento e a linguagem, entre o conteúdo e a forma linguísticas, pré-determinadas pelo funcionamento semiológico. “Ainda que algumas dimensões da Pragmática negligenciem as atividades dos interlocutores, partem do primado de disposições internas de ‘mensagens’ e de intenções do locutor, bem como de uma hipótese de um social homogêneo (externo aos sujeitos), outras dimensões teóricas desta abordagem pautam-se pela dimensão interativa da linguagem” (MORATO 1995). ”Ninguém admitiria a dupla tese de uma semântica transparente e livre de toda neutralização pragmática, e de uma pragmática livre de qualquer restrição gramatical, sem se perder nos falsos caminhos da dicotomização (entre outros, de competência e performance)” (PARRET 1988). Ao contrário, a instância pertinente ao uso da linguagem, como constituinte de processos cognitivos, será considerada como coincidente a uma instância de significação, de sentido. É uma significação e um sentido externos à atividade circunscrita do cérebro (ou da estrutura linguística, gramatical ou lógica), construídos no campo interlocutivo, discursivo, social, onde se dão as experiências e partilhas humanas. Ou seja, antes de uma estrutura material, irredutível e específica para os processos linguísticos, de uma “linguagem primordial” (de uma semântica ou uma sintaxe passíveis de referência como valor-de-verdade) encravada na lógica, no computador ou no cérebro, a noção de regra linguística é definida tendo um sentido público, na interação de “jogos de linguagem” heterogêneos entre si, com semelhanças opacas entre si (comparáveis a “semelhanças de família”) que se interpenetram e se influenciam mutuamente, uma regra, afinal, passível de ser quebrada, de “burlar-se” (socialmente) as regras de tal jogo. É uma noção de significação criada por um contexto de uso levada até as últimas consequências filosóficas por WITTGENSTEIN, tanto na formulação de condições de linguagem lógica (Tratado lógico-filosófico — WITTGENSTEIN 1921; DIAS 1998) quanto, principalmente, em sua sublimação como paradigma linguístico, nas Investigações filosóficas (WITTGENSTEIN 1953; SHOTTER 1996; HUEN S.D.). “Mas quantas espécies de proposições há? Talvez asserção, pergunta e ordem? Há um número incontável de espécies: incontáveis espécies diferentes da aplicação daquilo a que chamamos ‘símbolos’, ‘palavras’, ‘proposições ‘. E esta multiplicidade não é nada de fixo, dado de uma vez por todas; mas antes novos tipos de linguagem, novos jogos de linguagem, como poderíamos dizer, surgem e outros envelhecem e são esquecidos” (WITTGENSTEIN 1953). O sentido não precisa mais ser considerado com dado pelos “sentidos”, pela percepção ou por processos cognitivos elementares (lógicos, pré-linguísticos, ou em última instância fenomenológicos). Pelo contrário, o sentido (público, externo ao mero processo cerebral, ou à “mente”, ao “pensamento”) é que constrói qualquer interpretação possível dos processos cognitivos. O que, diga-se de passagem, diminui consideravelmente a postulação fenomenológica (e certamente também a cartesiana, científica, e a estruturalista ou da pragmática tradicional) de uma subjetividade primária e por si só imanente. Ao mesmo tempo, a um paradigma da linguagem como “operabilidade” ou “capacidade” causal de enunciados (frases) formalmente aceitáveis (encontrável seja em Saussure, Chomsky ou Searle), pode ser contraposta a idéia da linguagem como “estratégia de compreensão”, que se desenvolve em múltiplas possibilidades e constituída na atividade linguística, dialógica e social (PARRET 1988). Assim, o logicismo se revela como apenas uma “forma” específica de linguagem entre outros tantos “jogos” de significação disseminados na sociedade, e também o formalismo (e o inatismo) essencialmente ligados a uma “Lei” absoluta que, se encarada numa perspectiva discursiva, só passa a poder ter valor (significar) na medida em que pode ser encarada como uma “regra” instanciativa e, principalmente, na possibilidade de sua violação (FOUCAULT apud SHEPHERDSON 1995). A linguagem (a significação) não se limita ao funcionamento de leis cognitivas (inatas, universais); ela está ativa, funciona, em todas as condições (diversas e adversas) nas quais é convocada a fazê-lo. “[Wittgenstein] defende não somente a posição de que conhecimento que temos sobre nossas próprias mentes pressupõe o conhecimento das mentes de outros, mas também a de que — como assinala o fenomenologista Max Scheler (1874-1928) — ‘a convicção que temos da existência das mentes de outros é anterior e mais profunda que nossa crença na existência da natureza’ ” [...] “[Os argumentos de Wittgenstein] refutam a possibilidade de uma ‘fenomenologia pura’, visto que implicam que nada se pode aprender sobre a essência do mental ou sobre a essência de qualquer coisa com o estudo (em isolamento cartesiano) apenas da primeira pessoa“ (SCRUTON 1982). “Diferentes maneiras de dizer o que se vê serão, com bastante frequência, devidas não apenas a diferenças de conhecimento [(racional ou empírico) [...]; podem dever-se ao fato de que aquilo que se vê é visto diferentemente, visto de uma maneira diferente, visto mais como isto do que como aquilo. E, às vezes, não existirá uma maneira certa de dizer o que se vê, pela razão adicional de que talvez não exista uma única maneira certa de vê-lo“ (AUSTIN 1983; grifos do autor). “As estratégias nem sequer envolvem conteúdos intencionais ou epistêmicos — são práticas-no-mundo, e portanto são públicas” (PARRET 1988). Certamente que a simples apresentação filosófica desta questão (como efetuada por Wittgenstein) é insuficiente para instituir um princípio explícito de interação, assim como um programa de estudos amplo e coerente, a respeito das possíveis relações de constitutividade entre linguagem e cognição. Esta possibilidade é encontrável, entre outros, nas vigorosas acepções do russo VYGOTSKY (1934; VYGOTSKY 1999; MORATO 1996; MORATO 1998; etc.) a respeito destas relações. Também para ele, o “pensamento”, a atividade racional, só é possível com a participação constitutiva da linguagem e da significação, dadas numa instância externa à dos processos mentais internos. A maior parte das idéias de Vygotsky a respeito da relação entre linguagem (“discurso”) e cognição se baseia em suas pesquisas com o desenvolvimento mental e cognitivo infantil. Para ele, o “pensamento” (a cognição) e a “linguagem” (a representação; a fala) são independentes no período de desenvolvimento anterior à compreensão linguística, e é a evolução até a fusão dos dois que marca o surgimento do signo linguístico — isto é, nas primeiras palavras, por volta dos dois anos de idade. Assim, a atuação da linguagem no meio infantil não se dá como uma consequência natural e determinística de um processo de evolução, como em outras teorias de desenvolvimento; a significação marcaria uma ruptura fundamental com o estágio anterior. Os processos linguísticos, apresentados à criança sob a forma de interações dialógicas, externas (e não apenas mentais) e num contexto social e histórico, são depois internalizados, e a linguagem passa a atuar como mediadora do processo cognitivo, numa forma de “linguagem interna” de nítido contraste com noções como a de “linguagem do pensamento” de FODOR (1975), por exemplo. É a formulação de uma “função reguladora da linguagem” nos processos mentais, de significação, de sentido, uma formulação definida não num contexto gerativista, de estrutura necessária (como em Chomsky), ou modularista, de “tradução” de processos cognitivos (como em Fodor), mas dada a partir do meio externo, sujeita a contingências pragmáticas, discursivas, históricas. Opostamente a um fisicalismo (materialismo), que se confunde como um mecanicismo postulado nas relações naturais entre os entes físicos, a linguagem (a representação) apresente uma ligação apenas contingente, arbitrária; as palavras não correspondem necessariamente ao mundo, o mundo é construído simbolicamente e enunciativamente na e pela linguagem (MORATO 1996). E em contrapartida a um cerebralismo, ou mesmo um biologismo isomorfista (entre o desenvolvimento corporal ou cognitivo e o desenvolvimento dos processos mentais), emergentes das posições cognitivistas a respeito da relação cérebro-mente, o surgimento da linguagem se daria na ruptura radical que o ato enunciativo (essa “dupla articulação” entre o objeto e o sentido) instaura em relação à sua linguagem “primitiva” anterior (VYGOTSKY 1978). Não se limitando a um fenômeno meramente mental ou meramente linguístico, a significação é o que permite a interação social entre os membros da comunidade e a possibilidade de uma atividade racional. “Any function in the child’s cultural development appears […] on two planes, first on the social plane and then on the psychological, first among people and then within the child as an intramental category”55 (VYGOTSKY 1930). “Nossa pesquisa demonstrou que, mesmo nos estágios mais precoces do desenvolvimento, linguagem e percepção estão ligadas. Na solução dos problemas não-verbais, mesmo que o problema seja resolvido sem a emissão de nenhum som, a linguagem tem um papel no resultado. [...] Por esse termo eu entendo que o mundo não é visto simplesmente em cor e forma, mas também como um mundo com sentido e significado” (VYGOTSKY 1934) . “Se o mundo se nos apresenta simbolicamente, parece intuir Vygotsky, não há possibilidade de conteúdos cognitivos integrais ou domínios do pensamento fora da linguagem, nem possibilidades integrais de linguagem fora dos processos interativos humanos. Assim é que a linguagem surge para ele, num primeiro momento, com construção da atividade ‘consciente’, e depois (num sentido reflexivo), como seu instrumento — o que coloca Vygotsky entre os que relacionam internamente linguagem e pensamento. Mas o faz estabelecer, à maneira das perspectivas interacionistas, uma reversibilidade dialética entre as dimensões externa e interna da atividade linguístico-cognitiva” (MORATO 1996). “As atividades humanas que demandam ações reguladoras linguísticas e cognitivas — refeitas a cada instância discursiva — só podem ser apreendidas numa região de indeterminação e fluidez que confere à sistematicidade do linguístico (a língua) e do cognitivo (as operações mentais) um equilíbrio apenas provisório e contingente, porque histórico” (MORATO 1998). Daí também decorre, num sentido mais amplo, que a atividade linguística e sígnica também possa ser encarada como uma atividade de caráter essencialmente social. O materialismo histórico dialético (marxista), da concepção psicológica de Vygotsky (sendo a pura psicologia seu verdadeiro campo de estudo acadêmico em geral, donde os termos menos ortodoxamente relacionados a um determinado cognitivismo), está imbuído em sua perspectiva evolutiva humana, sujeito formado “da e na história” (FREITAS 1997). De fato, uma linguagem como atividade construída na interação entre os homens implica numa linguagem que se desenvolva no sentido histórico e sociológico, mais do que simplesmente interacionista, uma linguagem influente em e influenciável por toda sorte de acontecimentos culturais, sociais e históricos. A questão é apresentada assim, por exemplo, na complexa e rica teoria sociolinguística desenvolvida na obra do também russo BAKHTIN (1997; BAKHTIN, VOLOSHINOV 1930; etc.), onde a base dialógica da atividade “linguageira” (de troca e debate linguístico entre pessoas) é transformada na atividade “dialética” das formas de discurso que se cruzam no interior da sociedade (BARROS 1997; SHOTTER S.D.), atividade esta dada então como instância essencialmente social. Não se trata mais de processos biológicos ou físicos, trata-se de sua significação, uma significação construída a partir de práticas sociais e em constante mutação histórica. “Importa dizer que é o estudo da consciência que empurra Vygotsky à linguagem e à subjetividade [...], e à ética (marxista). A consciência vygotskiana é desde o início — e sempre — discursiva. Poderíamos pensar que a expressão ‘pensamento verbal’ subsume a noção de ‘sujeito da linguagem’ ” (MORATO 2001; grifo da autora). “Há em nossa consciência imagens de formas, cores, odores, sabores, porém estas imagens só adquirem um caráter significativo, só se transformam numa sensorialidade humana, pela linguagem. A matéria do psiquismo, portanto, é a semiótica, sua realidade é a realidade do signo e este é social” (FREITAS 1997, sobre as idéias de BAKHTIN). “Nem a biologia nem a fisiologia estão em condições de resolver esse problema. A consciência constitui um fato sócio-ideológico, não acessível a métodos tomados de empréstimo à fisiologia ou às ciências naturais. É impossível reduzir o funcionamento da consciência a alguns processos que se desenvolvem no campo fechado de um organismo vivo. Os processos que, no essencial, determinam o conteúdo do psiquismo, desenvolvem-se não no organismo, mas fora dele, ainda que o organismo individual participe deles. O psiquismo subjetivo do homem não constitui um objeto de análise para as ciências naturais, como se tratasse-se de uma coisa ou de um processo natural. O psiquismo subjetivo é o objeto de uma análise ideológica, de onde se depreende um interpretação sócio-ideológica. O fenômeno psíquico, uma vez compreendido e interpretado, é explicado exclusivamente por fatores sociais, que determinam a vida concreta de um dado indivíduo, nas condições do meio social” (BAKHTIN, VOLOSHINOV 1930; grifos dos autores). Mas também é certo que uma discussão como esta, do ponto de vista cognitivo, cognitivista, pode resumir-se a proposições de um “estado” psicológico de interação disseminada entre indivíduos, em essência independente do funcionamento propriamente linguístico, anterior a ele. Este parece ser de fato o caso de correntes teóricas como a de um construcionismo (SHOTTER 1996; POTTER 1996; POTTER 1999; LOCK S.D.; BILLIG 1987; etc.). Se uma abordagem como esta oferece alternativas psicológicas à dicotomia corpo-mente, ela também oferece pouco avanço na descrição de relações de “fulcro entre linguagem e cognição” (MORATO 1996); a linguagem volta, de certa forma, a ser apenas um “instrumento” ou “capacidade” cognitiva; permanece um “instrumento”, só que a serviço de uma instância (de uma subjetividade emergida) especificamente intersubjetiva, social ou cultural. “First, [the constructionist hypothesis] tend to be oppositional movements of one kind or another to traditional social science positions, and in particular their realist assumptions. Second, they all tend to stress the way mind and action are contingent on specific cultural forms. Third, they all tend to treat discourse — variously theorized — as the central organizing principle of construction”56 (POTTER 1996). “BILLIG (1987) has highlighted the way rhetorical ideas can be used to reformulate thinking in psychology. For example, that the metaphor of an argument can be used to make sense of thought processes; instead of viewing thought as the operation of some calculating mechanism on internally consistent systems of belief, thought can be seen as riven with argumentative dilemmas whose structure comes from the available interpretative repertoires of a culture”57 (POTTER 1996). Ao contrário, encarar questões cognitivas sobre a linguagem como questões linguísticas, como sugere JAKOBSON (1954), significa a possibilidade de subordiná-las a um método ou a um ponto de vista especificamente linguístico, estruturalista. A instância metalinguística (maiores detalhes no Capítulo VI), de controle dos elementos linguísticos rumo à significação, de auto-regulação da própria atividade linguística, ou, afinal, do sentido impresso à linguagem, não precisa mais ser buscada numa instância superior, seja ela de ordem psicológica (a psique, o sujeito) ou cognitiva (a mente “computacional”, o pensamento), ela passa a fazer parte do próprio mecanismo de funcionamento da linguagem, a ser uma estrutura de oposições a serem preenchidas, como no método estruturalista. Uma tal instância superior, “meta”, externa aos objetos linguísticos explícitos (uma instância “in absentia”), está estruturalmente implicada no próprio ato linguístico (dado “in praesentia” — ver Capítulo VI); é o que mais aproximaria as questões entre linguagem e cognição às teorias propriamente enunciativas do funcionamento da linguagem, ou seja, de definição de inter-determinação entre estruturas linguísticas e o contexto no qual ocorrem (incluindo aí as que envolvam relações de derivação ou de constitutividade com capacidades cognitivas). Relembrando mais uma vez BENVENISTE (1966B), é a enunciação, enquanto atividade simultaneamente linguística e metalinguística, o que “constitui a um só tempo o fundamento linguístico da subjetividade e o fundamento subjetivo da linguagem”. “O caráter reflexivo da linguagem nos conduz a uma outra definição do sujeito: no discurso, o sujeito fala de qualquer coisa e ao mesmo diz dizendo. E o faz de forma a indicar (e constatar) a heterogeneidade social, psíquica, linguística etc. Ele se situa em algum lugar entre o individual, o dialógico e o coletivo” (MORATO 2001). “Os sujeitos afásicos, assim como seus interlocutores, tanto trabalham sobre a língua e seus efeitos quanto são por eles ‘interpelados’. Com isso, uma clara distinção entre atividades linguísticas e metalinguísticas, baseada em níveis de consciência e/ou de controle do sujeito sobre a significação, é praticamente impossível de ser sustentada” (MORATO 1999). Ora, na variação de possíveis teorias enunciativas (indicáveis por exemplo em BAKHTIN, mas também em DUCROT 1972; BERRENDONER 1981; PARRET 1988; MAINGUENEAU 1984; etc.), o contexto e o objeto linguísticos serão constantemente apontados como co-determinados por participarem simultaneamente no ato de proferição verbal ou de enunciação, e esta co-determinação ocorrerá no interior do próprio funcionamento linguístico — ou seja, na conjunção de oposições distintivas que caracteriza o método estruturalista. Assim, qualquer instrumentalidade simplista imputável aos processos linguísticos é nivelada às mesmas condições de sua formação ou objetivo contextual, de suas motivações, intenções, práticas humanas. Em outras palavras, se o funcionamento das modalidades linguísticas (dêixis, pronomes, metáforas etc.) é dado a partir de um contexto enunciativo de uso, se carece de referência a um “aqui” e “agora” próprio da atividade enunciativa, nada parece impedir que estas intenções, motivações e práticas por trás da enunciação sejam também estruturadas por esta atividade. Se a linguagem não é uma “capacidade” instrumental, “aqui”, “agora”, “eu” (ou seja, a metalinguagem), não são imanentes a ela, não seriam dados numa instância superior e externa, psicológica, cognitiva ou “existencial”, em última instância metafísica (o “homem” ou o “espírito humano” — cf. HENRY 1990), como reza a tradição saussuriana; são condições criadas pelos próprios processos linguísticos. “O ‘social’ da língua saussuriana é o caráter coletivo e partilhado do sistema. A relação desse sistema com o exterior sócio-histórico, e por conseguinte com o sujeito, não se coloca: é um fato do domínio da fala” (ZOPPI FONTANA 1991). “A estrutura diáctica do signo saussuriano define uma estratégia mentalista (de que a realidade, ela-mesma, se ausenta) e privilegia matricialmente os signos linguísticos. [...] Saussure, [...] numa palavra, retoma o legado exegético e metafísico da letra e da voz” (CARMELO S.D.). “Poderíamos postular que, se SEARLE (1987) está correto em imaginar poderes causais equivalentes aos do cérebro para tudo o que venha a causar mentes, outras coisas além do cérebro (isto é, não biológicas, não físicas) também causariam mentes, isto é, teriam os mesmos poderes (causais) equivalentes ao dele. Dito de outra forma, se é verdade que os cérebros causam mentes, tudo o mais que venha a causar mentes deveria ter poderes causais equivalentes ao do cérebro” (MORATO 1995). Assim, em um estudo estruturalista da enunciação, não se tratam mais de “pessoas” num processo de conversação (ou cérebros num mecanismo objetivo); são contextos ligados às palavras (aos elementos linguísticos) que os definem e os incutem de sentido. Na atividade linguística (e, por conseguinte, também nos processos cognitivos), as intenções, os estados psicológicos, os contextos, serão dados objetivamente apenas em relação às possibilidade de sua formulação (enunciativa) e de sua posterior compreensão; as intenções (ou intencionalidades) linguísticas serão constituídas pelo seu contexto enunciativo, perdendo qualquer caráter imanente. E a enunciação se apresenta então como um processo relativamente independente da carga volitiva que lhe seja imposta pelo enunciador, como um construto de relação contínua com a estrutura linguística (e cultural, social, intersubjetiva) que lhe dá forma. Um imagismo (ou mesmo um modularismo) de processos cerebrais ou mentais vistos como categorizados, independentes, “semi”-conscientes e integrados não parece indicar como funcionaria (ou mesmo como seria possível) a estrutura de uma linguagem (modular) utilizável nas instanciações discursivas ou inter-subjetivas, já que é sua estrutura que determinaria o contexto sígnico. É o que permite apresentá-la caracterizada não como uma regra geral de relação (redutível a uma “instrumentalidade”), mas como uma “voz” de sentido imbuído (BAKHTIN 1997; DUCROT 1972; AUTHIER-REVUZ 1984; etc.), entre tantas “vozes”, “feixes” de sentido linguístico formados culturalmente e intersubjetivamente no interior das práticas linguísticas, relativamente independentes e relativamente interpenetrados, numa relação instável de disputa ou contradição entre si que acontece através da sociedade (daquela que lhe é própria) e da história (uma que também lhe seja específica) (DAHLE 1994). Uma vez que é a prática enunciativa que confere sentido a cada um dos elementos do contexto ao qual é aplicada, a cada uma destas “vozes” de sentido, em termos simples, será atribuído um possível contexto e um possível enunciador: ou seja, um sujeito, uma possibilidade de sujeito, para cada um (qualquer um) que possa ser identificado com sua enunciação (ou que almeje sua compreensão). O objetivo de teorias enunciativas seria o de definir, em síntese, o processo de identificação ou “assimilação” de uma “voz” de sentido, pré-determinada pelos contextos (estruturalisticamente) possíveis, por um enunciador; ou seja, um processo de subjetivação. Sendo várias as possíveis formas de linguagem e de sentido (segundo Wittgenstein), seriam também vários os sujeitos possíveis de serem imputados a um mesmo indivíduo nas diferentes formas de enunciação (ou seja, de significação) com as quais está envolvido (conversas, textos escritos, sinais não-verbais, “personagens” psicológicas etc. — cf. FOUCAULT 1969). Haverá então, por exemplo, o “empregado”, o “cidadão”, o “pai”, o “devoto”, o “apreciador de Beethoven” etc., mas qualquer exemplo se torna temerário por desviar a atenção do alcance de um tema como este. Cada vez que um indivíduo (ou que uma fala, uma “voz” definida de sentido) se identifica com e faz uso de determinadas “formas de dizer” enunciativas, ele as torna ativas linguisticamente; o enunciador, o “sujeito” é dado não como imanência ou materialidade subjetiva (o “eu”, ou por exemplo o cogito cartesiano), mas apenas como posição distintiva em um processos estruturado (estruturalista) que o abarca. “Quando o falante emprega uma descrição definida, indica por este meio que está realizando um ato de referência, e garante (implicitamente) ao destinatário que a expressão conterá todas as informações que se requerem para identificar o referente” [...] “Existe um esquema geral da enunciação que pode ser descrito especificando-se os papéis dos possíveis locutores e interlocutores no interior das sequências da ação linguística” (PARRET 1988; grifo do autor). “[A subjetivação] é, [...] numa certa medida, [...] um processo de assimilação, mais ou menos criativo, das palavras de outrem, caracterizados, em vários graus, pela alteridade ou assimilação [...] por um emprego consciente e deliberado” (BAKHTIN 1984). A ordem epistemológica de apropriação individual, “objetiva” (ou cognitiva) dos fatos do mundo parece então definitivamente abalada, passando a dar lugar ao que pode ser apresentado enfim como uma nova epistemologia. Uma teoria cognitivista da representação semântica, se baseada num princípio de racionalidade irredutível (como no cognitivismo), poderá apresentá-la como um sistema de expectativas causais entre os eventos do mundo (ou entre as representações estereotipadas dos eventos do mundo, como nas obras mais recentes de Fodor — cf. KAYE 1998); em outras palavras, como um sistema das relações de crença que o indivíduo constitui com suas representações mentais, o que poderia à primeira vista aproximar-se com a concepção de uma “posição de sujeito”. “My point is that, even in the case of public languages, coherence doesn’t require a stable relation between the way the terms are used and the way the world is: what it requires is a stable relation between the terms are used and the way the speaker believes the world to be”58 (FODOR 1975; grifos do autor). Neste ponto, porém, o sujeito humano (ou racional) “puro”, o sujeito “cognoscente” da tradição epistemológica (cartesiana), discernível nas abordagens cognitivistas, não existe mais. O que surge em seu lugar é um ser permanentemente fendido, plural e contraditório em si mesmo, “criado” no meio social, psicológico e discursivo-enunciativo através de uma estrutura em grande parte auto-suficiente e externa à sua constituição física ou psicológica. Este sujeito não é propriamente uma “força” atuante dentro desta estrutura, ele é subordinado ou “assujeitado” a um determinado sentido, podendo ser mais apropriadamente definido como um efeito de sentido. “Statements have to be attributed to some speaker, but what is essential about any statement, Foucault argues, is its role in a system of other statements. This role is independent of the psychological fact that the statement was uttered or written by someone. Foucault concludes that ‘the different forms of speaking subjectivity [are] effects proper to the enunciative field’ ”59 (DREYFUS 2002). A noção de “sujeito definido como posição de sujeito”, em maior ou menor grau, parece atravessar a conceituação de um termo amplamente ambíguo e multifacetado; o discurso. O envolvimento com um noção de discurso, por sua vez, é o que parece balizar a afirmação genérica de um pós-estruturalismo (PARRET 1988; HIRSCHKOP S.D.A; etc.) disseminado nos estudos linguísticos ou nas ciências humanas em larga escala. Neste meio, concepções ligadas à idéia de discurso têm sido substancialmente produtivas em diversas áreas do conhecimento: na análise linguística e semiótica (um exemplo típico, entre outros, seria GREIMAS 1976, mas também FOUCAULT 1971 e muitos outros), na psicanálise (como em LACAN — AYERZA S.D.; PYLE 1997), na teoria literária e estética (BARTHES 1990; KRISTEVA 1984), na teoria social e política (FOUCAULT 1969; LACLAU, MOUFFE 1985), na filosofia (DERRIDA 1967) etc. “A linguagem (ou o jogo, ou a ordem do signo, ou o discurso) não é entendida como uma origem, ou como algo que encobre uma verdade existente independentemente dela própria, mas sim com exterior a qualquer falante, o que define precisamente a posição do sujeito, de todo sujeito possível. Mas isto define o sujeito como posição, e não como uma coisa em si mesma, como uma substância [como o cogito cartesiano]. Não se encontra em Lacan, em Foucault ou em Derrida uma definição ‘positiva’ qualquer de sujeito enquanto entidade; encontra-se somente sua posição” (HENRY 1990). “Power, according to Foucault, is therefore not properly understood in the form of juridical law, as a repressive, prohibitive agency which transgression might overcome, but is rather a structure, a relation of forces, such that the law, far from being simply prohibitive, is a force that generates its own transgression”60 (SHEPHERDSON 1995). “Barthes provou que as conotações eram programadas socialmente e constituíam uma larga operação de controle, fosse na linguagem cinematográfica, na culinária, nas reportagens sobre os escritores em férias, ou até na ligeireza automóvel” (CARMELO S.D.). Dentro de uma concepção pragmático-enunciativa da linguagem (e de sua relação com a cognição), um discurso (ou termo equivalente61) pode ser definido como um conjunto de enunciados possíveis de um sujeito enunciador, num determinado contexto (cf. FOUCAULT 1969 apud BRANDÃO 1996). Ou seja, o discurso seria então o conjunto de enunciados que definem uma posição de sujeito. Idéias pré-concebidas e conjuntos lexicais, formas de enunciação e de argumentação, temas recorrentes etc., tudo isso forma um conjunto de predisposições que o sujeito utiliza, pressupõe e reconhece na enunciação; tudo isto forma o discurso. O discurso é o que delimita, em suma, as possibilidades (enunciativas, mas também linguísticas) de significação nas práticas enunciativas (em cada uma delas). Note-se que o discurso também participa da linguagem (da língua) apenas como uma posição específica; ele não pode ser reduzido a um “significado imanente” ou a um “conteúdo textual” de um determinado conjunto de enunciados (ou seja, “o que as frases ou os textos querem no fundo dizer”). O discurso é a própria possibilidade de conteúdos significativos, e por isso é dado implicitamente, constitutivamente, numa formação prévia à da constituição do sujeito e da construção do sentido. O que é explícito no discurso é sua exterioridade: o discurso é dado numa materialidade (enunciativa, do “realmente dito”) que define uma posição de sujeito por oposição a outras possíveis posições, ao externo que lhe constitui, o que não pode fazer parte do “seu” sentido (da sua significação, do seu lugar de enunciação). E serão então necessariamente vários os discursos: descontínuos, co-ocorrentes e auto-excludentes, externos (“incompreensíveis” ou “intoleráveis”) uns em relação aos outros, e sua delimitação é sempre (pode-se dizer constitutivamente) polêmica, fluida, dada de acordo com as propriedades características da posição de sujeito envolvida, definidas socialmente. Sendo “locais” definidos de significação, os discursos determinam os sentidos veiculáveis, autorizados, em uma sociedade; determinam as posições disponíveis a serem tomadas dentro da sociedade. São, portanto, mecanismos geradores de poder. “Toda palavra, todo enunciado, toda enunciação tem um passado discursivo (isto é, são enunciados pré-existentes dispostos na cultura, que marcam semantica-discursivamente a apropriação social da linguagem)” (MORATO 1995). “Discurso: é o efeito de sentido construído no processo de interlocução. [...] ‘o discurso não é fechado em si mesmo e nem é do domínio exclusivo do locutor: aquilo que se diz significa em relação ao que não se diz, ao lugar social do qual se diz, para quem se diz, em relação a outros discursos’ (ORLANDI)” (BRANDÃO 1996). “Seria preciso, então, tratar os fatos de discurso não como núcleos autônomos de significações múltiplas, mas como acontecimentos e segmentos funcionais formando pouco a pouco um sistema. O sentido de um enunciado não seria definido pelo tesouro de intenções que contivesse, revelando-o e reservando-o alternadamente, mas pela diferença que o articula com os outros enunciados reais e possíveis, que lhe são contemporâneos ou aos quais se opõe na série linear do tempo. Apareceria, então, a história sistemática dos discursos” (FOUCAULT 1978). Historicamente, porém, o surgimento de uma Análise do Discurso específica, de estudo (e principalmente de metodologia de estudo) das formações discursivas, tem origens explícitas em uma teoria das ideologias, termo cunhado por MARX, ENGELS (1865) que leva a um materialismo histórico, propriamente marxista. Afinal, é ALTHUSSER (1970) — o responsável por uma releitura da concepção de ideologia de Marx através da noção freudiana de inconsciente —, quem afirma pela primeira vez que “a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos”, mais do que se deixa ser escolhida por eles. Ela é apresentada como a “relação do imaginário dos indivíduos com a realidade” (ALTHUSSER 1970), especialmente uma realidade materialista, marxista, de condições de produção controladas e de dominação da luta de classes. E o discurso seria seu principal veículo de funcionamento, de onde decorre que os discursos possam também ser apresentados como o produto de uma relação entre linguagem e ideologia; a produção de significação estará, então, subordinada às próprias condições de produção presentes na sociedade. Nesse sentido, a relação causal de crença defendida no campo da lógica (e do cognitivismo) pode ser radicalmente invertida, em análise: não seriam os fatos que constituem as proposições lógicas, e sim as proposições (ideo)lógicas que constroem o mundo significante possível, e os sujeitos que atuam nele, através de mecanismos de identificação. O linearismo e o causalismo, próprios de um paradigma sintático ou computacional dos processos cognitivos, por sua vez, podem ser contrapostos a uma visão ideológica e multifacetada dos processos linguísticos (“ideologicista” — BAKHTIN; VOLOSHINOV 1930), sujeitos a mudanças históricas e valorados não como procedimentos lógicos, mas ideológicos. “Adiantaremos, neste momento, a idéia de que o que está em jogo é a identificação pela qual todo sujeito ‘se reconhece’ como homem, ou também como operário, empregado, funcionário, chefe etc., [...], e como é organizada a relação com aquilo que o representa. [...] Isso supõe, [...] portanto, uma teoria da identificação e da eficácia do imaginário [(do ideológico)]” (PÊCHEUX 1975; grifo do autor). O mecanismo (ideológico) que garante o processo de atribuição de valores enunciativos às construções lógicas e linguísticas, ao nível mesmo de constituintes sintáticos, é o mesmo que garantiria a autoridade (discursiva) das proposições; aceitá-las e usá-las como suas é justamente no que consiste o processos de subjetivação, no qual a ideologia é disseminada não nos conteúdos proposicionais, mas nas restrições linguísticas específicas a eles. “O duplo funcionamento articulação/encaixe vai se distribuir espontaneamente de modo que o encaixe seja o mecanismo de base que fornece a ‘descrição dos observáveis’, e que a articulação das asserções seja o mecanismo de base da abstração científica que liga entre si as ‘construções lógicas’ ” (PÊCHEUX 1975; grifos do autor). Assim, o percurso do processo de subjetivação sujeito consciente/sujeito lógico (racional)/sujeito científico, próprio por exemplo na formulação de uma ”atitude proposicional” internalista para os processos cognitivos, pode ser apresentada também como um processo de mascaramento do verdadeiro sentido inverso das transformações ideológicas, onde um sujeito científico (outorgado socialmente, discursivamente — cf. FOUCAULT 1971; FOUCAULT 1977) toma o caráter particular de sua atividade produtiva e metodológica (em suma, discursiva) como uma propriedade geral, num processo de indução de caráter coercitivo — inverso (do particular para o geral) à prática clássica de deduções da lógica tradicional — que termina por abarcar a totalidade das atividade humanas (ou pelo menos do pensamento racional humano). É assim que tanto um determinado imanentismo quanto um determinado objetivismo (científicos) podem ser severamente criticados justamente por excluírem ou apagarem as instâncias enunciativas nas quais as afirmações científicas podem ser formuladas, criando a impressão de uma linguagem “desencarnada” ou “ideal” (tanto como imanente quanto como atividade objetiva) (PÊCHEUX 1975; PARRET 1988). Uma “independência do pensamento em relação ao ser” é o que pretende uma ciência que, em nome de uma universalidade constituída e construída discursivamente, negue sua realidade material enquanto prática discursiva, política, de construção ideológica, “de produção dos conhecimentos (assim como por outro lado, a prática pedagógica)” (PÊCHEUX 1975). “Os linguistas e todos aqueles que recorrem à Linguística com diferentes fins, tropeçam frequentemente em dificuldades que decorrem do desconhecimento do jogo dos efeitos ideológicos em todos os discursos” (ALTHUSSER 1970). “Pêcheux recusa completamente a concepção da linguagem que a reduz a um instrumento de comunicação de significações que existiriam e poderiam ser definidas independentemente da linguagem, isto é, ‘informações’. Esta teoria ou concepção da linguagem é, para ele, uma ideologia cuja função nas ‘ciências humanas e sociais’ [e nas outras correlatas ou envolvidas, como nas ciências cognitivas] é justamente mascarar sua ligação com a prática política, obscurecer esta posição e, ao mesmo tempo, colocar estas ciências no prolongamento das ciências naturais. [...] A redutora concepção da linguagem humana como instrumento de comunicação (concebida, é verdade, de modo muito mais complexo, muito elaborada, mas, no entanto, para isso) conduz a conceber o homem e as sociedades humanas com base nos mesmos princípios dos animais e das sociedades animais” (HENRY 1990). “A maneira objetiva de falar no uso científico da linguagem é, com efeito, uma maneira de esconder a subjetividade que o origina, com seus motivos e objetivos pessoais e específicos” (PARRET 1988). Mas a pertinência de questões tão vastas e implicativas no seio dos estudos linguísticos ou mesmo de uma “nova epistemologia”, uma nova teoria do conhecimento, não se dará sem a formação de novos problemas teóricos em seu fundo. As relações teóricas e disciplinares entre as múltiplas instâncias de funcionamento intersubjetivo (a pragmática, as teorias enunciativas, a análise do discurso etc.) não são simples, nem transparentes, nem livres de conflitos, e por vezes é possível encontrar pontos de discórdia mais contundentes entre estas “tendências” (MAINGUENEAU 1989) do que nas suas relações com posições mais formais, determinísticas, sobre a linguagem (cf. POSSENTI 1996; MORATO 1997). Dentre estas, o limite de formulação de um objeto de estudo, de um corpus definido de análise, parece ser uma questão fundamental em suas inter-relações e suas inter-distinções (PÊCHEUX 1983; POSSENTI 1996). Uma relação mais específica entre linguagem e ideologia, tal como se dá no corpo teórico da atual análise do discurso, é também passível de crítica pela ausência de definições de estratégia possíveis de contra-ideologia, ou de reação e reformulação (individual, institucional, comunitária etc.) das práticas ideológicas e discursivas (cf. MONTGOMERY S.D.). Por fim, o peso teórico de considerações como estas (e também o vácuo deixado nas inter-relações possíveis em seu interior) pode finalmente indicar a formulação de uma relação diferenciada, nova, entre a linguagem e a cognição, uma que não se atenha às prerrogativas formalistas/objetivistas do paradigma cognitivista, mas aceite por sua vez um princípio de subjetividade encravado no funcionamento da linguagem e pensamento. Este será o locus epistemológico constitutivo da proposição de uma neurolinguística de inclinação pragmático-enunciativo-discursiva, tal como já fora anunciada anteriormente tanto na Introdução quanto no Capítulo I. Este assunto só poderá ser abordado de forma mais conveniente e exaustiva mais adiante, no Capítulo VI, quando a noção uma cognição especificamente “musical” já tiver sido apresentada e discutida. Por ora, creio que o esboço de um panorama geral para uma epistemologia cognitivista está razoavelmente delimitado. A trindade logicismo (computacionismo, objetivismo) / materialismo (fisicalismo, mecanicismo) / naturalismo (inatismo, biologismo) parece temperar desigualmente todas as tentativas investigativas de relacionar exclusivamente mente e cognição. Combinados entre si, dão origem não só às idéias apresentadas aqui, mas a inúmeras vertentes de pesquisa de denominação “cognitiva”: há uma “semântica cognitiva” (cognitive semantics — WILDGEN S.D.), um “estruturalismo biogenético” (biogenetic structuralism — LAUGHLIN S.D.), uma “memética” (memetics — EDMONDS 1997); aplicações em semiótica (CARMELO S.D.), psicologia social (POTTER 1999), psicologia dos esportes (MARR 2000), a lista é infindável. Até mesmo determinadas vertentes de uma psicologia de “auto-ajuda”, como a programação neurolinguística (TAN 1999) ou uma psiconeuroimunologia (KOOKER 2001), dissolvem a rigidez formal e anti-psicológica de uma “ciência materialista da mente” até, ao que parece, transformá-la em seu oposto. Muitos dos autores citados aqui talvez discordassem em muito da forma como suas idéias foram apresentadas. De fato, é tarefa inglória apresentar um panorama conciso e organizado dos paradigmas cognitivistas, tentar encontrar, nesta enorme massa interdisciplinar de trabalhos, fragmentada e contraditória, os mesmos ideais científicos. Essa questão, diga-se de passagem, não é um problema original. Enquanto o termo ciências cognitivas já indica a pluralidade de um paradigma interdisciplinar, muitos rejeitam-no em favor da rigidez conceitual da “mente computacional”, derivado da conceituação da máquina de Turing e associável ao termo no singular (ciência cognitiva — cf. SEIFERT 1992). Ao mesmo tempo, delimitações cronológicas e todas a tradição histórica que deu origem direta ou indiretamente ao pensamento cognitivista também foram deixados em segundo plano. Isso, porque o interesse principal era, afinal, definir uma posição epistemológica clara para uma ciência da mente, possibilitando finalmente a apresentação (no Capítulo III) e o exame (Capítulos IV-VI) de uma manifestação sua específica — ou seja, a cognição musical. A forma com que tais objetos de pesquisa foram apresentados até aqui segue este objetivo; as questões que eles criam são consideradas como questões “em aberto”, apresentadas simultaneamente mais do que fruto acabado de um processo histórico.62 O que se pode concluir de mais contundente sobre elas, por enquanto, é que elas podem mostrar o quão árduo é pensar sobre a constituição da representação (do pensamento), e o quanto esta constituição pode ser transfigurada a partir uma reflexão sobre a linguagem (e sobre a Linguística). III. POR TRÁS DE UMA COGNIÇÃO MUSICAL “To begin with, why should we take the title of this essay seriously? Why should we need the brain to tell us anything about music? Music is music! […] If we have a question about music, shouldn’t we be able to arrive at an answer just by observing others and thinking about what we know?”63 WEINBERGER, “What the brain tell us about music”. Qualquer epistemologia dos fenômenos musicais tende a apontar, em primeiro lugar, para o fato de que são várias as músicas, afinal. Mesmo uma simples noção lexical de música como “fenômeno envolvendo melodia, ritmo, instrumentos musicais etc.” (central na consolidação da noção de metáfora musical apresentada no Capítulo I) é aplicável a um sem número de atividades e artefatos, de diferentes contextos antropológicos, sociais, estéticos, pessoais e mesmo físicos (sonoros ou não). Mais que isso, os tipos de abordagem e de pré-conceituação sobre a verdadeira essência que subjaz a esta situação são, por si próprios, extremamente variados dentro da tradição filosófica, e a simples tarefa de perfilá-los ou compará-los se coloca não só como motivo para uma nova pesquisa, mas provavelmente como trabalho para toda uma vida. Apesar disto, parece inquestionável um caráter propriamente cognitivo presente na atividade musical, isto é, seu íntimo envolvimento com processos sensório-motores humanos (tal qual foram apresentados no Capítulo II). Nesse caso, tomando a citação abaixo como exemplo, acredito ser possível delimitar características especificamente cognitivas para cada uma das possibilidades de manifestação de fenômenos musicais. “Music listening and music-making is cognitive in all respects. Consider reading a score and playing an instrument. This requires correct perception of the score, abstracting the meaning of the black blobs and lines on the score, paying great attention, learning and remembering all aspects of the musical demands, planning incredibly complex and intricate gross and fine muscle movements, producing the right motor activity, listening to the results and repeating this process. What’s not cognitive?”64 (WEINBERGER 1999). Assim, se podem haver discussões sobre o “valor” propriamente cognitivo que a música representa dentro das propriedades e da construção do conhecimento humano (YOUNG 1999; PINKER 1997), mesmo assim é amplamente aceita uma dimensão propriamente sensorial nos fenômenos musicais (ou artísticos, de uma forma geral), tão marcada que impede que o sentido próprio destes fenômenos seja redutível convenientemente a uma descrição simplesmente idiomática ou linguística (semiológica). A música (a obra de arte) precisa ser sentida fisicamente (sensorialmente) para ser plenamente conhecida; uma mera representação sua em palavras não é suficiente para captar todo seu sentido (seu significado). “Why does the assertion ‘You have to hear it!’ mean what it does? [...] Perhaps the question is: how does it happen that the achievement or result of using a sense organ comes to be thought of as the activity of that organ — as though the aesthetic experience had the form not merely of a continuous effort […] but of a continuous achievement”65 […] “I find that I can’t tell you. I want to tell you because the knowledge, unshared, is a burden […]. Unless I can’t tell what I know, there is a suggestion […] that I do not know. But I do — what I hear is that (pointing to the object). But for that to communicate, you have to hear it too. [...] Works of art are objects of the sort that can be only knowing in sense”66 (CAVELL 1967; grifos do autor). Ou seja, a sensação deve ter seu sentido específico e irrepreensível, na existência do objeto musical. Mais que isso, a sensação musical deveria possuir um núcleo irredutível à linguagem, à descrição da sensação; não se trata de simplesmente “inventar novas palavras” para dizer o que não pode ser descrito no momento, como nos dizeres de WITTGENSTEIN (1953); vários filósofos já falaram da irredutibilidade do fenômeno musical a uma representação verbal (BERGSON 1912; LANGER 1953; etc.); nestes casos, é justamente a irredutível materialidade sensível da música que parece, de modo paradoxal, gerar uma “atmosfera de sonho” imaterial, inenarrável, própria dos fenômenos musicais. “”Gostaria de dizer: ‘Estas notas musicais dizem algo de grandioso, mas eu não sei o quê’. Estas notas são um gesto forte, mas não posso atribuir a elas nada que as explique. Um grande aceno com a cabeça. James: ‘Faltam-nos as palavras.’ Por que então não as introduzimos? O que deveria ocorrer para que pudéssemos introduzi-las?” (WITTGENSTEIN 1953). Esta questão, diga-se de passagem, pode ser tratada de diferentes maneiras. Um exemplo valioso é dado pelo filósofo PIANA (2001), que propõe uma abordagem fenomenológica (na linha do pensamento husserliano — ver Capítulo II) na investigação do conhecimento musical, não especificamente no som como entidade independente, traduzida pela audição e responsável pelas qualidades da música e do musical, (como na tradição concretista de Schaeffer), mas na experiência musical, em sua percepção; isto é, uma abordagem do fenômeno musical tal como se dá no próprio momento de apreensão consciente mas não explícita (ou seja, anterior a uma categorização pela linguagem). Abordagens fenomenológicas em música são por si só bastante variadas, indo desde uma oposição à validade de uma cognição musical dada cientificamente (COOK 1990) até uma defesa da mesma validade (LASKE 1980). Talvez o mais interessante em Piana seja poder apresentar a percepção (ou a cognição de uma forma geral) como ponto independente não apenas de um ideal sígnico de pura “estrutura musical” (da Música do idealismo schopenhaueriano67, ou em última instância de um sistema ou teoria musicais culturalmente determinados — de uma metáfora musical), mas também de uma materialidade física (acústica) inexorável, imbuída nas práticas musicais. “O som não é proposto segundo uma objetividade que pode ser garantida só pela adoção de um ponto de vista fisicalista. Na realidade trata-se sempre do som percebido, do som na medida em que é dado em uma experiência do som”. [...] “O que se visa propriamente ao ouvir o som como sinal não é o próprio som, mas aquilo que através dele é designado. O ato de ouvir não pára portanto no som, mas, após ouvi-lo, deixa a escuta para ativar aquelas funções que logo se propendem para agarrar o objeto que é anunciado no som” (PIANA 2001). Portanto, uma descrição fenomenológica da escuta seria capaz de discernir fatores objetivos (relativos à sua disposição física) e subjetivos (relativos a uma “vida interior”, psicológica). Por exemplo, o aspecto propriamente temporal da música seria “como uma característica essencial que torna a música, eminentemente, uma arte da vida interior”. “As experiências vivenciais e as suas relações devem ser consideradas como momentos interiores de um processo unitário que é a própria subjetividade.” [...] “De fato, por um lado há a temporalidade do som e do outro a temporalidade da experiência vivencial, de maneira que o tempo parece servir de termo intermediário entre o som e a experiência vivencial” (PIANA 2001; grifos do autor). É essa conjuntura que poderia abrir o caminho para o relacionamento entre música e o que seria essa “vida interior”, ou seja, entre música e processos psicológicos. Tal relacionamento pode ser efetuado de maneiras bastante distintas e mesmo contraditórias, e dado a partir de motivações as mais diferentes, e isso dependendo tanto do que se pretende chamar de “música”, quanto o que se pretende chamar de “processos psicológicos”. A motivação básica aqui, apresentada no Capítulo I, é o desenvolvimento de uma epistemologia própria para os fenômenos musicais, baseada no conhecimento de tais processos psicológicos. Ou seja, as propriedades de nossa percepção, de nossa experiência, dos fenômenos musicais, poderiam servir de base para uma visão desses mesmos fenômenos não só em sua relação com outros tipos de “fenômenos” (por exemplo, linguagem, percepção sensorial, emoção, educação etc.), mas também na constituição de seus elementos (por exemplo, harmonia, ritmo, forma musical, estética etc.). É precisamente neste sentido que Diane RAFFMAN (1993 — Language, Music and Mind) parte, num movimento similar ao intentado aqui, da aceitação de um núcleo de indeterminação na ontologia musical, concebido principalmente como intransmissível apenas pela linguagem, por uma construção semântica denotativa (o “inefável” musical), mas manipulável, discernível e principalmente definível a partir de evidências cognitivas, ou melhor, de pesquisas científicas envolvendo descrições psicológicas, sensórias (numa palavra, cognitivas) da experiência humana nos fenômenos musicais. A partir do som, diferentes capacidades cognitivas aplicadas a ele dariam origem a diferentes níveis de significação (de sentido) da experiência musical. Seguindo uma linha de conceituação cognitivista, Raffman procura conceber os diferentes níveis cognitivos envolvidos com o musical através de diferentes sistemas de informação e codificação do sinal sonoro (ou seja, diferentes linguagens), essencialmente computacionais e formais, que corresponderiam a várias evidências e teorias a respeito dos processos cognitivos envolvidos com o musical (por exemplo LERDAHL, JACKENDOFF 1983A; SHEPARD, JORDAN 1984; BHARUCHA, KRUMHANSL 1983; etc.). “Very roughly, the though is that the music processor brings (a representation of) the incoming signal into register with the tonal schemas, thereby transforming a chaotic mainfold of unrelated pitch sensations into the perception of a differentiated and coherent sequence of intervals, chords, melodies, cadences, and so on” 68 (RAFFMAN 1993). Entre um nível propriamente estrutural (da linguagem musical) e outro propriamente sonoro (da sensação auditiva), poderia ser contraposto um terceiro nível, de sons (objetos cognitivos) musicais não-categorizáveis objetivamente (nominalmente), identificáveis com o termo nuances musicais, que poderiam ser apontados como os responsáveis pela inefabilidade dos fenômenos musicais. Um sistema de percepção de nuances musicais, diga-se de passagem, apresenta as mesmas características informacionais de outros processos cognitivos. “Certain features of the music, often called ‘nuances’, are likely to be recovered so early in the representational process that they fail to be mentally categorized or type-identified in the manner thought necessary for verbal report. As a result, the listener is consciously aware of the nuances but cannot say which nuances they are”69. […] “We postulate the unconscious structural description in order to explain why the music sounds the way it does, why we have the characteristic feelings of beat strength, tonal center, harmonic tension, stability, relaxation, and the rest. Our having of this experience — this understanding — is the observed phenomenon we seek to explain”70 (RAFFMAN 1993). Assim, a explicação de uma “força primordial”, inefável, cravada na experiência sonora que é a música, poderia ser dada na inter-relação entre as representações das várias categorias cognitivas envolvidas nos fenômenos musicais (das várias “linguagens” cognitivas); e, principalmente, nas evidências dadas cientificamente, biologicamente (ou seja cognitivamente) das características dos processos perceptuais em música. É sobretudo a materialidade da evidência científica que parece dar status ontológico aos aspectos cognitivos dos fenômenos musicais. É através deste aspecto que toda a problemática da dualidade cartesiana e da materialidade científica do pensamento (presentes nas ciências cognitivas, como apresentadas no Capítulo II) é inserida dentro de uma concepção epistemológica do musical, ou, em outras palavras, que uma abordagem “cognitiva” dos fenômenos musicais torna-se automaticamente uma abordagem “cognitivista”. “The adoption of a cognitivist view, entailing the application of cognitive science to music, constitutes an attempt to make explicit connections between music-as-experienced and the discourse through which we describe it and teach it, connections that derive their strength from their origins in lawful, generalisable and predictive accounts of how our cognitive plasticities and fixities enable us to be in the world and to interact in the world”71. […] “If science is to be applied fruitfully to music it must be in the form of a cognitive-scientific research programme, which would involve the scientific study of all aspects of the musical mind and of musical behaviour at all achievable levels of explanation — in terms of neurophysiology, psychoacoustics, cognitive psychology and cultural psychology — by theoretical and empirical inquiry, and by means of theoretical and formal modelling and by practical experiment.”72 (CROSS 1998B). Definições de cognição musical Eis aqui, então, o paradigma essencial de um universo de pesquisas científicas que tentam relacionar características cognitivas do ser humano com elementos musicais, isto é, que tratam de alguma forma de cognição musical. Embora um “naturalismo” dos fenômenos musicais possa remontar, numa linha evolucionária unívoca, até as experiências com ressoadores de Helmholtz, e suas consequências para a teoria dos harmônicos e das qualidades timbrísticas (LEMAN 1999B), uma evolução histórica geral do que se conhece hoje por “cognição musical”73 parece ser indisponível no momento, e as informações disponíveis neste sentido são fragmentadas e inferidas, mais do que explícitas e sistemáticas74. Mas a evolução da idéia de uma cognição musical parece profundamente entranhada na própria formulação do que seriam as assim chamadas ciências cognitivas, a se notar principalmente pela inter-relação entre estes campos disciplinares e alguns de seus principais pesquisadores respectivos; nomes importantes das ciências cognitivas tiveram a música (ou a percepção auditiva) entre suas preocupações científicas (PITTS, MCCULLOCH 1947; WINOGRAD 1968; DAMASIO, DAMASIO 1978; MINSKY 1983; JACKENDOFF 1987; PORT, ANDERSON 1989; etc.); por outro lado, nomes importantes envolvidos com o estudo em cognição musical parecem ter atuação marcante nas ciências cognitivas de modo geral; Longuet-Higgins, autor de obras seminais a respeito (LONGUET-HIGGINS 1978; LONGUET-HIGGINS 1983; LONGUET-HIGGINS 1987), é o formulador do próprio termo, ciências cognitivas (apud CROSS 1998B); Manfred Clynes, músico e cientista, é por sua vez o criador do termo cyborg. Assim, estudos sobre cognição musical constituem um ramo científico atual tão florescente quanto a diversidade encontrada nas próprias ciências cognitivas, com vários estudos particulares e “tratados” literários abrangentes, periódicos científicos especializados, centros de pesquisa espalhados pelo mundo. De modo geral, para cada uma das grandes áreas de interesse (ou das prerrogativas teóricas) de onde são enunciadas características cognitivas de nosso comportamento (apresentadas no Capítulo II), pode se encontrar aplicações já formalizadas no terreno da música, como o decorrer do presente trabalho pretende demonstrar; trabalhos de interesse imediato dentro da cognição musical podem envolver sistemas físicos (sonoros — ZAMPRONHA S.D.), lógicos (BROWN, DEMPSTER 1989), matemáticos (MAIA JR, VALE, MANZOLLI 1998), linguísticos (NATTIEZ 1975), computacionais (SMOLIAR 1980; CAMILLERI, CARRERAS, DURANTI 1990), conexionistas (TODD, LOY 1990), auto-organizados (MIRANDA 2000) ou dinâmicos (PORT, CUMMINS, GASSER 1996), muitas e extremamente variadas formas de processamento cerebral (BESSON 1999; ZATORRE 1999; TERHARDT 1982; POLK, KERTESZ 1993; etc.) ou de comportamento cognitivo (psicologia cognitiva — SLOBODA 1985; PERETZ, MORAES 1980), de desenvolvimento filogenético (CROSS 1999B) ou ontogenético (TREHUB 1997), de relações culturais (BAILY 1995) ou mesmo terapêuticas (BELIN ET ALL 1996). Afinal, sendo várias as músicas, serão várias as cognições musicais. E não soa surpreendente, na definição dos objetivos e dos interesses do estudo da cognição (do cognitivismo) musical, a possibilidade de reunião de profissionais tão díspares quanto “music educators, experimental psychologists, cognitive scientists, evolutionary and comparative biologists, neuroscientists, researchers in several fields of medicine (e. g. pediatrics, neurology, rehabilitation psychiatry, geriatrics), music therapists, sociologists, anthropologists, and so on”75 (WEINBERGER 1998). Ao mesmo tempo, talvez seja sintomático que os linguistas, especificamente, não tenham sido convidados para esta “festa”. A relação entre música e linguagem foi apresentada aqui como necessária e indeterminada, isto é, dando-se em tantos confrontos concretos quantos se queira entre música e linguagem. E cada um dos pontos de interesse delineados dentro do paradigma cognitivista também foram apresentados no Capítulo II demonstrando alguma forma de relacionamento explícito com a linguagem, seja como modelo de funcionamento (sígnico), seja como atividade discursiva valorante e constitutiva do pensamento, da mentalidade, da ideologia (no caso, a científica). Seria de se esperar, portanto, que qualquer introdução do estudo da música nas disciplinas cognitivas envolvesse de alguma forma uma relação com a linguagem; de fato — como se poderia inferir de um apresentação detalhada dos modelos, intentada no decorrer do presente trabalho — a relação entre música e linguagem parece sempre necessária e natural, dentro da literatura sobre cognição musical. Mais que isso, dependendo da noção que se tenha de linguagem e de seu papel nos processos cognitivos, seria possível uma distinção epistemológica entre os dois campos de atividade humana (música e linguagem), através da distinção entre características cognitivas de uma ou de outra. É assim que se poderia apresentar os dados de uma cognição musical como uma forma de “esclarecer” ou explicar como ocorre a metáfora musical, de discernir epistemologicamente a relação contingente entre os fenômenos musicais e a teoria (a terminologia) musical (e linguística). Nesse caso, pode-se perceber que o estudo da cognição musical deveria ir bem mais longe do que uma sistematização das capacidades cognitivas necessárias para as atividades musicais. Ou seja, tratar-se-ia de uma nova epistemologia independente e fundante a respeito do musical que, ao invés de construir uma imagem de um “cérebro” (ou uma máquina) imbuído de música, poderia vislumbrar “que” música pode emanar deste cérebro, afinal. É um pouco neste sentido que os estudos em cognição musical são constantemente tomados como fundação epistemológica para muito do que está construído na tradição da teoria musical. “The challenge which the representatives of systematic musicology faced, was to overcome the deadlock of a discipline that heavily relied on intuition and introspection (e.g. in music theory and musical aesthetics)”76 (LEMAN 1999B). “While it is difficult to sustain an argument for the subsumption of music analysis by the study of music cognition, it does seem plausible to argue that music analysis should at least be underpinned by scientific accounts of perception, replacing analytical ‘folk psychological’ views of perception with theories that are grounded in cognitive science if these can be shown to be more accurate, more generalisable, and more fruitful” 77 (CROSS 1998A, grifo do autor). Uma questão crucial a ser relevada neste ponto é a própria noção de “implícito” compartilhado culturalmente, que pode ser apontada tanto para uma psicologia de “senso comum” quanto para a normatização explícita do meio científico. “It seems that one could only resort to objectively, formalized meanings established within the framework of behavioral science in order to interpret the subject's speech acts. In that case, however, might one not be using generalizations that, from the perspective of the individual case, are as unjustified as the ones it sought to avoid? […] More importantly, one need only ask where such formalized meanings could come from to see that at some point phenomenological experience is required to justify the scientific interpretation that [DENNET 1991] calls for”78 (GALLAGHER 1997). Como já foi apresentado no Capítulo II, esse modo é que o paradigma científico pretende negar ou substituir um “senso comum” pré-construído, no interior da sociedade, principalmente através de uma formalização e uma referencialidade próprias de sua linguagem, colocando-a acima dos mal-entendidos e das vicissitudes linguísticas (conceituais) do dia-a-dia (cf. CHURCHLAND 1981; STICH 1983). Mas se a postura científica se baseia (pelo menos em grande parte) em um “linguagem idealizada” que cria “representações idealizadas” dos objetos de seu estudo, é difícil, como diz a citação, escapar de algum momento em que “jogos de linguagem” (WITTGENSTEIN 1953), de regras mais elementares de constituição das atividades linguísticas, funcionem para dar sentido ao vocabulário científico, mesmo que seja o mais básico. A realização e comunicação linguística (científica) já possui, em sua própria formulação, muita informação implícita no próprio ato linguístico, da qual depende para ser valorizada e diferenciar-se neste sistema estrutural (estruturalista) que a valora enquanto informação (as práticas linguísticas disseminadas na sociedade); nenhuma manifestação linguística dá-se no vácuo, é desvinculada de uma anterioridade ou se dá de forma absoluta, inequívoca, sem estar sujeita a interpretação. No caso específico do presente trabalho, temos a metáfora musical, o “senso comum” a respeito dos fenômenos musicais, caracterizado por uma indefinição entre a música e o que possa ser o “musical” (e também do que possa ser o linguístico). O que se pode perceber nos textos envolvidos com cognição musical, portanto, é que se há alguma noção mais proeminente envolvendo ou citando um “cognitivo” especificamente musical ou ligado a música, ela surge como o relacionamento entre um determinado tipo de visão a respeito dos processos mentais — a cognitivista, calcada em valores como inatismo, fisicalismo, universalismo supracultural, processamento de informação predominantemente computacional da mente humana, modularismo das funções cognitivas e cerebrais etc. (ver Capítulo II) — e uma determinada visão dos fenômenos musicais, ou seja a dada pela tradição de uma teoria musical ou mesmo de uma noção de música “do senso comum”, que se não é explicitamente unilateral — ocidentalizada, originada e desenvolvida num ambiente histórico-social próprio, baseada mais em uma “teorização baseada numa representação escrita da fala ou da música” (“theorizing done on the basis of a written record of speech or music” — REPP 1991), categorizante tanto na valoração relativa das manifestações musicais quanto de seu arcabouço estrutural (TOOP 1983) —, também pode explicar pouco sobre uma metáfora musical, principalmente quando se esforça em ignorá la. “It may be that the application of cognitive science to music has gone too far in terms of the way in which it has limited the range of what it has selected as its ‘proper’ subject of study. It could be argued that cognitive science has tended to ‘de-contextualise’ music, focusing its attention on aspects of it that are particularly amenable to formalization”79 (CROSS 1993). Assim, uma cognição musical, a princípio, parece não ter a “missão” de objetivar a música como um processo psicológico (cognitivo) distinto, mas sim os processos cognitivos envolvidos nos fenômenos musicais. De fato, no panorama possível de uma cognição musical atual apresentado no presente trabalho, da forma como será examinado adiante, a questão epistemológica do “musical” discernida até aqui é implícita ou considerada como “dada”, externa ao campo de investigação, uma vez que o problema principal, na maior parte das vezes, é a definição dos modelos e problemas cognitivos (e não musicais) que estão em jogo: seja em definições propriamente epistemológicas (LASKE 1991), seja em conceituações metodológicas (LEMAN 1999A) ou terminológicas (PARNCUTT 1998). Nesse sentido, a ligação da investigação sobre música com a investigação sobre as “cognições”, portanto, não poderia ser “inocente” ou de caráter “geral”, “descompromissado”. Na literatura considerada sobre cognição musical, não é toda música, ou tudo no campo da Música ou do musical, que pode “entrar” (ser representada) no meio reservado ao estudo da cognição musical, mas principalmente aquela que se ajusta às necessidades conceituais desse meio (MOISALA 1993): uso de e identificação com elementos do sistema musical europeu (etnocentrismo), paradigmas musicais relacionáveis como a matemática e, em última instância, com sistemas lógico-computacionais, identificação com metodologias e procedimentos oriundos da Linguística (novamente ela), levando por exemplo a uma correspondência entre os fenômenos musicais e sua representação escrita, etc. “Toda referência a um nível de experiência que não seja desde logo exposto a interpretações parece atrair sobre si a crítica mil vezes repetida da suposição que haja um ‘olhar inocente’ ao qual os dados se apresentam, precisamente, na sua irrelatividade, tais como são” (PIANA 2001). A princípio, uma abordagem propriamente sensorial dos fenômenos musicais levaria a uma identificação com os objetos propriamente percebidos como tais, isto é, com os objetos sonoros. Uma perspectiva “naturalista” de definição de objetos musicais essencialmente a partir de suas características sonoras é uma tradição forte do século XIX, baseada em trabalhos como os de HELMHOLTZ, STUMPF (LEMAN 1999B; HURON S.D.A), RIEMMAN (MOONEY 1995); as pesquisas em música eletroacústica, concretista, a partir de meados da década de 1950, entre outros, propiciaram o desenvolvimento de uma conceituação puramente sonora, além da prática musical tradicionalmente estabelecida, dos “objetos musicais” (SCHAEFFER 1966; BROECKX 1975). Uma perspectiva cognitivista em música parece propensa a ultrapassar um paradigma material baseado apenas em suas propriedades físicas, isto é, sonoras. Isso, por sua própria natureza de estar voltada para a percepção do som, o que já envolve não apenas uma materialidade acústica, física (fisicalismo, ou naturalismo — LEMAN 1999B), mas também uma materialidade interna, psicológica (afinal de contas, cognitiva). “[Naturalism systems of music] cannot, ultimately, explain musical phenomena because it does not even delimit the class of all musical compositions from the class of all sounding phenomena. Musical theory must at least be based on laws covering ‘musical’ entities”80 (BROWN, DEMPSTER 1989). “The possibility of holding an extreme physicalist notion that the materials of music are wholly given by nature is undermined not only by its elusiveness in the current literature, but also by the fact that it's largely wrong. In the extreme form that I am depicting, physicalism would rely on a sort of Locke-ian ‘Direct Realism’, a direct, one-to-one correspondence between objects and events in the physical world and our sensations and perceptions. This is simply untenable in the light of our current understandings of the operation of our sensory systems” 81 (CROSS 1998B; grifos do autor). É dessa maneira que o fisicalismo adotado como paradigma em estudos sobre cognição musical toma por princípio não só uma concretude mental dos objetos musicais (cerebral, perceptual ou simplesmente lógica, ligada aos signos musicais), mas também das práticas concretas da atividade musical (da vida musical presente em nossas sociedades). “When conceiving of music a human activity — not a behavior, but a sequence of goal-oriented, expertly carried-out actions — one has a limited number of options regarding the paradigm by which to investigate that activity scientifically. Listening and composition are such paradigms, since each of them is complex enough to focus attention on important aspects of musical activity” 82 (LASKE 1991; grifo do autor). Nesses casos, a música parece se concretizar nas possibilidades de relacionamento humano com o material musical ou sonoro. Isto é, basicamente, como uma habilidade: habilidade de discriminação sonora (auditiva), de categorização cognitiva (sígnica ou mesmo fenomenológica), habilidade como capacidade cognitiva pessoal de um indivíduo ou sujeito (ou seja, o “talento”), ou finalmente, capacidade tecnológica, representada pela ciência e pela própria possibilidade de formulação de uma cognição musical. Em primeiro lugar, um paradigma auditivo (ou de escuta) pode ser apontado como modelo principal dentro da literatura em cognição musical (LEMAN 1989); trabalhos em neuropsicologia sensórea, psicométrica (de discriminação e fronteiras auditivas), em amusias (ver Capítulo VI), em várias formas de sistemas formais ou computacionais, mesmo em objetos menos propensos a um reducionismo objetivista (como a performance musical — SUNDBERG, ASKENFELT, FRYDÉN 1983), parecem considerar as propriedades acústico-sensoriais dos fenômenos musicais, ou ainda sua recorrência em termos estatísticos, como base para uma investigação sobre “como pensamos a música”. A busca de “padrões” observáveis de comportamento e categorização dentro da cognição auditiva pode, na maior parte das vezes, estar associada a uma ”psicologia das formas” disseminada nos processos cognitivos, como em teorias envolvendo schemas (AKSNES S.D.) ou noções de psicologia da Gestalt (WERTHEIMER 1923; KÖHLER 1929; KOFFKA 1935). “A central hypothesis is that the adaptation of the physical environment to the constraints of human listeners and actors is a function of processes that facilitate emerging properties of perception”83 […] “The aim is to understanding high-level musical signification processes (the so-called schemata of musical cognition and perception) in terms of information processing based on auditory images”84 (LEMAN 1999B) A teoria psicológica da Gestalt tenta explicar uma série de propriedades perceptivas (ex. as relações de figura-fundo entre objetos, de formação de contornos visuais, auditivos, cinéticos, de distinção de contrastes etc.) através de “leis de formação" ou de “pregnância” de formas otimamente organizadas, de funcionamento e validade universais e dadas fisicamente, em processos considerados como biologicamente automáticos. As formas e a organização da percepção seriam assim processos invariáveis e válidos para diversas modalidades sensoriais (multi-modais), que delimitariam objetos distintos do simples conjunto de suas partes, obedecendo tais regras de “boa formação” justamente na tendência de organização ou de formação de um todo estável e coerente entre as partes. Seria possível então isolar e postular suas propriedades através de experiências envolvendo diversas maneiras de manipulação sensorial, ou de criação de ilusões perceptivas; as ilusões de óptica geralmente associadas às pesquisas de psicologia da Gestalt são especialmente exemplares (Figura 4). “VON EHRENFELS […] had published a paper in 1890 entitled ‘On Gestalt Qualities’ in which he pointed out that a melody is still recognizable when played in different keys, even though none of the notes are the same; […] clearly, argued Ehrenfels, if a melody and the notes that comprise it are so independent, then a whole is not simply the sum of its parts, but a synergistic ‘whole effect’, or gestalt.”85 (BEHRENS 1998). “Sempre que uma frase musical com uma rápida sequência de tons, que produzem a impressão de um movimento […], será necessária a hipótese de um movimento unitário; nenhum tom dura o tempo suficiente para ‘ser’ algo per se; é apenas uma fase num movimento mais vasto” (KOFFKA 1935). Figura 4 – exemplos clássicos de princípios de organização gestáltica de formas visuais: a) relação de figura-fundo (Vaso de Rubin — a figura do vaso se alterna com a figura de duas faces opostas); b) relação de similaridade (WERTHEIMER 1924 — as figuras são visualmente agrupadas em linhas ou colunas de acordo com sua silmilaridade); c) relação de fechamento (Triângulo de Kanizsa — enxerga-se um triângulo branco, completo, sobre outro também completo, ao invés de várias figuras abertas). A psicologia da Gestalt, entre outros, serve de base explícita para a que talvez seja uma das concepções mais abrangentes e intrincadas em cognição musical, a encontrada no trabalho de Marc LEMAN (1989; LEMAN 1997; LEMAN 1999B). Dentro da sua direção geral em fundar uma musicologia sistemática (LEMAN 1995), o autor procura determinar as formas de estrutura do nível simbólico (semiótico) dos fenômenos musicais a partir de um variado e “sistemático” (hierarquizado) número de propriedades do processamento cognitivo envolvido, desde o nível auditivo cognitivamente mais primário (inconsciente) até a capacidade de análise de toda uma obra musical, ou de proposição de regras estruturais de elementos musicais. Com isso pretende-se chegar a uma causalidade natural do fenômeno (do signo ou da estrutura) musical a partir de sua materialidade sonora/perceptiva, transcendendo sua formulação semiótica feita simplesmente a partir das combinações sígnicas (dos objetos valorados como musicais, das “notas”), dadas num âmbito cultural e histórico, não-causal. As evidências cognitivas mais fortes de tal hipótese se referem a dados de processamento cerebral do sinal auditivo (por exemplo TERHARDT 1974; KRUMHANSL 1990 — ver Capítulo VI), e de simulações, em redes conexionistas (ver Capítulo V), de operações encontráveis nestes processamentos, encontrando vários tipos de correlação com propriedades musicais ou da teoria musical tradicional (cf. LEMAN 1989). Os resultados obtidos apontariam inequivocamente para uma já citada “revitalização” dos processos descritos pela teoria da Gestalt, ou seja, do conteúdo acoplado (derivado) à forma (sonora) do meio no qual é aplicado, através de novas evidências de causalidade entre o som e o sentido musicais. “The output of simulations can for example be compared with behavioral and physiological studies at different levels of perception and cognition”86 (LEMAN 1999B). A perspectiva epistemológica de Leman é clara e ousada. Um paradigma simbólico, semiótico ou mais especificamente “linguístico” do musical (numa redução da música à teoria musical) é substituído por uma apropriação sub-simbólica do problema, onde o signo musical é constituído de diversos níveis de processos cognitivos (auditivos) e lógicos (estruturais), independentes entre si e formando uma nova unidade ontológica, não redutível simplesmente à soma de suas partes (o signo musical). Significativamente, porém, o naturalismo como “causal musical signification”, uma vez que baseado na audição (em uma modalidade perceptiva específica), pode se ver diminuído em sua capacidade de exploração de meios multimodais (CROSS 1999B) de interação entre o indivíduo e o meio musical, restringindo seu paradigma a um “comportamento musical no qual um aprendizado perceptivo [auditivo] está envolvido” (“musical behaviour in which perceptual learning is envolved”); restringir o musical ao auditivo, afinal, pode ser apenas mais uma forma de manifestação da metáfora musical. "After all, the effect of sound on the human information processing system is more than just a response of the auditory system. Movements of the body are particularly connected to the perception of the beat and phrase and the apperception of emotion and affect is associated with kinaesthetic and synesthetic processes"87 (LEMAN 1999B). Para outro importante sistematizador de metodologias e conceituações dentro da cognição musical, Otto LASKE (1978; LASKE 1980; LASKE 1991), a escuta (a audição) como ponto de partida tende a um “onipotente” (“Almight”) de teor metafísico como ponto de chegada, enquanto uma visão da cognição musical “como uma espécie de composição” (“as a kind of composition”) restringiria um modelo cognitivos dos fenômenos musicais em bases mais acessíveis a uma abordagem empírica, o que deveria aproximá-la mais de suas manifestações semióticas ou simplesmente culturais, especialmente na relação com um sistema musical. Mais que isso, um paradigma composicional para a cognição musical pode aproximá-la de sua formulação como um sistema especificamente computacional (tal como o proposto por Laske), tão caro ao paradigma cognitivista em geral. Assim, uma descrição de um processo composicional em termos de implementação em uma linguagem (um processo de criação, uma combinatória) lógica (computacional) parte de uma diagrama geral dos processos de um “sistema” de criação composicional (Figura 5), aplicável de formas diferentes a diferentes fins criativos. Figura 5 - Diagrama genérico de um “ciclo composicional” (”Compositional Life Cycle”): “O ciclo [composicional] se origina num plano baseado numa idéia e, através da produção de materiais (M1), um modelo geral (M2) e um modelo detalhado (M3). Ao final, o ciclo passa por quatro níveis, isto é, os níveis de análise, síntese, especificação e implementação; ele se encerra na obra de arte acabada” (LASKE 1991). A maioria dos sistemas computacionais “inteligentes” aplicados à música (como os que serão analisados mais profundamente no Capítulo V), assim como formas de evidência cognitiva retiradas de seus resultados (como por exemplo TODD 1989A; YAKO 1997; BHARUCHA, TODD 1989; etc.), tem fortes características em comum com o paradigma composicional de Laske: são sistemas baseados em operações simbólicas de tratamento de um material musical, formuladas através de diretivas relacionáveis em diferentes graus com regras de um sistema musical formalizado; de várias maneiras, tendem a considerar um paradigma objetivo (de objetos delimitados e categorizados — como as notas musicais) e simbólico para suas formulações (já em oposição, por exemplo, a uma visão sensorialista ou “subsimbólica”), tentando desenvolver um sistema (um mecanismo) capaz de produzir sequências musicais; o “musical” é encarado então como um problema de estrutura (composicional) a ser resolvido, ou, no caso da escuta, reinterpretado ou recriado mentalmente nos moldes da estrutura vigente na concepção original da obra musical; o sistema se apresenta tão mais natural, em primeiro lugar, quanto mais o problema for apresentado como ligado aos mesmos princípios de combinatória discreta e adequação proposicional a uma metáfora musical, já descritos acima (schemas, Gestalts, teoria musical previamente dada etc.); finalmente, a proposição de uma natureza sígnica, sintática (de propriedades de combinação e sucessão), em última instância normativa dos fenômenos musicais, aproxima sua abordagem da semiologia, da Linguística e mais especificamente de uma visão estruturalista (nos moldes em que já foi apresentada no Capítulo I) dos fenômenos musicais. Parece possível encontrar-se uma noção de regra formal, portanto, que subjaz como ponto comum às abordagens cognitivistas em música, tanto em paradigmas auditivos quanto em composicionais; dessa forma, a percepção (a atribuição) de objetos musicais, mesmo a mais primitiva e central, já envolveria uma atribuição de propriedades formais, mesmo em casos nos quais é a própria atribuição de musicalidade que parece estar em jogo — como por exemplo no caso de uma intencionalidade (de uma intensionalidade de caráter lógico) atuante nos processos musicais (GRUND 2001). Paradoxalmente, um uso disseminado da metáfora musical no interior de estudos teóricos (dentro ou fora do campo específico da cognição musical) parece considerar uma noção específica de musicalidade como um processo “natural” ou “auto-evidente” — anti-formalista, de uma certa “organicidade”. “Por exemplo, HINTIKKA, em seu famoso artigo ‘Cogito ergo sum: Inference or Performance?’ (1989), defendeu a idéia de uma interpretação performatória, e não inferencial do Cogito. Brevemente, a idéia de Hintikka é a seguinte. Suponha que você tente duvidar da sua própria existência. Você vai imediatamente descobrir que isso é impossível, porque na tentativa mesma de pensar que talvez você não exista, sua existência é pressuposta. Além disso, a certeza de que você existe não é baseada em nenhum argumento, mas sim no ato ou ‘performance’ de tentar duvidar de sua existência, um ato que causa sua existência, quase como o fato de que dedilhar as cordas do violão causa a melodia” (PLASTINO 1999). Questões envolvidas com a cognição musical Se uma das questões pertinentes a uma epistemologia cognitivista se refere à luta contra um “senso comum” parasitário no conhecimento humano (ver Capítulo II) os estudos em cognição musical parecem ter ultrapassado a “barreira” epistemológica do som como paradigma musical, mas não ter se apercebido de uma metáfora musical (de “senso comum”) funcionando como força valorativa para os objetos musicais. Se é estipulada uma necessidade “causal” entre a percepção musical e seus objetos, esta causalidade não parece fornecer dados novos nem para uma livre interpolação entre música e musicalidade (entre elementos musicais e seus efeitos psicológicos), nem para uma relação contingente com a linguagem e a Linguística, para além de uma mera instrumentalidade. E as perguntas de fundo epistemológico derivadas da metáfora musical permanecem sem resposta neste caso: o musical é definível a partir das propriedades das manifestações reais da música? A música, é definível a partir de propriedades declaráveis do musical? Ou, dentro da relação entre música e linguagem: “A música é uma linguagem? [...] Ou se estrutura como uma linguagem? De que material ela se constitui? A ‘linguagem do som’ [musical] e a ‘linguagem falada’ têm uma mesma natureza? [... Haveria então] uma espécie de ‘poder’ ou ‘ingerência’ da música na linguagem falada? Ou será que a expressão ‘linguagem musical’ seria mais uma espécie de metáfora? Se ela existe, qual o seu lugar na semiologia?” (MORATO 2001). É assim, finalmente, que se pode apresentar o objetivo primordial do presente trabalho, a partir deste ponto, como uma busca da metáfora musical no interior de estudos sobre cognição musical. Espera-se que este objetivo geral seja alcançado através de uma inter-relação sistemática entre múltiplas metodologias mais específicas. Em primeiro lugar, apontando para abordagens interdisciplinares envolvendo Linguística e cognição musical, que, como já foi delineado no Capítulo I, parecem se dar de forma mais que abundante, verdadeiramente “epidêmica”. Nesse sentido, será importante determinar as condições epistemológicas que direcionaram cada uma das abordagens interdisciplinares, principalmente na medida em que sejam insuficientes para validar uma interdisciplinaridade estrita, como já foi apontado na citação do trabalho de Marcos MORAES (1991); espera-se que uma enumeração exaustiva e em um campo vasto de inter-relações possíveis possa dar validade metodológica a esta busca, da qual o presente capítulo apenas preconiza o conteúdo conceitual. Ao mesmo tempo, se depender das postulações atuais de uma relação geral entre a cognição musical e a linguagem, torna-se próxima a tentação de reconhecer simplesmente que elas, música e linguagem, são em grande parte uma mesma coisa, o que elas indubitavelmente não são. A busca de uma metáfora musical ultrapassa uma simples questão interdisciplinar, de campos de conhecimento já instituídos e independentes, para encarar uma questão epistemológica em que resultados em um campo afetam diretamente a constituição do outro. Nesse sentido é que a definição de uma posição específica de diferença epistemológica entre os meios pode mostrar uma nova faceta nos conteúdos sobre cognição musical. “O fato de falar da música como linguagem não significa de modo algum afirmar que ela é linguagem, mas ao fazer isso se mostra apenas um enfoque em que a música pode ser considerada. Mais precisamente: ao fazer referência à linguagem, mostra-se que a música pode ser considerada a partir de uma das múltiplas perspectivas que estão implícitas na noção de linguagem. Desta noção fundamental de fato fazem parte numerosos caracteres, e cada um deles pode constituir um motivo para a determinação de um ponto de vista de onde olhar para a música” (PIANA 2001; grifos do autor). Mas a noção de linguagem (e de Linguística) que parece atuar em cognição musical, na forma como está sendo apresentada aqui, corresponde em geral a apenas algumas das facetas implicadas nos fenômenos linguísticos. A linguagem (e seu funcionamento) traz consequências funcionais e epistemológicas profundas, na medida em que ela (a linguagem, a Linguística, ou de modo mais específico as instâncias pragmático-enunciativas) pode ser tomada de várias formas como um novo paradigma, alternativo, para a constituição dos processos cognitivos humanos; através da atividade “linguageira” (AUROUX 1994) dos fenômenos linguísticos é que seria possível “regular” categoricamente e simbolicamente o processamento cognitivo, desenvolver um sistema formal e lógico de pensamento, interagir com o que está (com os que estão) em seu ambiente cognitivo ou abstrato, e participar de seu ambiente e sua sociedade como um todo. Nesse caso, a linguagem-estrutura ou linguagem-mecanismo, própria de uma abordagem cognitivista em relação à Linguística, pode ser confrontada com a idéia de uma linguagem-atividade de caráter dialógico (BAKHTIN, VOLOSHINOV 1930), construcional (VYGOTSKY 1932), enunciativo (DUCROT 1972), histórico (FOUCAULT 1977; FOUCAULT 1971), social (SHOTTER 1996) e principalmente discursivo (MAINGUENEAU 1984; HENRY 1990 — ver Capítulo II). A metáfora musical poderia ser vista assim como uma relação entre os fenômenos musicais e seu substrato descritivo, valorativo ou simplesmente ideológico (ver Capítulo VII). “As atividades humanas que demandam ações reguladoras linguísticas e cognitivas — refeitas a cada instância discursiva — só podem ser apreendidas numa região de indeterminação e fluidez que confere à sistematicidade do linguístico (a língua) e do cognitivo (as operações mentais) um equilíbrio apenas provisório e contingente, porque histórico” (MORATO 1998). Parece ser principalmente uma neurolinguística de cunho enunciativo-discursivo (ou pragmático-discursivo — COUDRY 1988; MORATO 1995; MORATO 1998; MORATO 1999), apoiada em teorias linguísticas (e não neuropsicológicas) do funcionamento da linguagem, que pode servir como locus linguístico de onde discutir este novo paradigma, aprofundando as relações possíveis entre processos cognitivos e a linguagem como constituinte da própria subjetividade, e a partir daí como meio gerador do sentido mental e cognitivo (ver Capítulo VI). Por outro lado, a valorização de características discursivas na constituição da atividade linguística pode servir de base para mais uma distinção (um paradigma) possível entre música e linguagem no interior da literatura sobre cognição musical; parece necessário aceitar que uma “verdade” objetiva e inalienável sobre a música talvez seja algo fora do alcance, afinal, pela própria constituição fluida e ideológica da linguagem (BAKHTIN, VOLOSHINOV 1930) e mesmo do paradigma científico (PÊCHEUX 1975). A relativização discursiva de toda a produção científica sobre cognição musical poderia motivar assim uma conceituação do discurso sobre música em cognição musical, o que não deixa de estabelecer uma relação entre a música (um objeto de conhecimento) e a linguagem (sua tradução em termos abstratos, lógicos ou simplesmente ideológicos — ver Capítulo VII). “Mas será possível nos expressarmos desta forma, falando de um risco deste tipo, sem pressupor dogmaticamente uma essência da música? É possível. Aliás, é possível fazê-lo justamente porque, como foi comprovado, não existe uma essência da música” (PIANA 2001; grifo do autor). Todas estas possibilidades são, por si só, suficientemente complexas e profundas para não poderem ser estudadas em particular no presente trabalho, e aqui só será possível indicar os novos (e também os antagônicos) caminhos que possam ser trilhados em direções como estas. Acima de tudo, o objetivo primordial nos capítulos subsequentes (Capítulos IV-VI) será o de conseguir pelo menos apontar para o funcionamento de uma metáfora musical no interior da literatura sobre cognição musical. Ao mesmo tempo, uma abordagem interdisciplinar a partir da Linguística — na medida em que se desvencilha de uma mera instrumentalidade e passa a poder fornecer uma nova posição epistemológica em pesquisa musical — deverá obrigatoriamente apresentar suas próprias consequências. Uma conceituação epistemológica da metáfora musical deve passar necessariamente por uma conceituação do próprio objeto linguístico, em sua relação com uma anterioridade pré-linguística, pré-sígnica, ou simplesmente musical. O que poderá se deduzir a respeito da linguagem nestas circunstâncias? Se compete à Linguística, como objetivo científico e disciplinar, a “definição de si própria e de seu objeto de estudo”, o que poderá ocorrer quando confrontada diretamente, de maneira distintiva, com esta atividade fugidia e encantatória, a música? Enfim, se é possível distinguir um “discurso do cognitivo” (um discurso dedutível de abordagens cognitivistas, enfocado criticamente, entre outros, por uma neurolinguística enunciativo-discursiva), até que ponto, sob quais circunstâncias, ele poderia vir a ser aplicável a todos os fenômenos musicais, ou mesmo “cognitivos”? IV. COGNIÇÃO MUSICAL E SISTEMAS SEMIÓTICOS “Não só na prática e no aprendizado musical atual, mas também em toda uma longa e complexa tradição teórica, se impõe com força particular a tendência a se considerar as notas musicais como entidades determinadas, como sete objetos magníficos que existem em si mesmos e que devem de certa forma serem descobertos e identificados na sua posição objetiva. As notas existem realmente, e são exatamente aquelas ensinadas, nem mais nem menos; existem como existem os planetas.” PIANA, Filosofia da Música. A definição primordial da música como a “arte dos sons” — elemento constitutivo da metáfora musical (apresentada no Capítulo I) — só pode se dar na medida em que as manifestações sonoras (algumas específicas) podem ser identificadas como musicais. Os objetos sonoros são transformados pela atividade musical, humana e concreta, em traços vivos de suas manifestações, em seus símbolos ou signos. Até mesmo nas origens mitológicas da “música nas esferas”, de atribuição de musicalidade a todos os fenômenos sonoros e movimentos da natureza (como as esferas dos astros no céu), é a passagem do puramente sonoro, ou mesmo “fenomênico”, para o simbólico, para o musical, que se revela na verdade como a grande questão musical na qual a cognição musical (tal como fora delineada no Capítulo III) forçosamente se encaixa. “Elementos sonoros só se tornam música quando começam a ser organizados, e essa organização pressupõe um ato humano consciente” (STRAVINSKY 1956). “Por mais incrível que possa parecer, estamos nos referindo ao acontecimento musical como significante! [...] Se não se relaciona o fluxo das figuras sonoras com o significado das estruturas que as tornam inteligíveis, que as movimenta, o resultado não ultrapassa o nível de um significante sem significado. Se o fenômeno musical é compreendido como inter-relação de componentes de uma estrutura autônoma, o significante se auto-revela como significado” (OLIVEIRA 1979). “A ausência de sentido deve ter como contrapeso o excesso de sentido, a insistência sobre uma noção de signo cuja relação indicativa se propõe desde o início como um enigma obscuro, mas que prepara o salto para a ênfase do sinal indecifrável” (PIANA 2001; grifos do autor). Classes ou categorias tradicionalmente dadas como musicais (melodia, ritmo, harmonia etc.) parecem transmitir uma oposição paradoxal entre sua constituição física (sonora) e a forma de percebê-la (cognitivamente) ou experimentá-la (fenomenologicamente). “The fact that a melody can be heard as pitch moving in time when all that a listener is confronted with is a sequence of separate pitches is something that has perplexed philosophers for centuries”88 (CROSS 1999A). É claro, a passagem do sonoro ao simbólico pode ser simplesmente apagada, e o foi realmente, em toda a tradição naturalista para as manifestações musicais, de uma reciprocidade unívoca e direta entre os objetos musicais e sua constituição física, sonora (em termos de quaisquer parâmetros), da maneira como tal tradição já foi apresentada aqui anteriormente. “The prevailing view of musical pitch within the psychology of music through the first half of this century appears highly reductionist, and can be summarised in SEASHORE'S (1938) statements that ‘The terms frequency, [...] cycles and waves are synonymous, and may be used interchangeably to designate frequency and pitch’ " 89 (CROSS 1997). "Music's irreducible dimension is sound. The musical work manifests itself, in its material reality, in the form of sound waves"90 (NATTIEZ 1990; grifos do autor). Ao apresentar seus processos como forma de transformação entre os dois meios, música e som (ou mesmo como uma terceira força independente no processo), teorias sobre cognição musical devem se ver inexoravelmente envolvidas, num primeiro momento, com uma visão da especificidade do musical dentro da Semiótica e da Teoria da Informação, isto é da música como signo. Em primeiro lugar, parece ser sempre a noção de obra (ou composição) musical, artística, delimitada e única, que condiciona a atribuição de uma constituição dos signos musicais a partir de objetos sonoros. Isto é, estes só se tornam objetos “musicais” na medida em que formam uma organização distinta e independente de sons, passível de utilização cultural — ou seja, a obra musical. Acompanhando a idéia do formulador da semiótica moderna, Charles PEIRCE (1974), de uma “lógica da realidade material” imbuída nos objetos sígnicos (cf. PYLE 1997), as obras musicais seriam o resultado da manipulação sígnica de objetos sonoros, uma manipulação que prescreve a necessidade de alguma organização coercitiva ou necessária (porque lógica). “It seems extremely probable that all musical cultures that recognize the possibility of performing the same composition several times use prohibitions and stipulations as well as deferments. […] Further, virtually all cultures (including subcultures) recognize individual musical works even if their practices strongly favour improvisation, and to do so in the absence of constants would be unworkable”91 (COCHRANE 2000). “Música é a criação (adições ao repertório) de estruturas em que os elementos componentes sejam relacionados de tal maneira que se intercambiem informações e se fundam para a configuração de um todo orgânico” (OLIVEIRA 1979). Semiótica e cognição musical Figura 6 - Campos de estudo de uma semiótica musical (MARTINEZ 1998). É dessa forma que a música como um problema semiótico, isto é, enquanto signo (enquanto obra musical), tem sido encarada geralmente a partir de sua faceta mais especificamente artística ou “performática”92. As três categorias semióticas de Peirce — primeiridade, ou liberdade e espontaneidade não-objetivas; secundidade, ou antagonismo restritivo; terceiridade, ou mediação pela representação (cf. PYLE 1997) — são tomadas como base para várias teorias a respeito de semiótica musical, cuja profundidade e variedade nos meios acadêmico atuais tornam temerária um apresentação profunda deste problema no presente trabalho93, limitando-a a um exemplo característico: a teoria da semiótica dos fenômenos musicais apresentada por MARTINEZ (1998). As categorias de funcionamento dos signos musicais podem ser divididas entre: sua materialidade (combinatória ou lógica), ou seu sentido específico (de obra musical específica) dentro do campo do signos (da obras ou do sistemas) musicais (Intrinsic Musical Semiosis); sua possibilidade de referência a objetos externos à sua constituição (Musical Reference); ou sua relação semiótica com os interpretantes do signo — as pessoas, os seres humanos — (Musical Interpretation); nesta última é que poderia ser inserida a postulação de uma cognição musical (Figura 6). O sentido das manifestações musicais parece se validar apenas em um complexo campo de interações (culturais, inter-humanas) artístico, discursivo, social, ou, em última instância, composicional ou performático, como “o resultado final da significação musical” (“the actual result of musical signification”), ao ponto de tornar possível a rejeição de qualquer valor analítico real de uma cognição musical, porque dado de forma anti-histórica e anti-estilística (ou seja, anti-cultural, anti-semiótica — HATTEN 1989). “Even though musical interpretation depends on forms of intrinsic semiosis and musical reference, it is in the complexity of musical interpretants that music actually is presented, exists and signifies”94 (MARTINEZ 1998). “A semiotic perspective can take us beyond the perception of aural gestalts or processes to the cognition of stylistic signification. Instead of proceeding from established ‘facts’ of formal segmentation and processing, relegating musical meaning to the hazy realm of subjective interpretation, a music theory concerned with semiotics will embrace expressive significance at all levels of inquiry”95 (HATTEN 1989). Deve-se frisar que a semiótica de Peirce objetiva a uma constituição lógica, causal ou intrínseca, do funcionamento dos processos sígnicos. O funcionamento semiótico é dado como realidade desde sempre; signos devem ser traduzidos em termos de outros signos para imbuírem-se de sentido, num movimento retroativo que aponta para a própria realidade material como constituída em termos de uma função semiótica (cf. PYLE 1997). “De um ponto de vista peirceano, portanto, mente e matéria nunca devem ser vistas como tipos absolutamente distintos de substância, ou mesmo como aspectos inteiramente separados de um mesmo fenômeno. A matéria deve ser considerada uma especialização da mente, de tal modo que, embora a matéria seja vista como nada além de mente sob o domínio de hábitos fortemente estabelecidos, algumas propriedades da mente (tais como uma certa capacidade para adquirir e modificar seus hábitos) ainda se apliquem a ela”. [...] “Por um lado, Peirce acreditava que sua hipótese sobre a continuidade entre mente e matéria poderia ser — erroneamente — considerada uma forma de materialismo. Por outro, seu idealismo objetivo, quando analisado fora do contexto de seu sinequismo, é frequentemente confundido com um idealismo ‘puro’ — segundo Peirce, ‘a doutrina de que tudo são idéias’ —, o que nos levaria a uma forma de pan-psiquismo, hipótese veementemente rejeitada por filósofos como James FETZER e John SEARLE (1998)” (FARIA 1999). É por isso, deve-se presumir, que uma “semiose intrínseca” dos fenômenos musicais (Intrinsic Musical Semiosis) deve basear-se primariamente na materialidade sonora atribuída aos objetos musicais. Se os signos são desde sempre, inexoravelmente, signos, os signos musicais como tais devem ser também oriundos de um processo sígnico “intrínseco” e primordial. Mais que isso, o sistema musical é classificado como atuante no mesmo nível que a materialidade sonora; atribuir uma musicalidade “intrínseca” ou “geral” tanto ao som quanto ao sistema musical (cf. citação abaixo) parece apontar justamente para uma contradição com a constituição cultural, histórica, da validade do signo musical enquanto tal, de maneira semelhante mesmo à crítica semioticista da cognição musical. “The study field of Intrinsic Musical Semiosis deals, in the first place, with musical qualities, or qualisigns. The different use of the human voice in the several musical traditions in the world shows the variety of possible musical qualities in respect to one means of sound production. […] ”Each work or its performance presents particular musical qualities. I mean not merely timbral, rhythmic or melodic qualities, but also the general quality that a musical sign has”96 (MARTINEZ 1998). É certo, por outro lado, que o processo de constituição dos signos musicais possa ser esvaziado não por sua relativização nas atividades culturais humanas, mas simplesmente deixando de lado o caráter sonoro dos fenômenos musicais para concentrar-se apenas em suas propriedades combinatórias discretas (categóricas). De modo geral, a caracterização cognitiva (cognitivista) dos processos de simbolização se voltam menos para a noção peirceana de signo (dada numa descrição de relações orgânicas, “fenomenológicas”, entre os entes semióticos — PAPE 1989) e mais para uma teoria informacional de funcionamento e reconhecimento de padrões de associação de elementos discretos. As propriedades de discretização e padronização cumpririam com um objetivo funcional de tornar possível os processos de inferência e memorização dos fatos do mundo. “It seems overwhelmingly obvious that long and complex serial patterns are divided into natural subparts, and that mastery is facilitated if the incoming sequence of events is somehow marked off into natural subparts”97 (RESTLE 1970). “The importance of the basic pattern recognition activity in problem-solving is well recognized, the principal function of pattern recognition being characterized as reduction of complex environments.” [...] “Structural listening therefore reduces a multitude of stimuli to greater manageable and structured units (chunks), with a corresponding decrease of the amount of information” 98 (REYBROUCK 1989). Já foi anteriormente apresentado aqui o caráter materialista, fisicalista, de uma teoria cognitivista sobre a informação. Se Peirce defende uma lógica imbuída previamente de significado (de signos), uma racionalidade cognitivista afirma pelo contrário a lógica como princípio racional (racionalista), último e primeiro, dos signos humanos (ver Capítulo V). Também já foi apresentada anteriormente a lógica como meta ideal de funcionamento dos processos cognitivos e mentais (como em FODOR 1975), ou, em última instância, da identificação com a própria formulação metodológica da pesquisa científica (como em Dennet — GALLAGHER 1997), tanto no mecanismo formal (sintático) da formulação quanto na referência (semântica) denotativa, unívoca, invocada como “linguagem ideal” acima das ambiguidades das atividades “linguageiras” do dia-a-dia. “The notion of analysis, and […] the requirements of linguistic formulation, […] provide the important reminder that there is but one kind of language, one kind of method for the verbal formulation of ‘concepts’ and the verbal analysis of such formulations: ‘scientific’ language and ‘scientific method’. […] It only need be insisted here that our concern is not whether music has been, is, can be, will be, or should be a ‘science’, […] but simply that statements about music must conform to those verbal and methodological requirements which attend the possibility of meaningful discourse in any domain”99 (BABBITT 1972). Uma teoria cognitivista da informação levaria assim a visão da música como um sistema combinatório entre unidades sonoras discretas, uma construção por isso mesmo lógica (combinatória restritiva), e imbuída aprioristicamente de significado — um significado não simplesmente sonoro ou auditivo, mas especificamente musical, dado pelos signos (pelas unidades) musicais. É o que caracterizaria, por exemplo, uma postura fenomenalista100 das constituição das estruturas musicais (ex. BORETZ 1969; RAHN 1979A; RAHN 1979B). Os fenômenos musicais são reduzidos a unidades sonoras constitutivas de mínimo discernimento cognitivo (unidades “fenomênicas”), que, ao determinarem o que é passível e o que não é passível de discretização lógica (cognitiva), definem por si só o que é possível musicalmente. “According to BORETZ (1969), these structures ‘externalize’ or describe the internal cognitive state of listeners who understand the sequence of pitches presented in a given performance. He claims that we distinguish musical sounds from non-musical noises when we are able to apply some such ‘internalized system’ “101 (BROWN, DEMPSTER 1989). É claro, uma forte crítica possível a um determinismo físico (científico) dos signos musicais pode se dar justamente contra um naturalismo idealizado dos objetos cognitivos e científicos, puramente objetivo, anterior a uma contextualização. Os objetos científicos surgem como representantes unívocos de sua própria evidência física, além de qualquer discussão ou pré concepção (preconceito?), num paralelismo rigoroso entre “o que se fala do mundo” e “o que o mundo é”. Entre outros, bastaria invocar como oposição neste caso a idéia dos “jogos de linguagem” de WITTGENSTEIN (1953), contrária a uma linguagem interna, privada (ou uma linguagem do pensamento, idealmente singular e formal). No campo especificamente musical, tudo ocorre como se as notas fossem a música, e a música fosse aquilo que é formado por notas; e aqui já estamos novamente no terreno da metáfora musical. “Realist philosophers as well as historians of science argued that the sharp distinction between theoretical and observational languages was nothing more than an arbitrary segregation of what is at best a continuum. They insisted that the distinction is itself theory-bound; that observational terms are always theory laden; and that the dominant theoretical paradigm determines what is and what isn’t observable, and not the reverse”102 (BROWN, DEMPSTER 1989). “No [espaço sonoro] contínuo, não existe esta escala [musical] ou aquela; ou melhor, existe sim, tanto esta como também aquela escala, junto com todas as escalas possíveis. [...] Se você pergunta de que modo o espaço sonoro deve ser subdividido, então eu vou mostrar-lhe em quantas formas você pode subdividi-lo. Assim, uma subdivisão qualquer pode ser feita já a partir de sua própria linguagem” (PIANA 2001; grifos do autor). Mas a materialidade do signo musical, por outro lado, pode não se dar apenas em seu sentido físico, acústico, na medida em que este guardaria alguma relação de paralelismo com seus vestígios, com sua memória. A própria noção de memória pode ser ampliada de seu sentido puramente mental, para atuar nas múltiplas manifestações de uma escritura dos signos musicais — ex. “argila, papel, rolo de pianola, fita magnética, tela de computador, memória eletrônica e a própria mente” (ZAMPRONHA 1995). As formas de representação do signo musical deveriam satisfazer a condição de um “nível neutro” de correspondência entre o som e o signo, a partir do qual as atividades interpretativas (do signo e de sua representação) poderiam se constituir. Além disso, a notação musical já representaria, em si mesma, a forma simbólica possível dos elementos musicais, e pode ser considerada assim uma espécie de “restrição última” do musical ao simbólico, não só como ponto de chegada de uma inferência cognitiva, mas também como ponto de partida de critérios de categorização. “In NATTIEZ (1975), the musical score constitutes an immanent, material trace that is neutrally located between its production and reception”103 (HATTEN 1992). “A score, whether or not ever used as a guide for performance, has as a primary function the authoritative identification of a wok from performance to performance [… A] musical score defines a work”104 (GOODMAN 1976). “Sem a escrita da memória (que é ao mesmo tempo a compreensão do signo), seria impossível o discurso musical. A memória tem o poder de cristalizar o signo acústico temporal, transformando-o em outro signo, atemporal, impresso em nosso cérebro, e que é a imagem virtual do signo acústico percebido pelos sentidos. É através deste signo virtual, no qual o tempo está paralisado, que nos é permitida a operação linguística” (COELHO 1983; grifos do autor). É dessa forma que as noções pertinentes à escrita musical (à representação simbólica da música) podem envolver mais uma vez a metáfora musical: se “as notas são a música”, uma vez representadas as notas, está-se diante da música em sua materialidade. A partitura e outras formas de notação ou representação poderiam ser consideradas “fotografias” unilaterais (independentes do contexto) dos processos sonoros através dos quais a música ocorre. E, se a representação musical pode funcionar como paradigma de uma memória musical, ela possibilita também o surgimento de um novo nível de relação com o musical, dado exclusivamente através de suas representações — ou seja, a análise, a decomposição e inter-relação do discurso musical em suas partes culturalmente definíveis. É como uma ferramenta analítica que pode, por exemplo, ser introduzida a noção de “différance” de DERRIDA (1967), como princípio de “diferença” analítica entre elementos musicais, de formas contrastantes entre si, dentro de apreensão (da escritura) do som. Mais ampla que uma aplicação meramente analítica dos conceitos de Derrida (como método de análise musical tradicional) — como parece ser o caso em SNARRENBERG (1987) — a ruptura radical entre significado e sentido que Derrida propõe pode indicar um princípio de co-determinação discursiva e histórica entre a música e as escritas musicais (SAMUELS 1999), onde as restrições e estruturas musicais são determinadas pela interação de múltiplas “escritas” possíveis dos signos musicais, exemplificáveis até mesmo na forma em que as teclas do piano, sua forma e disposição, determinam as maneiras de execução do instrumento (ZAMPRONHA 1995). “Considerar-se a escrita apenas como uma lente através da qual o compositor expressa suas intenções é vê-la de modo ingênuo (GRIFFITHS 1986), já que é o próprio código que possibilita que as representações do compositor ocorram. WEBER (1911) afirma que foi a invenção da notação musical que criou as condições específicas do desenvolvimento da música ocidental. Daí que as ‘representações’ do compositor são determinadas pela escrita. E mais, como diz DERRIDA (1967), as representações mentais são elas mesmas uma forma de escrita” (ZAMPRONHA 1995). Métodos linguísticos e cognição musical Em suma, surge até aqui uma tendência mais ou menos clara de que a música proposta como informação tende a reduzi-la a um sistema semiótico com regras; matemáticas, formais (de relacionamento entre signos específicos), ou simplesmente discursivas, estilísticas. Um paradigma da música como estrutura formada por relações restritivas de unidades (sonoras) discretas inequivocamente já aponta para uma constituição linguística, baseada não em Saussure, mas principalmente no sistema formal, essencialmente sintático, coercitivo (necessário), “universal” (e portanto cognitivo, cognitivista), característico do gerativismo chomskyano. Surgem assim várias tentativas, de diferentes graus de explicitude, de analogias diretas entre uma “linguagem” (um sistema) musical e um sistema coercitivo como a Gramática Universal das primeiras formulações gerativistas (CHOMSKY 1965; KATZ, FODOR 1964; CHOMSKY, HALLE 1968). “BERNSTEIN (1976) correctly perceives that, in order to construct a theory of music, one should be seriously concerned with musical universals, even when attempting only to decribe a single note. But he seems not distinguish the question of musical universals from the question of parallelism between musical and linguistic universals. His confusion inevitably leads him to the dubious strategy of searching for musical universals by drawing analogies with linguistics” 105 (JACKENDOFF 1977). Entre as várias propostas de analogias mais ou menos diretas entre regras linguísticas e regras de um sistema musical (ex. WINOGRAD 1968; MARTIN 1972; BERNSTEIN 1976; etc.), a contida no trabalho de SUNDBERG, LINDBLOM (1976; “Generative theories in language and music description”) é a que parece indicar o mais abrangente e rigoroso paralelismo entre os dois sistemas. De fato, o próprio paradigma científico que fundamenta esta aplicação da metodologia linguística já identifica os estudos em música e em linguagem a uma busca de princípios universais do comportamento humano (Figura 7). Mais que isso, o método linguístico parece implicar também numa determinada comparação com o próprio signo linguístico, instaurando uma “função geral” cognitiva de tratamento do sinal auditivo, divisível posteriormente entre música e linguagem. As mesmas regras transformacionais que servem a Linguística (ou mais especificamente a fonologia, na qualidade de análise discretizante do sinal auditivo — CHOMSKY, HALLE 1968), aliadas à categorização discreta de estruturas ou elementos musicais (métrica, notas discretas etc.), é que permitiriam inclusive intercambiar as próprias funções comunicativas da música e da linguagem; o que se busca, afinal, é uma “gramática universal musical” “que gere melodias” (“that generate melodies”), associando assim, numa mesma aplicação, a explicação cognitiva, um paradigma composicional musical e a criatividade inerente das atividades linguísticas. Finalmente, o formalismo rigoroso, lógico-matemático e necessário, inerente à gramática gerativa, é identificado com as regras funcionais (estruturais ou, numa certa medida, estilísticas) do sistema tonal; assim mais uma vez o sistema musical é tomado como a música “universal”, “natural” (ou como seu representante — Figura 8). Figura 7: Digrama esquemático das relações metodológicas entre pesquisa linguística e pesquisa em música (SUNDBERG, LINDBLOM 1976). “Melodies as well as sentences exhibit hierarchical constituent structure; this constituent structure is projected onto a level of prominence by a set of transformational rules that are identical for sentences and melodies” […] “It seems reasonable to hypothesize that in the case of both music and speech the function of these rules is to facilitate the generation and reception of the physical signal”106 (SUNDBERG, LINDBLOM 1976). Figura 8: exemplos da aplicação de regras transformacionais em estruturas musicais (SUNDBERG, LINDBLOM 1976). Uma das principais críticas ao modelo de Sundberg & Lindblom, portanto, deve apontar para a especificidade sígnica (semiótica) da música, da linguagem e da própria noção de Gramática Universal, na qual a estrutura linguística “profunda”, que imprime o valor estrutural às formas linguísticas, não se confunde com sua realização concreta, de “superfície”. “It was pointed by CHOMSKY, MILLER (1963) and it has been an unquestioned assumption of actual research in linguistics that what is really of interest in generative grammars is the structure it assigns to sentences, not which strings of words are or are not grammatical sentences”107 (LERDAHL, JACKENDOFF 1983B). Já o próprio modelo fonológico gerativista apresentado em CHOMSKY, HALLE (1968; Sound Patterns in English), embora tenha se tornado a princípio o novo paradigma da fonologia, mostrou em pouco tempo a necessidade de uma ampliação, de tal forma que as pressuposições teóricas se tornariam ultrapassadas, baseadas numa visão "linear" da fonologia como constituída de oposições entre "traços" (features), caracteres segmentais (discretos) do sinal fonético, e de restrições dadas quanto a seus usos e combinações. De fato, pode-se defender a idéia de que uma tal descrição das propriedades fonológicas da língua não corresponde a uma explicação das mesmas propriedades, do por quê ela seguir a determinadas formações preferenciais (FOLEY 1977). Mais que isto, a descrição de caráter restritivo (obrigatório) contida no sistema descrito na obra de Chomsky & Halle, embora baseada em traços fonéticos, é deduzida apenas a partir de suas próprias conclusões formais. Para os autores, a realização ou a realidade fonética (do sinal auditivo) do que é determinado pelas regras linguísticas é irrelevante, uma vez que, afinal, "o falante da língua irá 'ouvir' aquilo que é internamente gerado pelas regras"; tal pressuposto é a princípio compatível com o restante da teoria, levando, entre outros, à separação epistemológica entre fonética e fonologia, e à transformação desta num problema exclusivamente “mental”, isto é, cognitivo. Também são nítidas as origens desses conceitos no arcabouço teórico da gramática gerativa, na sua subordinação a uma “estrutura” sintática-morfológica de caráter “profundo” (inconsciente e oculto), na limitação da fonologia à descrição segmental (em detrimento de elementos suprassegmentais), na separação entre competência e performance dos processos linguísticos. Sendo a princípio uma “descritora” de regras fonológicas, porém, essa visão da fonologia diz pouco a respeito de como e por que estes processos se desenvolvem cognitivamente. As conclusões linguísticas da teoria são apontadas como relevantes a priori dentro da psicologia cognitiva, já que seriam uma evidência cognitiva (ou mental —MCCAWLEY 1986); além disso, revelam discrepâncias possíveis entre conclusões teóricas e realidades cognitivas, como nas evidentes contradições derivadas do conceito de classes naturais: o menor conjunto de traços para definir uma classe de segmentos fonológicos (o conjunto mais “simples” de ser entendido) deveria coincidir com as formas mais elementares de classificação, contra o que há vários exemplos possíveis (LASS 1976). Assim, o modelo linear (segmental, formado por regras de origem e de comportamento morfológicas ou gramaticais) apresentado em CHOMSKY, HALLE (1968) não conseguiria dar contar de todos os fenômenos fonológicos, e elementos suprassegmentais (além das estruturas discretas e hierárquicas deste modelo gerativista) podem ser usados na interpretação de características insolúveis do modelo original. Antes de representarem traços fonético-fonológicos hierarquicamente subordinados de forma sintático-morfológica, alguns elementos (acento rítmico, entonação etc.) representariam níveis diferentes de processamento fonológico, ligados entre si por “linhas” associativas (traçáveis na análise fonológica) e usando a sílaba como unidade de análise, e não a palavra (sintaticamente subordinada). Estes são os princípio analíticos que sustentam toda a tradição de uma Fonologia Não-Linear, que constitui um sistema formal independente, não necessariamente sintático ou morfológico, de segmentação do sinal linguístico (auto-segmental — GOLDSMITH 1976). Em LIBERMAN, PRINCE (1977 — “On Stress and Linguistic Rhythm”), a idéia de uma fonologia não-linear é aplicada sistematicamente numa reformulação do tratamento dado pela fonologia ao ritmo, dando origem a uma Fonologia Métrica. Os próprios autores apontam para a tradição da relação entre ritmo linguístico e ritmo musical, numa linha evolutiva que vai desde as estruturas dos “pés” rítmicos gregos até modelos mais recentes de aplicação de princípios de simetria rítmica à Linguística. Em MARTIN (1972), por exemplo, a relação hierárquica entre padrões rítmicos (tanto linguísticos quanto musicais) é dada como invariável, equivalente sempre a um par binário de elementos fracos - fortes dado em múltiplos níveis, e relacionado a uma relação acústica, real, de acentuação equivalente dos elementos. No modelo de Liberman & Prince, haveria uma estrutura rítmica e hierárquica independente da sintaxe, aplicada a sílabas, com uma proeminência relativa entre elas. Ela se define como uma estrutura relacional, portanto; uma relação de forte-fraco irá se estabelecer apenas entre sílabas adjacentes, relação esta assumida como local, sujeita a constrições normativas, e convencionada como binária. O binarismo funciona explicitamente como uma convenção arbitrária, já que o importante é a relação hierárquica que a forma de análise pode revelar dentro da sequência de sílabas, e não um princípio geral de hierarquia rítmica isocrônica e linear na língua inglesa, “implicada do conceito da estrutura métrica da Música”, como em MARTIN (1972). Tal relacionamento se traduz na definição e análise das relações de relevância em todos os pares binários assinalados, sob a forma de uma árvore métrica (metrical tree) de pesos de relação forte-fraco (Figura 9); as letras s e w provém dos termos em inglês strong (forte) e weak (fraco), a letra R é uma convenção (proveniente do inglês “root”) para a unidade da estrutura, e os números acima da frase formam uma representação numérica dos pesos aplicados a cada um dos nós de ligação da árvore métrica, indicando os locais de maior proeminência (uma grade métrica — metrical grid). É justamente na relação hierárquica entre as gradações relacionais que se pode buscar propriedades fonológicas especificamente rítmicas. As relações hierárquicas deduzidas da árvore e/ou da grade métricas servem como “marcadores” de proeminência dos elementos, determinando e sendo determinadas por fatores não só linguísticos como também cognitivos: hierarquia de níveis prosódicos (ex. palavra/frase — GIEGERICH 1985), relações com o léxico etc.; a busca por um isocronismo rítmico (uma regularidade simples, simétrica) no seio dos processos fonológicos não é incomum. Há uma série de desenvolvimentos posteriores da teoria, associadas a diferentes posturas diante da conceituação original da fonologia métrica e de sua metodologia. Uma polêmica exemplar nesse sentido é a da escolha teórica por uma representação quer só da grade métrica (ex. PRINCE 1983), quer só da árvore métrica (GIEGERICH 1985), quer das duas simultaneamente. HAYES (1984), dentro desta última vertente, afirma que a árvore métrica e a grade métrica não correspondem aos mesmos elementos, tendo funções e significados diferentes. A grade métrica não é considerada então nem sequer uma representação estritamente linguística, mas uma representação rítmica originária de um “comportamento rítmico” humano específico, comum entre outros à linguagem tanto quanto à música; não por acaso, ele cita em seu artigo o trabalho de LERDAHL & JACKENDOFF. Figura 9 – exemplo de árvore métrica e grade métrica (LIBERMAN, PRINCE 1977). Tentando evitar um “analogismo” reducionista entre música e linguagem — uma “tradução da teoria linguística, mais ou menos literalmente, em termos musicais” (“translate linguistic theory, more or less literally, into musical terms”) — como no caso de SUNDBERG, LINDBLOM (1976) ou BERNSTEIN (1976) —, os autores da Teoria Gerativa da Música Tonal (Generative Theory of Tonal Music — JACKENDOFF 1977; LERDAHL, JACKENDOFF 1981; LERDAHL, JACKENDOFF 1983A; LERDAHL, JACKENDOFF 1983B; LERDAHL, JACKENDOFF 1983C) pretendem determinar as regras que subscrevem a percepção analítica, estrutural, de uma peça musical, e colocam-nas numa posição de "ponte" entre a estrutura musical própria do sistema tonal e seu arcabouço perceptivo-cognitivo humano. Nesse sentido, ela se aproxima da gramática gerativa proposta por CHOMSKY (1962), procurando delimitar, através de metodologias próprias da Linguística, uma espécie de "gramática gerativa musical" que seja capaz de descrever analiticamente "o que o ouvinte escuta". Ao sistematizar uma “teoria da competência musical” (nos mesmos termos cognitivos da teoria chomskyana — inatismo, universalismo, formalismo etc.), os autores tomam o cuidado de postulá-la em termos psicológicos (cognitivos), e não especificamente semióticos (semânticos, ou de representação de um “ser” musical definido pelas estruturas sonoras). A preocupação com uma possível transposição livre e irrefletida de termos entre as disciplinas se revela na separação entre a metodologia e seu substrato semântico, ou digamos psicológico, substituindo a linearidade das regras sintático-linguísticas de caráter coercitivo por uma interação entre “regras de boa formação” (“well-formed rules”), de uma aproximação assumida com as regras de “boa forma” dos objetos sígnicos (ou mesmo do signo enquanto “forma clara”) da psicologia Gestalt, já apresentada acima, e “regras de preferência” (“preference rules”), de caráter mais aberto e interpretativo, de escolha entre estruturas possíveis e ambíguas criadas a partir da primeira classe de regras. “[We are] concerned not with the organization of music in and of itself, but with the organization that the listener is capable of hearing”108 (LERDAHL, JACKENDOFF 1981). “Preference rules are a mentalistic theory which parallel WERTHEIMER'S Law of Prägnanz by selecting a maximally stable structure not perceived at the surface which can be considered perceptually ‘good’. [… LERDAHL, JACKENDOFF] observe that analogies to their theory have emerged from features of Gestalt theory, especially in visual theory where Gestalt laws are treated as informal statements of preferences”109 (SCHATZ 1999). Figura 10 - exemplos (de baixo para cima) de metrical structures, grouping structures e time-span reductions (CROSS 1998A). Partitura: W. MOZART, Sonata para piano em Re maior , K.311-2. (Margaret Denton, piano - https://www.youtube.com/watch?v=ht0VKI5HAWs) Assim, são apresentadas, no trabalho dos dois autores, as formulações estruturais que presidiriam (postuladamente de forma universal) a produção e fruição de melodias e ritmos musicais. Elas por sua vez se dividiriam em quatro grandes tipos, cada um dos quais relativos a um determinado nível de relação estrutural entre os elementos musicais, com suas regras e metodologias próprias de análise (Figura 10): grouping structure — referente à organização em frases e temas musicais, em padrões de repetição entre os eventos musicais —, metrical structure — referente à classificação em grupos regulares de pulsações fortes e fracas —, time-span reduction — referente a uma hierarquia criada pela fusão dos dois princípios precedentes, e baseada justamente numa metodologia de “hierarquias relativas” própria da fonologia métrica (LIBERMAN, PRINCE 1977) — e prolongation reduction — referente a uma hierarquia entre as diferentes alturas musicais (as “notas”), e um consequente nível de expectativa ou de expectância hierarquizado de eventos musicais (ver Capítulo VI), identificado na literatura competente justamente com um processo ligado às práticas harmônicas das música tonal (ex. BHARUCHA, TODD 1989). Este último grupo de propriedades é o que mais se aproxima de técnicas de análise musical tradicionais, como a de Schenker (SALZER 1962), fortemente marcada pela interpenetração dos conceitos de música (ou mesmo musicalidade) e tonalidade, na quais o conjunto dos eventos musicais é relacionado, através de níveis hierárquicos entre si, a uma unidade “arquetípica” de tensão e relaxamento harmônicos (ou de articulação/prolongamento) própria das estruturas harmônicas do sistema tonal europeu, de onde “emanariam”, por assim dizer, todas as relações entre as alturas no transcorrer da obra musical. Na verdade, a teoria de Lerdahl & Jackendoff representaria um avanço na base psicológica (cognitiva) da análise schenkeriana, baseada tradicionalmente numa “intuição do analista” (“analyst intuition or Procustean bed” — JACKENDOFF 1977) mais do que em evidências cognitivas. “The derivation of timespan structure involves something analogous to the operation of a tonal grammar, a process of interpreting — re-writing — the elements of the musical surface as tonally-functional entities, as abstract harmonies”110 (CROSS 1997; grifo do autor). “[The trees of General Theory of Tonal Music] differ form the linguistic trees in that they contain nothing analogous to syntactic categories, and they do not represent ‘is-a’ relations among categories (e.g. an NP followed by a VP is a S). Rather, the fundamental relationship they express is that of a sequence of notes (or chords) being an elaboration of a single note (or chord)” 111 (JACKENDOFF 1977; grifos do autor). O modelo de Lerdahl & Jackendoff oferece um meio convincente e relativamente simples de relacionar diretamente possíveis estruturas musicais com possíveis interpretações cognitivas, ou pelo menos lógico-perceptivas. A simplicidade e eficiência metodológicas e a forte correlação com princípios psicológicos e cognitivos transformaram o trabalho de Lerdahl & Jackendoff num dos mais citados dentro da literatura pertinente (cf. DIBBEN 1994), possibilitando sua utilização como base não só a testes empíricos de sua validade em campos distintos como etnomusicologia cognitiva (BECKER 1994), conexionismo (SCARBOROUGH, MILLER, JONES 1989), neuromusicologia (BESSON 1999) etc., mas ainda a discussões sobre sua representatividade dentro da análise musical (CROSS 1998A), da semiótica ou de uma determinada semiologia musical (RAFFMAN 1993) etc. Ao mesmo tempo, o formalismo e o estruturalismo implicados na concepção da teoria parecem prescindir, mesmo em sua formulação mais primitiva, do caráter discreto das unidades musicais, a partir das quais as regras de “pregnância” gestálticas podem se constituir. Esta é uma teoria das estruturas dos signos musicais, não do surgimento destes signos no ambiente cognitivo ou meramente auditivo; uma das grandes críticas a esta última é sua ligação contundente à representação escrita dos eventos musicais (e sua análise), em detrimento de sua realidade cognitiva no continuum auditivo (DIBBEN 1994). Uma descrição da realidade mental ou simplesmente cortical envolvida dos processos relacionados à hipótese da Teoria Gerativa da Música Tonal é posterior à sua formulação; JACKENDOFF (1987) propôs uma teoria da consciência privilegiando os estímulos externos em sua “forma de superfície”, e ligada só indiretamente a estruturas mais complexas; estas seriam construídas com a atuação de um modelo computacional “de processamento paralelo, multi-analítico” (“parallel, multi-analysis model of parsing” — CROSS 1998A) do input cognitivo (auditivo), e dessa forma tal modelo poderia ser aplicado também como uma descrição em termos cognitivos de uma teoria da performance de um gramática gerativa musical (ver Capítulo V). Se é este o caso, seria a performance de um “ouvinte” puramente idealizado, imbuído primariamente (aprioristicamente) da estrutura musical. Como em Schenker, a estrutura da obra musical determina a compreensão de cada uma de suas partes; se para o teórico alemão a vinculação hierárquica entre as alturas determina uma “forma ótima” de desenvolvimento musical (com implicações de forte teor estético), JACKENDOFF (1977) por outro lado reconhece uma desvinculação entre teoria e estética musicais. O que faz imaginar que esta não seja uma teoria geral sobre uma cognição musical, mas tão somente sobre um “cognição tonal”, do “puro som musical” (“the ‘pure sound’ of the music” — CROSS 1999A); e que o espaço vago entre a constituição do sistema tonal e a constituição (mais ampla) dos signos musicais seja ocupado, como sempre, por uma determinada faceta da metáfora musical. Figura 11 - exemplos das estruturas intervalares básicas do modelo de Narmour (NARMOUR 1991). Figura 12 - análise hierárquica das múltiplas "estruturas elementares" de um trecho musical (NARMOUR 1991). (http://marcelomelloweb.net/mmreflexoes_narmour1991.mp3) “The hypothesis is that music sounds the way it does, that we have the musical experiences or feelings we do, in virtue of these underlying structural representations”112 (RAFFMAN 1993). “This is as plausible as believing that the structure of a novel should model the structure of a single sentence, word or phoneme!”113 (BROWN, DEMPSTER 1989). “We do not disparage theories of real-time processing; they are an essential part of a complete psychological theory. But, methodologically, it appears crucial to characterize mental structures before asking how they are computed over time”114 (LERDAHL, JACKENDOFF 1983C). Um modelo mais recente da “lógica cognitiva” que condicionaria os elementos (ou os signos) musicais é o de Eugene NARMOUR, ou "implication-realization model" (NARMOUR 1990; NARMOUR 1991; SMOLIAR 1991; ROEDRER 1993). Sua base conceitual se opõe radicalmente a uma onipresente “macro-estrutura” das formas musicais, típica da análise schenkeriana, descrevendo pelo contrário as funções básicas que uma “micro-estrutura” de inter-relação entre alturas musicais, formada por diferentes possibilidades de configurações intervalares elementares entre as notas (Figura 11), instituiria nos princípios analíticos (constitutivos) da cognição musical; uma hierarquia cada vez mais abstrata de níveis de análise das relações de altura forma-se subordinada sempre a estas mesmas funções básicas (Figura 12). Estas relações intervalares básicas corresponderiam (novamente) a representações de expectativas (ou expectâncias) de contiguidade X mudança de parâmetros no sinal sonoro (ou no processamento auditivo), dicotomia esta transponível e ao mesmo tempo normatizadora tanto de uma relação com a linguagem (o autor propõe, por exemplo, uma análise de curvas entonacionais da fala a partir desses princípios de oposição intervalar) quanto com a neuropsicologia (indicando "caminhos" neuroanatômicos distintos para os distintos fatores cognitivos envolvidos na análise ou mesmo na percepção dos fenômenos musicais — ver Capítulo VI). “According to the model, the cognition of melodies can be described as successive points of closure, implication, and realization. Closure and implication have opposite effects on expectancy for melodic continuation. When closure occurs, expectancy for melodic continuation is weak. When non-closure (or implication) occurs, expectancy for continuation is strong” 115 (KRUMHANSL 1995; grifos da autora). “From this concept, it is a fairly short step to entertain the notion that musical input projects neurologically to the bottom-up system via the ventral cochlear nucleus, the central nucleus of inferior colliculus, and the medial geniculate body of thalamus to the primary auditory cortex. Likewise, one might hypothesize that the top-down system processes incoming signals arriving via the dorsal cochlear nucleus, the lateral lemniscus, the external and pericentral nuclei of the inferior colliculus, and the medial geniculate to the secondary auditory cortex”116 (NARMOUR 1991). A estrutura que a teoria descreve pode ser encarada então como um mapeamento “do desenrrolar da superfície musical no decorrer da experiência auditiva” (“[of] the unfolding of the musical surface in the course of the listening experience” — CROSS 1998A), e nesse caso ela se aproxima mais de uma descrição real dos processos cognitivos musicais que a teoria de Lerdahl & Jackendoff. Podem ser citadas bases linguísticas para um paradigma sígnico das “unidades mínimas” musicais, como uma teoria motora para a fala (LIBERMAN, MATTINGLY 1985); no entanto, parece evidente a constituição do signo musical a partir do modelo de uma escrita musical (cf. REPP 1991). Ao mesmo tempo, a expansão de um modelo do processamento do sinal musical (dos signos musicais) até um princípio geral de processamento cognitivo (auditivo), ao invés de definir a música como um tipo de estrutura sintática e restrita (ou seja, como um tipo de linguagem), faz o contrário, transformando relações entre signos musicais (dadas como pré-formadas) em uma “relação sonora (ou auditiva) elementar” a partir da qual os signos auditivos seriam possíveis (inclusive os da fala). Ou seja, outro limite para a metáfora musical, oposto ao da teoria de Lerdahl & Jackendoff. “At the heart of Narmour´s analogy between natural language syntax and melody syntax is the assumption that notes are the correspondent primitives of music”117 […] “To a great extent (although not entirely), a decomposition in terms of melody and harmony is a consequence of an understanding of music that is guided by the way we notate it , [… and] has little to do with our sensorimotor behaviour”118 (SMOLIAR 1991). Cognição e signo musical Na verdade, as diferenças entre estes dois modelos são relativas; e se encontram disseminadas na literatura ainda outros trabalhos formalistas ou “estruturalistas” sobre os processos cognitivos em música (ex. TENNEY, POLANSKY 1980; AGAWU 1991; JONES 1990; CROSS 1997; etc.) compartilhando um mesmo conjunto de características epistemológicas: a transposição da estrutura cognitiva para a regra musical é garantida por uma “Revitalização da tradição da doutrina da Gestalt do início do séc. XX” (“revitalization of the early 20th century Gestalt tradition — LEMAN 1999A); esta é citada como “condição sine qua non para a música”(condition sine qua non for listening” — LEMAN 1985); na base do fenômeno estaria uma oposição entre “processos cognitivos de baixo nível e de alto nível” (“low level and higher level cognitive processes” — TOLBERT 1992); as regras instituídas são, assim, determinadas diretamente pelas formas possíveis de processamento psicológico (psíquico) humano, e, em última instância, pelo funcionamento neuronal (cognitivo); é o que instauraria, de várias formas possíveis, algum tipo de determinismo invariável, natural (a-histórico), no interior do funcionamento das regras, e garantiria uma validade geral (universal) das regras para todas as manifestações musicais; finalmente, o universalismo e o formalismo dos sistemas leva-os a referenciar a maior parte da base conceitual e metodológica no exemplo de vários modelos linguísticos, especialmente os mais ligados a uma materialidade do sinal linguístico (como na fonologia) ou de uma lógica sequencial, “linear”, (como, de certa forma, no gerativismo da estrutura “profunda”). “Notes are certainly primitives in almost any notation of music. However, this should not imply that they are the primitives of those aspects of behavior that give rise to music”119 (SMOLIAR 1991). “The failure to explore the semiotic possibilities of further interpretation, and to provide a theory adequate for those intersubjectively supportable interpretations, is glaring omission in a book that purports to offer a semiotic theory”120 (HATTEN 1992, sobre AGAWU 1990). As teorias cognitivistas sobre as estruturas musicais, portanto, são teorias sobre “notas musicais”. Está implicada sempre alguma forma de categorização discreta do sinal sonoro para permitir-se os processos combinatórios próprios do sistema musical e das práticas musicais, e supõe-se que a simples categorização traga consigo alguma coerção estrutural necessária. Existindo as unidades (as notas musicais), existiria também as regras de suas relações (uma gramática musical); tal visão dos processos musicais, é claro, deixa entrever que esta talvez não seja a única forma de se “fazer” música, e que a necessidade de uma gramática musical talvez não seja unilateral e irredutível. “All these theories — without exception — leave some aspects of the experience of music unexplained, perhaps even unrecognised”121 (CROSS 1999A; grifo do autor). Parecem se tornar necessárias então teorias especificamente semiológicas, da especificidade epistemológica da linguagem, da natureza das relações entre música e linguagem, ou pelo menos de suas diferenças irreconciliáveis. Em relação a um sistema linguístico epistemologicamente fundado, a música é descrita semiologicamente por BENVENISTE (1966A) como composta de elementos discretos (as notas) cujo "valor" semiótico só pode ser reconhecido numa relação com outras notas de uma "gama" de possibilidades sonoras constituída historica e esteticamente, aproximando-se a princípio da categoria sígnica de “interpretação musical” (Musical Interpretation) de MARTINEZ (1998), já apresentada anteriormente aqui. Porém, a materialidade dos signos musicais, suficiente em Martinez, é atrelada em Benveniste à dupla articulação das noções inter-relacionadas do sentido e da unidade dos elementos semióticos, que o farão proclamar que a música pode apresentar “uma sintaxe, mas não uma semiótica”. A "unidade linguística", a partir da qual pode se dar as relações linguísticas de referência, seria a palavra; o sentido das palavras (gerado no interior do sistema cultural, ou mais especificamente estruturalista, das práticas linguísticas) é o que delimitaria o alcance sígnico de seu uso; em outros termos, geralmente não é a qualquer palavra (a uma palavra qualquer) que é imputado um sentido qualquer (um sentido específico), sendo necessária a participação de toda a estrutura linguística que opõe entre si as diferentes palavras e os diferentes sentidos. A “unidade sígnica” para os fenômenos musicais, por outro lado, se dá muito mais propriamente na noção de obra musical; os elementos discretos aceitos tradicionalmente na constituição dos sistemas musicais (alturas, durações etc.) não apresentariam a mesma propriedade funcional que o sentido das palavras, de referência numa cadeia de referências geradora de sentido. A coerência musical é gerada na própria criação da obra musical: satisfatória, coerente, ou mesmo de acordo com as “regras de pregnância” gestáltica presentes nos sistemas descritos acima, mas levando a um resultado específico seu, que a define enquanto obra; a combinação dos elementos só passa a ter valor semiótico enquanto constituição intrínseca da obra musical (de uma obra musical). O que Benveniste parece dizer, portanto, é que o sentido musical é dado sempre discursivamente, num processo de contínua construção temporal (de possibilidades de combinação), cultural, pelo “estatuto” imbuído aos fenômenos musicais. As práticas linguísticas supõem um processo de acumulação construtiva do sentido, possível através das relações (sintáticas, semânticas, discursivas) entre as palavras; o sentido musical, porém, estaria imbuído (valorado como “estatuto”) em sua própria prática, e suas unidades constituintes não devem a uma relação unívoca entre si, e sim apenas à instância da prática musical que as valora. Ao contrário da linguagem (do significado verbal), a música dura o quanto quer, é formada pelo que ou pelo quanto considera necessário; ao contrário da linguagem (do fluxo de sentido contínuo e auto-referente, estruturalista), a música só estabelece seu pleno sentido, do que ela “é”, quando se fecha objetivamente sobre si, quando acaba. “A música é um sistema que funciona sobre dois eixos: o eixo das simultaniedades e o eixo das sequências. Poder-se-ia pensar em uma homologia com o funcionamento da língua sobre seus dois eixos, paradigmático e sintagmático. Ora, o eixo das simultaniedades em música contradiz o princípio mesmo do paradigmático em língua, que é o princípio de seleção, excluindo toda simultaniedade intra-segmental; e o eixo das sequências em música não coincide de forma alguma com o eixo sintagmático da língua, uma vez que a sequência musical é compatível com a simultaniedade dos sons, e uma vez que ela não está, por outro lado, sujeita a nenhuma coerção de ligação ou de exclusão no que respeita a qualquer som ou conjunto de sons que seja”122 (BENVENISTE 1966A). Afinal, o estudo da música é o estudo de uma música específica, e nesse caso parece pouco definível uma instância de “metamúsica” a partir do qual a constituição dos objetos musicais seria explicável. A música pode passar a ser considerada então um “epifenômeno do comportamento” (“epiphenomena of behavior”), onde as possíveis constrições objetivas do comportamento musical (a matéria por excelência da cognição musical) podem ser contrapostas a outras constrições formadas historicamente (como na dissolução do sistema tonal durante o séc. XX), a outros comportamentos musicais (como nos muitos exemplos de uma etnomusicologia cognitiva — ver Capítulo VII) ou a instâncias-limite de definição de um “ser” musical (e um exemplo óbvio aqui parece ser a indeterminação do musical na obra do compositor americano John CAGE — TOOP 1983; CROSS 1993). “Melodies (as they are made, rather as they are notated) are not so fundamentally symbolic. If we think about melodies as epiphenomena of behavior (the manipulation of our voices and physical devices known as instruments), we are still not necessarily in the world of the composition and manipulation of symbolic structures”123 (SMOLIAR 1991). “Music is not entirely determinate; although we may be able to specify formally rules and principles that govern style and structure, we can at best specify only classes of compositions or of musical behaviours. We cannot, in those acts of specification, constrain the putative development of those classes, nor can we even specify the totality of the potentially musical characteristics of anything that may exemplify those classes. It can thus be claimed that the same set of phenomena might at different times be both music and non-music within a particular culture, and that the contexts within it occurs — and hence the stances or intentions of participants in respect of those contexts — are the factors that determine the musicality or non-musicality of the phenomenon in question”124 (CROSS 1993). “O problema não se coloca de maneira alguma como se os signos existissem, e se tratasse apenas de decidir quantos tipos de signo existem e quais as várias formas de sua designação” (PIANA 2001). Da mesma forma, o determinismo do espírito científico explica apenas o funcionamento de “classes individuais, não os eventos individuais em si” (“classes of individuals, no individual events per se” — BROWN, DEMPSTER 1989), e está sujeito a constrições estatísticas, e à impossibilidade material de uma “verdade” irrevogável, substituída pela “ausência de falsidade” testável das hipóteses científicas (cf. POPPER 1974). Uma descrição científica dos objetos (dos signos musicais) não é equivalente a uma explicação irredutível e causal; também uma estrutura unívoca e necessária dos fenômenos musicais não garante a previsibilidade (mesmo que estatística) do conteúdo dos objetos musicais. “Acoustics […] will have to display inductive-empirical laws (because acoustics is a natural science), but such laws for the kind of ‘things’ dealt with in analytical discourse is not available. Thus, we cannot make inductive predictions about musical pieces as ‘confidently’ as we can predict the behavior of many scientific systems”125 (MARTIN 1977). “Music theory becomes scientific only when empiric laws are introduced and musical phenomena are subsumed under them in ways that guarantee predictions and testability. […] No amount of formalism can ever transform a description into an explanation”126 (BROWN, DEMPSTER 1989). Ao contrário, não é a simples existência de objetos musicais que os torna passíveis de um estudo científico (ou linguístico), mas sim a disposição científica dos objetos musicais é que pode lhes definir uma instância categórica. Tudo ocorre como se a possibilidade de enunciar as regras (ainda que a um conjunto fixo de objetos musicais) garantisse sua validade ontológica; se as regras existem, a música é o que elas disserem. Da mesma forma, ater-se metodologicamente aos princípios de uma racionalidade causal leva a tomar a própria atividade científica como paradigma linguístico, de uma linguagem idealmente referencial (denotativa) e formalizada (sintática) e que funcione de forma mecânica e logicamente unívoca; a Ciência ela mesma parece surgir como atividade de uma causa necessária e invariável que lhe é externa, apagando qualquer vestígio de funcionamento discursivo (de formação linguística, discursiva ou ideológica) preposto em sua articulação. É um funcionamento discursivo, de construção ideológica, da produção científica; é assim, por exemplo, que o ouvinte “ideal” das estruturas hierárquicas e categóricas da cognição musical pode ser identificado a um ouvinte “científico”, linguista, ou mais especificamente, um foneticista (cf. REPP 1991; SLAWSON 1991; RISCHEL 1991). “Confusing the fact of being in accord with a rule with the fact of being guided by a known rule, Fodor, Chomsky, Katz and others are led to the postulation of their diverse versions of cognitive computationism”127 (COULTER 1983; grifos do autor). “A inteligência aqui só difere de um sistema computacional mais rígido e mecânico por sua maior potência e seu caráter global. Se soubéssemos como a mente adquire, fixa e utiliza seus conteúdos, poderíamos até prever o curso da investigação científica” (ALBANO 1986). “A ‘lógica’ torna-se assim o núcleo da ‘ciência’ com — simultaneamente — o necessário engano idealista que coloca a independência do pensamento em relação ao ser, na medida em que toda designação sintaticamente correta constrói um ‘objeto’ de pensamento, isto é, uma ficção lógica reconhecida como tal” (PÊCHEUX 1975; grifos do autor). Encontrar a metáfora musical nos trabalhos sobre a cognição das estruturas musicais é então, simultaneamente, encontrar a cognição de uma teoria musical específica. Adotando um nível “natural” do funcionamento dos signos musicais, os modelos “estruturalistas” apresentados aqui abdicam da “liberdade do som em relação ao signo”, apresentada por Benveniste, e de uma explicação da constituição de tais signos; isto é, do porque as notas musicais serem o que são (ou de como a música pode existir para além delas — e esta já é a metáfora musical). Nesse caso, as notas são vistas como entes mentais, são constrições cognitivas necessárias para categorizar o espaço sonoro. Sua existência (nas práticas musicais) é como que a prova de sua validade, ao mesmo tempo que indicam uma materialidade propriamente sígnica (mental) aos fenômenos musicais. O resultado é a validação de uma estrutura social (de uma prática musical) específica, dada historicamente (e correspondente em geral à tradição tonal de origem européia), como princípio de constituição do signo musical. “COOK (1990) has attacked the notion of employing music-theoretic concepts in the investigation of music cognition (with particular reference to the cognitive-structuralist research programme); he asserts that studies of music cognition are unsatisfactory as studies of musical listening because ‘they begin with the premise that people hear music in terms of music-theoretical categories’, an approach that he labels ‘theorism’. He argues that such categories may well play a role in the perceptions of trained musicians, and claims that the study of music cognition, in relying on those theoretical entities, has produced not a ‘psychology of music’ but a ‘psychology of ear training’ ”128 (CROSS 1997). Além disso, uma metáfora na relação cognitiva entre música e linguagem tende a apagar a irredutibilidade epistemológica entre os dois meios e considerar uma apropriação de metodologia como uma apropriação conceitual. Isto é, a música e a linguagem parecem ser consideradas estruturas coincidentes (ou de certa forma paralelas) apenas na medida em que compartilham regras, por vezes nem as mesmas regras, mas sua possibilidade de formulação. Os paradigmas cognitivistas estão sempre envolvidos com materialidades científicas do pensamento abstrato, e a ação de uma metáfora musical trata de fazerem se sobrepor o objeto científico (cognitivo), o objeto linguístico e o objeto musical; a partir daí, se tornarão de certa forma corriqueiras e indutivas as participações conceituais de pesquisas como as apresentadas neste capítulo, nas diversas “materialidades” científicas outras, presentes nos estudos sobre cognição musical, como as que são apresentadas nos próximos capítulos (Capítulos V, VI). O que pode-se concluir, por enquanto, é que o signo musical, como objeto categorial, não se constitui nas teorias sobre cognição musical sem a participação da linguagem, e que sobrepujar (ou explicar) o signo musical deve envolver de alguma forma sua própria transcendência. “Tal caracterização [das regras musicais], portanto, não existe antes da linguagem, mas surge junto com ela e como consequência de suas regras. Enquanto anteriormente se supunha que a regra fosse justificada de algum modo na própria sensação sonora, agora se mostra, ao contrário, que tal sensação já está sob o domínio daquele hábito auditivo que veio se formando com a própria linguagem” (PIANA 2001; grifos do autor). “The very idea of sound as an object recognizable and detectable inside sonorous flux is not suitable anymore. These new materials are processes and not objects. Representations and emergency point toward interactivity with both, context and listener”129 (ZAMPRONHA S.D.). V. COGNIÇÃO MUSICAL E SISTEMAS COMPUTACIONAIS “With or without music cognition, music theory had always addressed the question of how humans experience music. When building computer programs to emulate aspects of musical skills, we do well to profit from the guidance that tradition can lend.”130 ROWE, Interactive Music Systems. Uma das maiores tradições filosóficas consideráveis como “epistemológicas” talvez seja a de identificar a racionalidade humana com uma lógica eminentemente axiomizável, ou matemática. A leis da razão (e neste caso também as leis do cogito cartesiano — ver Capítulo II) são as leis do formalismo lógico, ou, ao menos, não pode haver contradição entre estas duas “categorias”; a percepção do mundo real, denotativo ou “cognitivo” (digamos, “sígnico” — ver Capítulo IV) é dada como possível apenas em sua possibilidade material, física, descrita em um código formalizado (em uma linguagem, em uma “lógica”); finalmente, o próprio objeto científico (tanto em sua faceta idealizada, invariável, quanto material, evidente) pode mesmo ser identificado com a noção de algoritmo, ou de operação linear e mecânica (automática). “The concept of an ‘algorithm’ can be called upon to explicate the notion of a ‘precise description’ of a phenomenon. This notion is especially important in the domain of scientific research, where it calls for a representation as precise as possible of the domain under study”131 (SEIFERT 1992). “If our consciousness thinking involves nonalgorithmic physical action, there would be scope for nonalgorithmic behaviour in physical laws”132 (PENROSE 1988). A questão se insere de fato na temática filosófica da relação entre linguagem e lógica, especialmente para os que pensam no funcionamento da linguagem, ou nos objetos de estudo linguístico. Não apenas a referencialidade linguística (semântica), imbuível de valor de verdade, parece pertinente à relação entre linguagem e lógica, mas também a forma combinatória, serial (em suma, sintática), na qual ela se dá. Assim, a forma da enunciação denotativa e verdadeira (ou seja, de uma enunciação lógica) deveria não só corresponder a valores de verdade empíricos, mas também a uma forma de concatenação adequada e necessária. Uma “transformação sistemática de valores-de-verdade” operada pela lógica (SCRUTON 1982) não é apenas uma operação racional, mas é sobretudo formalizada, obtível através de procedimentos também por si mesmos mecânicos (impessoais) e rigorosos (restritivos) encontráveis no funcionamento da linguagem (em qualquer funcionamento da linguagem); a lógica não parece depender apenas de sua referência enquanto processo sígnico, mas também de sua sintaxe, ou de sua gramática. Assim, a lógica (e sua relação com a linguagem) parece dever uma correspondência não apenas a uma necessidade empírica, “real” ou simplesmente física (como no caso da referência semântica) mas também a uma ordem racional, ideal, humana (como no formalismo sintático). Ora, se a valorização do código de informação (ou informacional) é uma das consequências principais da postulação da máquina de TURING (1936), como já foi apresentado no Capítulo II, tal valorização pode alcançar uma singular relevância epistemológica (TURING 1950). Na medida em que o próprio comportamento humano é racional, ele pode (ou deve) ser representável por meio de formulações lógicas (ou simplesmente linguísticas), ou seja, ele pode (ou deve) ser simulável por meios que reproduzam tais formulações, seja a própria sentença formal, seja sua realização em um processo automático, ou uma máquina — seja a máquina de Turing abstrata, seja sua materialidade, ou o computador. “It is clear that at least some human mental abilities are algorithmic. For example, I can consciously do long division by going through the steps of an algorithm for solving long division problems. […] In such a case, as described by TURING (L950), both I, the human computer, and the mechanical computer are implementing the same algorithm, I am doing it consciously, the mechanical computer nonconsciously. Now it seems reasonable to suppose there might also be a whole lot of mental processes going on in my brain nonconsciously which are also computational. And if so, we could find out how the brain works by simulating these very processes on a digital computer. Just as we got a computer simulation of the processes for doing long division, so we could get a computer simulation of the processs for understanding language, visual perception, categorization, etc.“133 (SEARLE 1990). É dessa forma que uma discussão propriamente sígnica da possibilidade de representações mentais ou cognitivas, como vista no Capítulo IV, passa a ser uma discussão sobre sua possibilidade formal (ou material). Para além do simples funcionamento do signo, uma teoria cognitivista da mente pode ser apresentada como uma teoria psicológica (internalista, de estados mentais internos) sobre a possibilidade do pensamento racional, da maneira como o faz um dos mais importantes teóricos da chamadas ciências cognitivas, o filósofo Jerry FODOR (1975; FODOR 1982; FODOR 1987; FODOR 1994; FODOR 1998). “I want a mechanism for the relation between organisms and propositions, and the only one I can think of is mediation by internal representation”134 (FODOR 1982; grifo do autor). "The basic question in cognitive science is, How could a mechanism be rational? The serious answer to that question is […] that it could be rational by being a sort of proof-theoretic device, that is, by being a mechanism that has representational capacities — mental states that represent states of the world — and that can operate on these mental states by virtue of its syntactical properties. The basic idea in cognitive science is the idea of proof theory, that is, that you can simulate semantic relations - in particular, semantic relations among thoughts - by syntactical processes"135 (FODOR apud ZAWIDZKI 2002). O modelo modularista de Fodor (já comentado no Capítulo II) faz menção ao processamento cognitivo superior (à inter-relação mental ou cognitiva superior entre os módulos cerebrais) funcionando como um sistema formal de comunicação (de codificação), isto é, como uma linguagem. Esta noção aproximaria muito do que Fodor diz com a teoria da Gramática Gerativa Universal de Chomsky (de uma “estrutura profunda” lógica, de caráter eminentemente sintático, entranhada em todo funcionamento da linguagem verbal). De fato, Fodor ocupou-se durante um considerável período de tempo com teorias gerativas durante sua carreira acadêmica (por exemplo KATZ, FODOR 1964; BEVER, FODOR, WEKSEL 1965). “It is clear, as KATZ, FODOR (1964) have emphasized, that the meaning of a sentence is based on the meaning of its elementary parts and that manner of their combination. It is also clear that the manner of combination provided by the surface (immediate constituent) structure is in general almost totally irrelevant to semantic interpretation, whereas the grammatical relations expressed in the abstract deep structures are, in many cases, just those that determine the meaning of the sentence”136 (CHOMSKY 1965). “Like the Katz and Fodor theory, some kind of dictionary would be required, but in the musical case it should be incomplete before a hearing of a composition. It would then be filled by representations of motives that belong to the piece as it runs its course”137 (SLAWSON 1991). O “código informacional” dos mecanismos cerebrais e nervosos adquire significado na medida em que corresponde ao próprio funcionamento do “módulo” nervoso-cerebral, biologicamente dado, independente e irredutível. É o resultado do processamento modular (o código ou representação no impulso cerebral) que adquire valor ontológico, ou digamos “semiótico”, de uma “primeiridade” peirceana. Não é por acaso que Fodor (e outros autores comprometidos com um formalismo algorítmico dos processos cognitivos) cita princípios de psicologia da Gestalt como condizentes com sua teoria. A atribuição de formas anteriores e inatas aos estímulos externos seria afinal o próprio funcionamento da cognição mecânico, automático, de princípios inatos, apontáveis também na postulação de uma racionalidade humana invariável e universal. “[…] Behaviorally salient properties of the stimulus are a selection from the properties that belong to it: of all the indefinitely many properties the stimulus does have, only those can be behaviorally salient which the organism represents the stimulus as having”138 (FODOR 1975; grifos do autor). “Perhaps the most significant general result of the school of Gestalt psychology […] was its demonstration of the extent on which perception is the result of an interaction between environmental input and active principles in the mind that impose structure on that input”139 (JACKENDOFF 1983). Ao mesmo tempo, tal código informacional não tem valor especificamente “sintático” (linguístico) para além das representações modulares, e nem “semântico” (sígnico) para além dos módulos cognitivos, podendo ser melhor descrito como uma “semântica combinatorial” (FODOR 1987). É a partir deste ponto que uma teoria psicológica materialista a respeito da mente pode inter-relacionar (e ultrapassar) as distinções entre semântica e sintaxe (ou entre signo e estrutura — ver Capítulo IV), prescrevendo uma intermediação especificamente computacional (codificada, formal, interna e irredutível) entre os processos cognitivos (biológicos ou simplesmente nervosos) e as funções mentais superiores. Não teríamos acesso consciente (ou representacional) às formas do mundo, apenas à sua “extração” constituída computacionalmente pelos sentidos corporais (ou melhor, pelos módulos cognitivos). A forma nuclear desta extração é primordial e irredutível, ou, em outros termos, “denotativa”, correspondente a uma inferência no mundo de ordem material, biológica e necessária; ao menos em algum nível processual (e linguístico), deveria haver uma correspondência causal entre a representação e o objeto representado, que indique como, por exemplo, a representação de “cachorro” (o exemplo favorito de Fodor) equivalha a seu nome, e não a um conjunto de outras representações (“quatro patas”, “animal”, “mamífero” etc.). “Once it is accepted that in order to acquire a concept, one must be able to represent the reducing concepts in a hypothesis, and given that much thought is linguistic, and specifically, that most or all concepts can be expressed in linguistic thought, it follows that a language with predicates whose meanings are the ultimate reducing concepts is required in order to acquire other concepts. (If DOG really did reduce to NORMALLY FOUR-LEGGED, FURRY, TAILED, BARKS, and those in turn are primitive, we'd need a language with predicates expressing those concepts). That is to say, there must be an innate language of thought with predicates that express the primitive concepts. Since spoken languages are not innate, it follows that each language learner must have a language of though distinct from all spoken languages”140 (KAYE 1998; grifo do autor). Enquanto base computacional das atividades cognitivas superiores, as combinações sintáticas do código dos módulos cognitivos, biologicamente dado, seriam constitutivas não apenas de todas as línguas naturais (identificando-se nesta parte com a Gramática Universal de Chomsky), mas também do pensamento racional, ou melhor, proposicional. A intermediação informacional cria então uma nova instância psicológica nas qual as representações funcionam, independentemente dos módulos cognitivos que lhe dão forma. Em termos mais simples, é apenas a existência de um código anterior (nesse caso, de ordem biológica) que permite a possibilidade de representação. “I will argue, primarily, that you cannot learn a language whose terms express semantic properties not expressed by the terms of some language you are already able to use”141 (FODOR 1975). É o surgimento da noção de “mente computacional” (JACKENDOFF 1987), que pode indicar neste caso tanto uma ponte natural quanto uma ruptura específica entre os procedimentos racionais e seu substrato meramente biológico. Os “dados dos sentidos” da tradição filosófica (cf. AUSTIN 1983) seriam fontes de “informação periférica” (“peripheral information”) para um “centro” cognitivo não só responsável pela racionalidade, mas também dotado de eminentes características categorizantes, sígnicas ou simplesmente semânticas (JACKENDOFF 1983). O desdobramento das instâncias através das quais se constituem os processos cognitivos leva a uma separação entre a consciência e a racionalidade, ou, em outros termos, entre a mente “fenomenológica” e a mente “computacional” (Figura 13). Figura 13 - Representação da noção de mente computacional dentro de uma teoria psicológica (JACKENDOFF 1987). “The upshot is that psychology now has not two domains to worry about, brain and mind, but three: the brain, the computational mind and the phenomenological mind. Consequently, Descartes’ formulation to the mind-body problem is split into two separate issues. The ‘phenomenological mind-body problem’ […] is, How can a brain have experiences? The ‘computational mind-body problem’ is, How can a brain accomplish reasoning? In addition, we have the mind-mind problem, namely, what is the relation between computational states and experience?”142 (JACKENDOFF 1987). Inteligência Artificial e cognição musical De acordo com Jackendoff, as formulações características da Teoria Gerativa da Música Tonal, apresentada no Capítulo IV, são atuantes ao nível da mente “computacional”, do processamento cognitivo (categorizante, computacional) em música, o que autorizaria seu status de universalidade e conceitualidade do objeto musical. Nesse caso, uma crítica às suas postulações no terreno musical pode ser colocada não nas consequências epistemológicas de uma “mente computacional” em música, mas nas exigências que uma visão propriamente algorítmica dos processos cognitivos impõe a um modelo baseado em regras de “boa formação” de caráter menos inflexível e automático (como no modelo de Lerdahl & Jackendoff). “Lerdahl and Jackendoff’s theory of musical structure is without doubt not a formal theory which could be formulated algorithmically. The problem to develop a precise formal theory of musical structure and processing, which is at the basis of the cognitive modelling of music perception […], exists until today”143 (SEIFERT 1992). Na verdade, a relação entre música e matemática remonta a antiquíssimas tradições que remetem a um logos de caráter combinatório imbuído tanto de música quanto de números. As relações algorítmicas presentes nos fenômenos sonoros já são conhecidas desde há muito; na Grécia antiga, Pitágoras não só sabia das relações de simetria presentes nos intervalos de altura (de frequência sonora) e nas estruturas timbrísticas (da série harmônica), como as usava como parte da formação de uma complexa cosmogonia, baseada na matemática. Durante o desenvolvimento da história ocidental, há vários exemplos de concepções matemáticas, lógicas ou combinatórias do musical, em terrenos inclusive diversos dos simplesmente acústicos — estéticos, de simetria entre partes; simbólicos, de correspondência a um ideal metafísico; formais, de estrutura do discurso musical etc. Para além (ou talvez num sentido mais particular que) de uma identificação “natural” entre música e matemática, talvez seja oportuno indicar enfim uma possível manifestação nova da metáfora musical, aproximando produtos musicais específicos de uma universalidade acústica, física ou “cósmica”. “Guido d’Arezzo (s. XI) já se utilizava de recursos algorítmicos para compor música [...]; no século XIII, o compositor Philipp de Vitry usou a repetição cíclica de padrões rítmicos para construir tenores de motetes” (MANZOLLI 1995). “The concept of computation in music has radically changed at the end of the Renaissance era, when it moved from the mathematical understanding of immanent laws of consonance to the (Leibnizian) idea of a musical world generated through combinatorial rules”144 (ASSAYAG 2001). “The collections of pitches that are used in tonal music — scales, modes, chords and keys — when considered in mathematical terms within computational representations have been shown to exhibit some extraordinary properties that suit them excellently for use in the outlining of pattern in time (BALZANO 1980; BROWNE 1981)” 145 (CROSS 1999A). É dessa maneira que diversas correntes de pesquisa sobre processamento musical dedicam-se a elaborar e testar computacionalmente modelos algorítmicos de percepção e manipulação hierárquica de signos musicais, podendo ser identificadas então com o ideal metodológico da inteligência artificial, tal como já fora retratada no Capítulo II. Os objetos e processos musicais são apresentados, de vários modos possíveis, como uma série de elementos discretos (“dados”) dispostos e armazenados de maneira linear, formalizada, e manipulados ou inter-relacionados segundo regras explícitas. Para isso, é necessária em primeiro lugar alguma forma de representação prévia do dado musical (ou simplesmente sonoro), quer ao nível de sua tradução (ou transdução) perceptual na produção ou na percepção de música, quer na identificação formal de padrões combinatórios nos dados, na delimitação de objetos primários (notas, ritmos etc.). É assim que um modelo algoritmicamente formalizado dos fenômenos musicais é amplamente identificado com uma metodologia linguística, ou mais especificamente com uma “gramática” dos signos musicais, tornando o substrato conceitual de uma inteligência artificial (em seu sentido forte, identificada com resultados de programas de computadores — cf. SEARLE 1990) aplicada à música, como uma continuação natural de um modelo linguístico para os objetos musicais, tal como fora apresentado no Capítulo IV; nesse caso, vários dos modelos possíveis de categorização de signos musicais também envolvem modelos algorítmicos ou simplesmente computacionais (SUNDBERG, LINDBLOM 1976; CAMILLERI, CARRERAS, DURANTI 1990, sobre TENNEY, POLANSKY 1980; etc.). “Two strands in existing musical modelling can be distinguished […]. The first is an algorithmic, ‘information processing’ approach […]; A model is giving some input and produces some output: the degree of which this matches the output of a listener (or performer, or whoever) constitutes the criterion of its success. […] The second strand […] is predicated on linguistic concepts, making explicit the notion of musical ‘language’ and aiming to formulate grammars of such languages”146 (MARSDEN, POPLE 1989). “The acoustic signal, as perceived by the listener, may be regarded as a ‘lowest-level language’ representation of musical information. A representation in terms of which notes are played by which instruments, that is, a decomposition of this information into partbooks, may be said to constitute a ‘machine language’ representation of the information, given that we may provide the definition of the appropriate ‘machine’ (i.e. music processor)”147 (SMOLIAR 1980). Há então uma vultuosa profusão de “programas de computador que pensam música” na literatura relevante, que sempre envolvem de alguma forma evidências cognitivas. Certamente que tal definição oferece pouca especificidade inicial às possibilidades de uma inteligência artificial (computacional) em Música, e assim, é bastante grande a variedade de possíveis caminhos distintos para pesquisa (cf. HÖRNEL ET ALL S.D.). Mas será factível e vantajoso apontar para similaridades e crenças comuns em grande parte da produção contemporânea, dentro da qual pode-se selecionar exemplos representativos (WINOGRAD 1968; SMOLIAR 1974; SMOLIAR 1980; LONGUET-HIGGINS 1987; MARSDEN, POPLE 1989; CAMILLERI, CARRERAS, DURANTI 1990; ROWE 1993; MARSDEN 1998; etc.). Programas de pesquisa como estes, grosso modo, podem ser descritos como procedimentos automáticos de análise e/ou produção de obras musicais, a partir de regras explícitas. Nesse caso, as regras de categorização dos objetos sonoros se confundem com as próprias propriedades de segmentação do material sonoro, apresentadas de acordo com esquemas recursivos e transformacionais nos moldes da tradição linguística chomskyana (principalmente fonológica). É assim que a inteligência artificial musical apresenta múltiplas possibilidades de representação do objeto musical usada como dados de entrada para análise, desde sua materialidade sonora, acústica, até uma simples “emulação” do conteúdo simbólico das partituras tradicionais em termos de linguagem de computador. O algoritmo musical pode se confundir não só com uma “gramática” dos elementos musicais (tomada na maior parte das vezes como um processo invariável, necessário e universal), mas com todas as consequências de uma postulação necessária e invariável para os fenômenos linguísticos, mentais ou simplesmente cognitivos. Apesar de em vários momentos serem distinguidas diferenças como a entre escuta e composição musicais, a atividade musical, nas múltiplas categorias modais inerentes aos fenômenos sonoros (ritmo, harmonia, sequências melódicas etc.), é tratada como um processo de inferência de categorias sonoras, representável por diversos exemplos de fluxogramas, ou de diagramas de processamento mental ou simplesmente racional, implementáveis como programas informatizados (Figura 14). Figura 14 – exemplos de “fluxogramas” de programas computacionais que representam atividades cognitivas em música: A) diagrama de processamento do programa de extração de padrões de uma partitura musical, o LIMID: “A representação computacional da partitura é lida sucessivamente por diferentes partes do programa no processo de estabelecimento de relações internas, e de relações com informação codificada previamente em tabelas” (DYDO 1983); B) diagrama de uma “estrutura de controle” do processo de escuta musical, baseado em programas de reconhecimento de fala (SOK= “source of knowledge”, “fonte de conhecimento”): “unidades alinhadas horizontalmente conectadas por flechas funcionam essencialmente como co-rotinas. Unidades na mesma linha horizontal não conectadas funcionam como processos paralelos. [...] Finalmente, as flechas verticais indicam a ‘propagação da informação’ por todo o sistema” (SMOLIAR 1980); C) diagrama indicando relações entre o representante computacional do “ouvinte” e o do “executante”, no banco de dados do programa CYPHER (ROWE 1993). É claro, uma abordagem computacional não torna natural, por si só, o envolvimento de postulações linguísticas ou mesmo uma interdisciplinaridade entre música e Linguística (afinal, a metáfora musical), e assim podem ser contraditórios e por vezes antagônicos os motivos e conclusões nesse sentido, em um campo que deveria se supor delimitado e coerente internamente, dada sua concepção e sua metodologia científicas. “[…] as the great body of scholarship on music theory shows, there is a set of quite specific structural (syntactic) rules governing most types of music, and a generative grammar would provide a neat and useful way of expressing them”148 (WINOGRAD 1968). “We must say that music is no more similar to language than any other object in the world, and the only valid relations we can expect to find are those of contiguity”149 (DYDO 1983; grifo do autor). Para além de uma mera condição formal ou algorítmica geral para o processamento musical, a noção de regra pode, em vários exemplos relevantes (YAKO 1997; CHOUVEL 1993; DESAIN, HONING 1999; etc.) ultrapassar uma função auxiliar dentro de uma cognição “computacional” em música, e se firmar como constituinte elementar da própria ontologia musical; em outras palavras, dentro de sistemas como estes, as regras computacionais podem ser não apenas uma “maneira” de processamento cognitivo dos fenômenos musicais, mas sim sua própria razão de existência. O caráter hierárquico dos processos cognitivos (em grande parte, identificados com princípios da percepção auditiva) criaria “instâncias” em cujo cerne estaria o funcionamento de uma proposição coercitiva (uma regra). Cada instância define por sua vez uma “ambientação” não meramente formal, mas de constituição do fenômeno musical; este poderia, portanto, ser descrito como uma cadeia hierárquica de “presentes” temporais e sonoros (da nota, do ritmo, da função harmônica, da estrutura melódica etc.), de momentos passíveis de investigação racional, cada um deles definível pelo funcionamento de uma regra, de forma similar a uma “fenomenologia do tempo” dada por HUSSERL através dos conceitos de propensão e retenção. Regras mais primitivas entram também na constituição das instâncias superiores; regras superiores na hierarquia cognitiva, por sua vez, dão origem a instâncias cada vez mais abstratas e menos dependentes de um contexto real, material; seriam inscrições de um “passado” ou uma “memória” fenomenológica (Figura 15). Dentro das práticas musicais costumeiras, o caráter cíclico da aplicação dos vários níveis hierárquicos de regras é bastante valorizado, de acordo com evidências de psicologia cognitiva (LERDAHL, JACKENDOFF 1983A; POVEL, ESSENS 1985; PALMER, KRUMHANSL 1990). Figura 15 – Representação do funcionamento das diferentes “instâncias” cognitivas (S1 S4), cada uma das quais constituindo uma nova “regra cognitiva” (um “presente” ou um “espaço” musicais) e cada uma das quais contendo a instância superior (através do sinal ) (YAKO 1997). “A musical work memorize past notes. This means that a work is recognized by retaining notes in the mind through perception”150. […] “Essentially, the irreversibility of time is dissolved, and a phenomenon is represented and recognized spatially […]; the higher the stratum and therefore the more knowledge-dependent the rules are, the more arbitrary they become because they are freed from perception and can be structured artificially”151 (YAKO 1997). Assim, o funcionamento da regra dentro dos fenômenos musicais implica na noção de memória linear e cumulativa dos “presentes” temporais criados no transcorrer da música (ou do funcionamento da regra) , como principal forma conceitual de relacionamento entre a matemática musical e a cognição musical. Tal como no Capítulo IV, a tradução espacial (em termos de escrita, ou de um armazenamento linear como o da memória do computador) dos objetos temporais ocorridos na música é tomada como uma “memória”, tanto documental, quanto cognitiva, quanto especificamente computacional, implicando em diversas formas de relacionamento e de valorização destas instâncias entre si. Da mesma forma, variações dos patterns (padrões) das regras de constituição dos objetos (ou das “memórias” de presentes musicais) são tomadas como explicações cognitivas de variações estilísticas entre os diferentes gêneros e estilos em música. Em todo caso, trata-se do que pode ser descrito através de uma regra (de uma teoria musical), especialmente em termos algorítmicos ou computacionais. Ou seja, trata-se do quanto a teoria musical já oferece de lógico (ou funcional) em si mesma, em relação à constituição dos objetos musicais. “LONGUET-HIGGINS (1987) focuses on how the way a simple melody is notated reflects the data structure we’ve already built in our mind for describing it”152 (SCHWANAUER, LEVITT 1993). “The piano roll, taken by itself, is a metaprocess, that is, a description of a process. […] Another basic example of a metaprocess is a musical score” 153 (SMOLIAR 1974; grifo do autor). O cerne e o ponto mais avançado das questões envolvidas em uma inteligência artificial em música, portanto, pode ser finalmente apontado na obra de Otto LASKE (1977; LASKE 1980; LASKE 1991). Baseando-se na obra pioneira de KUNST (1978), sobre a relação entre música e lógica (matemática ou formal), uma busca “formal” (LASKE 1980) e “epistemológica” (LASKE 1991) pela constituição cognitiva dos objetos musicais recusa um simples formalismo sígnico, de “notas” (o exemplo citado por ele é NARMOUR 1977), para desenvolver uma descrição “sonológica” do conhecimento e da compreensão musicais. Em Laske, é o próprio processo de investigação do continuum sonoro, por parte do ouvinte, que é colocado em debate científico; a escuta é apresentada como um processo de “resolução de quebra-cabeças” (“listening process as a puzzle solving”), um “caminhar em um labirinto” (“listening is a walk through a labyrinth”), onde o estado atual de processamento musical deve ser inferido através da somatória de todos os estados de inferência anteriores. É o surgimento de uma “pragmática formal” da percepção musical, funcionando através de instâncias de inferência explícitas e formais, e que vai além de uma mera oposição interdisciplinar (onde o objeto musical e o objeto linguístico são diretamente confrontados) para propor uma “gramática gerativa” dos objetos sonoros, que toma a conceituação chomskyana como princípio geral de funcionamento cognitivo (ao menos, da categorização na percepção sonora). “LASKE regards semantic processing as a matter of reconstruction. That is, a listener who perceives a musical event may be said to ‘understand’ that event if he is capable of specifying how it may be reproduced”154 (SMOLIAR 1980). “A musical experience, in terms of pragmatics, is the total of all current pasts a listener has constructed during a listening situation”155 […] “We suggest […] that musical processing be viewed as involving a relatively small data base formed by high-level perceptual primitives, and that it be assumed that an involved performance program is operating upon that data base. This procedural view of music-analysis problem has a methodological advantage in that one is able to shed light on the use of conceptual frameworks used in music analysis instead of treating such frameworks uncritically, as given, or viewing them ideologically”156 (LASKE 1980). Ao que pode ser inferido de diversas fontes bibliográficas (ex. HÖRNEL ET ALL S.D., ou os títulos de artigos de periódicos como Journal of New Music Research, Interface, Computer Music Journal), formas de apropriação de sistemas computacionais mais lineares aplicadas à música — usadas para interesses variados como a análise melódica (SMOLIAR 1974; LONGUET-HIGGINS 1987; CAMILLERI, CARRERAS, DURANTI 1990) e etnológica (KIPPEN 1989), a composição (DELIO 1991) e a performance musicais, com exemplos nos mais diferentes estilos (ULRICH 1977) — parecem estar perdendo sua força conceitual dentro dos estudos do campo cognitivo, independentemente de sua adequação a modelos teóricos lógico-cognitivos como o de Lerdahl & Jackendoff. Mais do que explicar uma relação causal entre música e lógica, a inteligência artificial tradicional em música toma tal relação como necessária ou pré-concebida; mais do que fornecer bases cognitivas para a teoria musical vigente, tais linhas de pesquisa prescindem, na maior parte das vezes, de uma formulação anterior. “Are we searching for hard facts — indeed objective truths — about music and the musical mind, or do we instead say as much about the workings of our own minds by being the interpreters of information? After all, we program our computers to do what we want them to do, and we thereby determine the nature of much of the information we require of our experiments”157 (KIPPEN 1992). “There are limitations on the serial-computer approach, for it has become increasingly evident that transduction of the early stages of perception are fundamental and massively parallel in nature. The serial computer metaphor, therefore, is gradually been dropped for the brain metaphor. The study of intelligence, then, has to be described not only in terms of ‘artificial’ intelligence, but in terms of ‘natural’ intelligence as well, and brain sciences and the neurobiological approach are guiding tools in providing an empirical basis for studying human intelligence.”158 (REYBROUCK 1989). Ao mesmo tempo, o fundamental não seria o modo de funcionamento específico dos processos cognitivos (ou seu resultado material), mas a maneira como eles podem servir de base para postulações causais. É dessa forma que Fodor, por exemplo, também descarta completamente qualquer tipo de metodologia de “simulação” de comportamentos ou processos racionais por programas de computador. As simulações computacionais de tarefas ou atividades tipicamente humanas não podem, de acordo com ele, dizer nada sobre os mecanismos causais que originam os processos mentais. O máximo que podem fazer é demonstrar o funcionamento de sua própria lógica computacional interna, já advinda da aplicação dos princípios de engenharia tecnológica. Os produtos da racionalidade não podem ser tomados como explicação direta de suas causas; Fodor é taxativo em afirmar o “fracasso da inteligência artificial” enquanto metodologia cognitiva (BEUTKE 2001; GREEN 1996). “The machine language [of computers] differs form the input/output language in that its formulae correspond directly to computationally relevant physical states and operations of the machine. The physics of the machine thus guarantees that the sequences of states and operations it run through in the course of its computations respect the semantic constraints on formulae in its internal language. What takes the place of a truth definition for the machine language is simply the engineering principles which guarantee this correspondence” 159 (FODOR 1975). “I don't think you do the science of complex phenomena by attempting to model gross observable variance. Physics, for example, is not the attempt to construct a machine that would be indistinguishable from the real world for the length of a conversation. We do not think of Disneyland as a major scientific achievement”160 (FODOR 1991; grifo do autor). Para além de uma simulação de caráter funcional, que repita os resultados esperáveis para fenômenos musicais (ou humanos, de uma forma geral), a proposição de uma racionalidade mecânica e automática (formal, lógica, material) para o comportamento musical deve tender a propor uma gênese teórica própria, uma anterioridade de funcionamento dos fenômenos musicais à sua representação especificamente humana ou social. No desenvolvimento histórico de vários tipos de “máquinas pensantes”, de comportamento autônomo e adaptável (e não simplesmente programas computacionais, proposições ou “instruções” lógicas), desde as “máquinas de jogar xadrez” dos séc. XVIII e XIX (embora quase sempre “engodos” científicos) até as “teorias dos autômatos” e “teorias das decisões” (desenvolvidas no séc. XX por matemáticos como Von Neumman e Ashby — DUPUY 1996), as imagens de uma mecanicidade natural do comportamento humano que se sobressaem parecem ser representáveis pela idéia de um organismo fabricado (ou um robô), de funcionamento autônomo e regulado, posto num ambiente interativo do qual pode não apenas extrair dados mas também tomar decisões e executar ações; a criação de uma “máquina de pensar” (ou de sentir) como esta dá origem por sua vez a uma “epistemologia sintética” (“synthetic epistemology” — BLANCHARD 1999). Num relevante exemplo atual voltado para problemas musicais, é dessa forma que o projeto chamado de Roboser, desenvolvido numa parceria do Núcleo Interdisciplinar de Comunicação Sonora (Universidade Estadual de Campinas — São Paulo) com o Instituto de NeuroInformática (Zurique — Suíça), pretende aplicar algoritmos computacionais simuladores de processamento sensorial como modelos composicionais de música. Um sistema robótico dotado de movimentos e livre num ambiente a ser explorado, acoplado a sensores de luz, som, “táteis” etc., utiliza o resultado de suas rotinas programadas de processamento sensorial, baseadas no funcionamento neuronal ou cerebral (e por isso identificáveis também com acepções conexionistas de funcionamento cerebral, a serem descritas neste capítulo), como geradores de entrada de dados para algoritmos de composição de trechos musicais; os diferentes dados criados pelo programa de processamento “perceptual” do robô são usados como input de processamento e produção de objetos especificamente musicais (alturas, durações, intensidades etc.). O resultado é um sistema autônomo que transforma, ou melhor, que interpreta dados do ambiente circundante em termos musicais. “O robô, ao movimentar-se, mede a variação da luz e a proximidade de obstáculos. Na presença de intensidade luminosa, aproxima-se da fonte de luz. Na proximidade de obstáculos, afasta-se deles. Esta combinação de estímulo e movimento modifica o padrão sonoro executado ao vivo pelo computador. A sucessão de eventos musicais gera uma pequena improvisação que reflete a exploração do meio ambiente feita pelo Roboser” (MANZOLLI 2001A). “Roboser creates music based on the experiences and ‘emotions’ of a mobile robot as it explores its environment.”161 (BERNARDELLI 1999). De início, o projeto do Roboser se enquadra de modo apenas indireto nas questões discutidas no momento. Em seu aspecto de realização ou “performático”, o projeto representaria uma aplicação composicional de princípios matemáticos, de uma forma que permite um sistema musical altamente interativo e autodeterminado; nesse caso, o robô seria apenas uma ferramenta “cibernética”, instrumental, para a formação de um novo tipo de manifestação musical, oferecendo novas possibilidades estilísticas e práticas. Na verdade, é desta forma que ele tem sido geralmente apresentado (cf. WASSERMAN 2001); tanto o êxito quanto implicações estéticas ou “performáticas” de tal “ferramenta cibernética”, e de suas relações com ambientes interativos envolvendo, por exemplo, a dança (que fazem parte de um dos projetos de pesquisa propostos para o Roboser), escapam totalmente do âmbito do presente trabalho. Para além da interatividade com o ambiente e com outros “organismos” (robóticos, humanos etc.) que o experimento oferece, o ponto de interesse especificamente cognitivo é a própria forma de tradução, em termos musicais, dos dados sensoriais do sistema. O processamento “cognitivo” do robô (seu “cérebro”) se baseia em algoritmos matemáticos de inferência e categorização do material (dos “dados”) dos sensores eletrônicos; os dados gerados por este “cérebro eletrônico” alimentam um outro algoritmo, o composicional, devidamente apresentado como uma aplicação da “regra que transforma uma trajetória numérica numa sequência de notas”(“rule that transforms a numerical trajectory in a sequence of pitches” — MANZOLLI, MAIA JR 1995). Em certa medida, ambos os sistemas também lançam mão de uma objetividade ou de um certo funcionalismo prático para o controle de suas realizações. Enquanto o sistema “sensorial” cuida da exploração e categorização do ambiente, bem como da auto-preservação do robô, de acordo com padrões de “inferência” bem específicos, o algoritmo composicional se utiliza das categorias musicais pré-definidas ou “outorgadas” (notas, ritmos etc.) para apresentar como musicais os resultados desta mesma exploração e categorização. Em termos teóricos, o experimento tem validade científica conforme consiga simular regras e “rotinas” comuns à cognição humana, tanto para a percepção do ambiente quanto para sua influência na produção de obra musicais. Como possibilidade especificamente composicional, é digno de nota o distanciamento estilístico das performances do robô em relação tanto a um padrão musical mais tradicional, tonal, quanto a modelos analíticos de percepção musical, como o de Lerdahl & Jackendoff. De fato, a possibilidade do robô desenvolver gradativamente um “esquema” pré-definido tanto de processamento sensorial quanto de procedimentos musicais (em algo identificável com uma “memória de longo prazo” humana, criando um “repertório de improvisação” para o robô) está entre os interesses futuros dos projeto (MANZOLLI 2001B). Como contribuição a uma concepção cognitivista em música, porém, os avançados resultados da atividade do robô podem ser relativizados, na medida em que a própria definição de uma instância musical, a partir da qual seriam determinados os objetos musicais, é de certa forma ignorada, e em que o resultado último pode ser tratado, afinal, como tendo características não especificamente “cognitivas” ou “musicais”, mas mais propriamente estilísticas. O que se cria, assim, é não só um paradigma computacional para a composição musical, como também um paradigma composicional para os fenômenos musicais; dessa forma, o próprio diagrama de um modelo de “ciclo criativo” no processo de composição musical, proposto por Laske (LASKE 1991, no Capítulo III), deveria ser aplicável à produção do robô. As concepções envolvidas na interatividade do Roboser (em termos como “comunicação”, “emoção”, “cérebro”) tenderiam então não apenas a “antropomorfizar” a atividade computacional do sistema, mas também a indicar os próprios processos comunicativos e emocionais humanos (e musicais) também como processos “automáticos”, constituídos pela transdução automática de estímulos externos perceptuais, ou decorrentes de auto-organização (cf. com a “informação como grandeza física” citada por DUPUY 1996). De fato, parecem ser tais acepções que permitem a postulação da “Auto-organização como um paradigma composicional” (MANZOLLI 1995); o ambiente, antes de ser uma instância fundante de uma ontologia musical, é uma “influência” ao processo musical criativo já pré-estabelecido (auto-organizado), imbutido na transformação dos dados de análise do robô. Sendo ou não o resultado de uma interação com o ambiente, as variáveis que afetam a produção musical são descritas e organizadas de acordo com o programa computacional (as instruções que o descrevem e o controlam), e não afetam sua instância, sua definição — outra possível faceta da metáfora musical. “A composição sofre influências ambientais que fazem com que cada processo criativo seja único. Assim, a produção musical é extremamente sensível a condições iniciais e há muitas componentes no processo desconhecidas para o músico. Para adaptar-se a estas mudanças, o compositor norteia-se por Ciclos Criativos. Grande parte do método composicional está baseado em tentativa e erro” (MANZOLLI 1995). “Dada a sua concepção funcionalista do mental, segundo a qual o facto de um sistema físico ter mente consiste na realização por esse sistema físico de uma determinada organização funcional, Dennett considera que não existe nenhuma diferença essencial entre a inteligência natural e a inteligência artificial” (MIGUENS S.D.). Conexionismo e cognição musical Para além de um comportamento linear (ainda que autônomo) dos fenômenos musicais, estes também podem ser modelados através de métodos em paralelo, ou em rede. Em primeiro lugar, numa “rede” de inter-relações inferenciais entre objetos musicais, ou mesmo “sonológicos”, da simples categorização dos conteúdos auditivos da acepção de Laske; ou seja, na apresentação da escuta como um processo não-linear, recorrente (ou recursivo), dinâmico e hierárquico. Assim, um modelo paralelo de processamento musical pode ser uma metodologia, antes de especificamente um mecanismo, tal como no artigo seminal de Marc LEMAN (1985), “Dynamical-Hierarchical Networks as Perceptual Memory Representations of Music”. Num desenvolvimento alternativo da “pragmática formal” de Laske e Kunst, apresentada acima, Leman rejeita uma “sintaxe musical” de forte caráter linear (como em Laske, ou por exemplo na teoria gerativa de LERDAHL & JACKENDOFF) em favor de uma representação computacional da memória na qual unidades estruturais (Structural Units) musicais formariam múltiplas relações (de semelhança, de causalidade, de variação etc.) entre si e suas qualidades (qualitative predicates), formalizadas em termos de proposições lógicas bivalentes e dinamizadas através de processos de inferência (inference) do material sonoro; num resultado multidimensional, estratificável e dinâmico, aberto a interpretações variáveis do mesmo sinal sonoro (Figura 16). “Dynamic-hierarchical networks are perceptual representations of musical listening processes and are characterised by organised and hierarchised data-structures comprising several levels”162. “It is necessary to look at them [(the inferences)] in more detail because they are the core of the dynamics of every listening activity”163 (LEMAN 1985). Figura 16 – exemplos de estruturas dinâmicas no modelamento em paralelo da “inferência” de um trecho musical (DEBUSSY — SYRINX). O nível “sonológico”, puramente auditivo, possibilita inferências (indicadas como linhas pontilhadas) de representações musicais, em termos de unidades estruturais (Structural Units, ou SUs — indicadas com retângulos). “O símbolo ‘ ’ mostra uma relação entre SUa e SUb“ (LEMAN 1985). (Sarah Bassingtwaithe, fl. - https://www.youtube.com/watch?v=b-9xGnbBHMI) O artigo de Leman, com unidades complexamente inter-relacionadas e formando um todo fechado, introduz um modelo eminentemente estruturalista para o processamento musical, ou mais especificamente semântico, de sentido dado dentro do funcionamento global de um sistema (da teoria musical), ao contrário da importância da ordem linear, sintática, mais comum nas abordagens analíticas ou simbólicas (ver Capítulo IV). De fato, uma grande parte da terminologia adotada por ele para as questões pertinentes tem origem linguística, identificando a música com uma “linguagem” específica cujas premissas cognitivas são mais uma vez explicitamente enraizadas em princípios psicológicos da Gestalt (ver Capítulo III). Mais do que um modelo metodológico, a linguagem verbal é descrita como parte ativa na própria constituição das unidades estruturais em música, sob a forma de conceitos e propriedades definidos explicitamente, formalmente, e identificados com uma “memória de longo prazo” (“long term memory”) de caráter tanto internalista (psicológico), quanto mais especificamente socio-cultural, de definição a partir das práticas musicais corriqueiras. Assim, seria através da linguagem, da possibilidade de conceituação ou de compartilhamento de informação, que tornariam-se possíveis os próprios fenômenos musicais; e nesse caso os processos cognitivos primários (gestálticos), clamados como “condição sine qua non da audição” e como premissa teórica para a postulação de uma cognição especificamente musical, são paradoxalmente confrontados com uma situação na qual é o conceito verbal, semântico, denotativo, que configura suas propriedades. “We therefore could state the following: to the extent that music corresponds with natural language, there will be similarities between their respective representation formalisms”164 […] “The idea that verbal predicates are tagged to Strucutral Units is essencial for a theory of musical information processing. It enables us to explain the fact that listeners communicate with other listeners about music, it enables us to give a verbal description about the music we have heard” 165 (LEMAN 1985; grifo do autor). “[For Leman], meaning emerges when relationships are perceived between musical events that are embedded in musical structures. His specific term for this kind of meaning is tone semantics, defined as ‘an example of meaning formation at a non-symbolic level’ that depends on ‘context-sensitive similarity relationships”166 (PARNCUTT 1998; grifo do autor). O artigo de Leman situa-se num momento histórico e metodológico anterior ao grande fomento científico dado a modelos de redes de processadores interligados em paralelo, nos anos 1980, principalmente a partir da publicação de Parallel Distributed Processing (RUMELHART, MCCLELLAND 1986). Este tratado introduziu novos algoritmos matemáticos para operações em paralelo e deu grande impulso a linhas de pesquisa propriamente conexionistas, ou de desenvolvimento de sistemas envolvendo redes neurais, cujos reflexos no campo musical podem ser inicialmente exemplificados, ao que tudo indica, pelo seminal Music and Connectionism (TODD, LOY 1990). As próprias origens da história do conexionismo têm precursores preocupados com a percepção auditiva e musical-cognitiva (ex. PITTS, MCCULLOCH 1947), e o atual estudo da aplicação de redes neurais em música é mais recente, tão variado e tão fecundo quanto as aplicações de uma inteligência artificial mais ortodoxa e linear; há pesquisas em áreas como composição musical artificial, ritmo musical, estilística, improvisação, audição, localização no espaço, percepção de timbre, neuropsicologia, pulsação do swing em jazz, análise e criação harmônicas (tonais), leitura de partituras, execução de instrumentos musicais etc. (cf. GRIFFITH S.D.; HÖRNELL S.D.; SMITH S.D.). Já numa apropriação mecânica, lógica, e não simplesmente teórica (como no artigo de Leman) de um modelo em paralelo para as relações conceituais em música, os sistemas conexionistas concebem uma “arquitetura” computacional baseada epistemologicamente no funcionamento cerebral, ou mais especificamente neuronal (como já apresentado no Capítulo II). Ao invés de um único processador eletrônico alimentado linearmente com informações musicais traduzidas em linguagem de computador (como nos modelos da inteligência artificial tradicional), são definidas várias unidades de processamento interligadas entre si, influenciando-se mutuamente de acordo com o nível de sua atividade e a forma como estão inter-conectadas. É o comportamento coletivo do conjunto de cada uma das unidades de processamento que é considerado como “resultado” ou “resposta” do processamento da rede como um todo; assim, as redes não são apenas capazes de chegar a um resultado computacional efetivo de maneira similar à dos modelos computacionais seriais, só que a partir de uma estrutura alternativa à lógica proposicional tradicional; são capazes também de se adaptarem, livremente e sem uma pré-programação, a situações divergentes da tarefa estipulada inicialmente, permitindo considerar o funcionamento de tais redes como o de um verdadeiro autômato artificial. As possíveis variações entre os elementos constitutivos da rede (quantidade de unidades de processamento, forma de ligação entre elas, forma de apresentação computacional dos dados e das unidades que recebem estes dados etc.) dão origem a diferentes formatos utilizados atualmente de redes neurais (MEDLER 1998): há redes supervisionadas, nas quais é dada à rede um resultado de ativação como meta e, através de várias seções de “aprendizagem”, ou de apresentação consecutiva de dados, a rede acaba se configurando de forma a processar as informações de acordo com este “modelo”; há redes auto-organizadas (ou não supervisionadas), que não passam por um processo inicial de “aprendizagem” e são geralmente usadas como reconhecedoras de padrões (patterns) no sinal de entrada, com as unidades de saída formando um “mapa” de ativações simultâneas; há redes que seguem uma teoria de ressonância adaptativa (Adaptative Ressonance Theory — ART), nas quais a informação de entrada é comparada com vários padrões pré-estabelecidos (comparáveis ao papel de uma memória de longo prazo nos processos cognitivos), podendo ser identificada como um destes padrões ou, caso contrário, criar um novo padrão independente, também armazenável; etc. As arquiteturas de rede neural utilizadas em pesquisas musicais são bem variadas, mas com uma tendência a utilizar redes auto-organizadas ou não-supervisionadas, especialmente nos processos que exigem não uma reação "passiva" à entrada de dados, mas uma "ativa", que crie diferentes respostas a novas situações. Os trabalhos de KOHONEN (1984) e GROSSBERG (1982), relativos à arquitetura deste tipo de rede conexionista, são bastante citados. Estes autores têm inclusive suas próprias contribuições para a área (GOVINDARAJAN, GROSSBERG, WYSE, COHEN 1994; KOHONEN 1989). Na representação da apresentação temporal ou sequencial de dados dentro do processamento das redes, fundamental no aspecto temporal em música, o modelo mais adotado parece ter sido em grande parte a arquitetura atribuída a JORDAN (1986), na qual algumas unidades armazenam o estado das unidades de saída no processo anterior de computação, ou de ativação das unidades. De acordo com TODD (1989A), as características típicas desta arquitetura, com unidades de "contexto" copiadas das unidades de saída do processamento anterior, são mais passíveis de uma interpretação cognitiva e musical que as criadas por unidades “escondidas” (hidden), que não apresentam dados visíveis ao observador externo à rede e participam apenas do processo de computação, como por exemplo na arquitetura conferida por ELMAN (1990) (Figura 17). “In networks employing hidden units and a learning algorithm, the hidden units develop internal representations for the input patterns which recode those patterns in a way which enables the network to produce the correct output for a given input. In the present architecture, the context units remember the previous internal state. […] Thus, the internal representations that develop are sensitive to temporal context; the effect of time is implicit in these internal states. Note, however, that these representations of temporal context need not be literal. They represent a memory which is highly task and stimulus-dependent” 167 (ELMAN 1990). Se o conexionismo representa um novo paradigma dentro dos estudos nas ciências cognitivas, ele o faz na medida em que pode trazer novos paradigmas para a forma como conhecemos, categorizamos e reagimos ao ambiente e ao mundo. Os conceitos simbólicos, a ordem de sequências de eventos cognitivos, as inferências de sentido — categorias, antes de tudo, passível de tradução conceitual nas categorias linguísticas (semântica, sintaxe, pragmática etc.) — não são mais demonstrados através de proposições matemáticas, lógicas ou meramente gramaticais, mas na emergência de uma dinâmica própria, definida e de certa forma auto-determinada, que não depende nem da intenção pessoal, humana, nem da regra coercitiva funcionando em termos estruturais. Diga-se de passagem, foi justamente a partir de concepções novas e pouco ortodoxas para os objetos e os processo linguísticos que a reputação dos modelos conexionistas adquiriu novo ímpeto (cf. COPELAND 2000). Figura 17 – exemplos de arquitetura de redes neurais de processamento sequencial, ou temporal: a) rede de Jordan; "JORDAN (1986) descreve uma rede contendo conexões recursivas usadas para associar um modelo estático (um 'plano' - 'plan') com um padrão de saída ordenado sequencialmente (uma sequiência de 'ações'). As conexões recorrentes permitem às unidades ocultas da rede ('hidden') utilizar o resultado da computação anterior da rede, de forma que o comportamento subsequente pode ser modelado pelas respostas prévias do processo de computação". b) rede de Elman; "[As unidades de contexto] também estão ‘ocultas', na medida em que interagem exclusivamente com outras unidades internas à rede, e não diretamente com o mundo externo" (ELMAN 1990). “[In this view], representations are not abstract symbols but rather regions of state space. Rules are not operations on symbols but rather embedded in the dynamics of the system, a dynamics which permits movement from certain regions to others while making other transitions difficult. [...] I suggest that the nature of the rules may be different than what we have conceived them to be”168 (ELMAN 1990). “Linguistic representations emerge as a function of the interplay among several factors, including the physical components of the human brain that are active during language processing (and their characteristic manner of processing information), the tasks such components are engaged in, and characteristics of the language signals to which they are exposed, particularly their statistical aspects. This view has arisen contemporaneously with and partly as a consequence of connectionism, which has provided novel views of both the nature of mental representation and the ways in which such representations might be learned”169 (ALLEN, SEIDENBERG 1999). Entretanto, muitas das aplicações de processamento de redes neurais no campo musical baseiam-se, num número considerável de vezes, numa apresentação de eventos musicais estabelecidos (notas, ritmos etc.) diretamente como unidades de entrada ou de processamento da rede e de suas unidades. É o que permite reduzir acepções de modelos conexionistas em música grosso modo a operações computacionais sobre representações musicais — ou seja, a música já está transformada em signo musical antes do processamento da rede neural, na própria apresentação do problema (Figura 18), o que reduz significativamente o valor de um tal sistema como causa cognitiva (ou como possível solução para uma metáfora musical). A propósito, tem sido um forte argumento de crítica a muitas empreitadas conexionistas em geral a forma como a representação simbólica ou processual “emanaria” do funcionamento da rede, ou estaria ao contrário embutida já em sua arquitetura, na apresentação de dados a ela etc. (cf. ALBANO 1990; ver Capítulo II). Há um limite teórico, tênue e geralmente ignorado, entre o funcionamento das redes e o real funcionamento dos processos neuronais, ou mesmo individuais, permitindo um intercâmbio teórico mais ou menos livre entre “o que a rede faz ou aprende”, “o que o cérebro pode fazer ou aprender” e “como nós (ou, por exemplo, crianças) fazemos ou aprendemos coisas” (ex. ELMAN 1993; ROHDE, PLAUT 1999). No terreno musical, as pesquisas em conexionismo divergem entre si muito mais nos tipos de arquitetura neuronal aplicadas, do que propriamente no tipo de objeto musical ao qual elas são dedicadas, reprodução por sua vez, em grande parte, do conteúdo do sistema musical vigente ou das práticas musicais estabelecidas. As redes simulariam relações entre signos musicais, e estariam portanto ligadas a processamento combinatório de alto nível cognitivo, e suas propriedades não representariam, de maneira direta e natural, as propriedades “subsimbólicas” dos sistemas neuronais ou cerebrais concretos, envolvidos no processamento mental em música; então, poderiam ser consideradas uma outra forma de antropomorfização (de naturalização científica) de um sistema computacional e de um sistema musical, de onde “emanam” relações entre signos pré-determinadas pelas próprias práticas musicais. A partir daí, é razoável esperar a ratificação e adequação, por exemplo, a modelos cognitivos de caráter mais semiótico ou semiológico, de “objetos musicais”, como os apresentados no Capítulo IV, sejam especificamente notas e termos da teoria musical (SCARBOROUGH, MILLER, JONES 1989; TODD 1989A; etc.), seja outros elementos convencionais determinados pela tradição musical (GJERDINGEN 1989), identificáveis também com a acepção “semântica” de LEMAN (1985). Figura 18 – exemplos de arquitetura de redes neurais de processamento musical: a) rede de classificação de tipos de acordes (“chord type” — combinações triádicas de notas) a partir da ativação de representações de alturas musicais (LADEN, KEEFE 1989); b) rede de classificação de acordes, tonalidades (“key”; “major mode” — tonalidade maior) e funções harmônicas (relações entre classes de alturas musicais — tônica, subdominante, dominante) a partir da ativação de representações de alturas musicais (“pich class”) — “o diagrama mostra, por exemplo, que ao nível nos processadores de tonalidade (‘key node level’), a unidade de ativação do maior (C major) é ativada pelos acorde de do maior (tônica), fa maior (subdominante) e sol maior (dominante)” (SCARBOROUGH, MILLER, JONES 1989); c) “Uma rede sequencial de n elementos capaz de aprender a produzir uma sequência de notas, usando uma memória das notas já produzidas. Esta memória é fornecida pelas conexões de realimentação da informação de saída (‘feedback’)” (TODD 1989). Mesmo redes mais ligadas a um modelamento da percepção acústica ou auditiva — como a percepção dos harmônicos sonoros e de seu papel nas estruturas da harmonia tradicional (LADEN, KEEFE 1989) ou a projeção conexionista do funcionamento das fibras nervosas do ouvido interno, para unidades de saída representando as alturas musicais (SANO, JENKINS 1989) — podem ser reduzidas muitas vezes à formalização (complexa) das relações entre elementos do sistema musical tradicional. Acima de tudo, o sistema musical (e o resultado experimental) são de certa forma apresentados sem prévia discussão como “naturais”, como emanados de um sistema (ou talvez de uma “musicalidade” disseminada) já auto-determinado por sua própria constituição. O que permite, mais uma vez (cf. Capítulo II), identificar modelos conexionistas com teorias-limite acerca do fisicalismo e do trans-humanismo dos processos cognitivos, que seriam manifestações de relações já atuantes nas propriedades físicas que lhe seriam próprias. Se a representação musical e as redes conexionista são tomadas como modelo do processamento cognitivo e individual, o que se tem como resultado não é apenas uma “máquina de Turing” capaz de imaginar (e não apenas reproduzir) melodias, mas principalmente a mecanização do sistema musical como princípio implícito de definição de uma ontologia (de uma sub-representação a nível computacional) da música. O sistema representacional tomado como o objeto em si: a metáfora musical. “The network learns to put one melody at a point identified by the first plan, another melody at a point identified by the second plan, and so on for all the melodies and plans in the training set. When it is given intermediate (or extrapolated) plans, the network then indexes some new point in the melody space between (or beyond) the original melodies. Depending on the structure of the melody space constructed, different new melodies will be produced”170 (TODD 1989A). “Often we know what we like without really knowing exactly why we like it. In this case, a neural network approach is attractive. We can simply show the network examples of good and bad rhythms (telling it which are good and which are bad), and let it learn to mimic our judgments”171 (DOLSON 1989; grifo do autor). É certo que, para além do signo musical tomado como objeto científico (ou de simulação cognitiva), podem também ser encontrados modelos que se fundam peremptoriamente nos resultados de uma psicologia cognitiva (e também uma neuropsicologia) voltada para o processamento auditivo e para a música. De fato, não são poucas as teorias que procuram conjugar modelos conexionistas (do tipo bottom-up) e neuropsicológicos (do tipo top-down) sobre processos musicais e auditivos, seguindo de perto as premissas de um eliminalismo materialista (como já apresentado no Capítulo II) que busca na pesquisa científica uma causalidade explanatória para todas as características dos processos cognitivos, num todo integrado, ou, já no campo musical, numa musicologia sistemática (ex. LEMAN 1989; LEMAN 1995; BAIRD 1997; etc.) que inter-relacione de maneira causal estruturas musicais com processos sonoros (ou auditivos). Por envolver definições de psicologia cognitiva e neuropsicologia, faz-se por bem no momento protelar a descrição de modelos como estes para o Capítulo VI. E também é certo que, afinal, não encontra-se definido atualmente o verdadeiro status epistemológico das redes neurais dentro das explicações acerca de nossos processos cognitivos. Seriam as redes neurais representantes do funcionamento cerebral, neuronal, ou de uma estrutura própria e auto-organizada dos objetos simbólicos? As redes conexionistas demonstrariam, por sua simples possibilidade de existência, propriedades subsimbólicas nos objetos aos quais são aplicadas? No caso musical, qual seria a variedade de possíveis redes neurais aceitáveis como modelo? Todas? Nesse caso, o que realmente estaria sendo testado? No caso inverso, isto é, da aplicação de processamento de uma mesma rede para conteúdos musicais culturalmente diversos (ex. BHARUCHA, KRUMHANSL 1983), a tendência é atribuir aos conteúdos musicais propriedades cognitivas não só especificamente musicais, mas gerais, universais (multimodais — CROSS 1999B), como a noção de níveis de expectativa ou de expectância (ver Capítulo VI), identificáveis com princípios de funcionamento da harmonia funcional (BHARUCHA, TODD 1989) ou da métrica rítmica (DESAIN, HONING 1989) — e também com postulações condizentes em outras áreas da cognição musical (ex. CROSS 1999B). A universalidade indicada nestes casos, é da “Música ela mesma”, ou do sistema, da teoria musical, de uma “probabilidade de eventos” estatística, ou coercitiva, de objetos musicais definidos? “No rules needed to be encoded for these patterns to emerge, they simply reflect the internalised of probability distributions through extended exposure to individual sequences”172 (BHARUCHA, TODD 1989). Sistemas interativos e cognição musical Nesse último caso, evidências de um comportamento musical de “expectâncias” disseminado nos processos cognitivos pode ser apontado, paradoxalmente, no seio de trabalhos ligados à Linguística. Grande parte das pesquisas engajadas pelos linguistas Robert PORT & Michel GASSER, por exemplo, concerne ao papel do ritmo na linguagem e na cognição de forma geral, e nos resultados de uma representação particular de sua natureza através de unidades de processamento ligadas em rede. Sua concepção baseia a estrutura cognitiva dos ritmos em proporções duracionais correspondentes a frações temporais simples de 2, 3, 4, tanto para linguagem (PORT, CUMMINS, GASSER 1996) quanto para música (PORT, ANDERSON 1989), implementáveis em termos de redes neurais através de um modelo simples e “elegante” formado com a associação de osciladores eletrônicos entre si, com apenas uma unidade comum tanto à entrada de dados (numa fase de percepção do ritmo) quanto à saída (numa fase de produção do ritmo). As conexões da rede irão controlar as formas pelas quais os pulsos de cada oscilador (e os presentes no sinal da unidade de entrada) se combinarão dentre si de acordo com relações de ajuste de fase (“phase coupling”), até estabilizarem-se num todo coerente e sincronizado (Figura 19). Figura 19 – diagrama de funcionamento de uma rede de percepção e produção de pulsações métricas, indicando a unidade de entrada e saída de sinal (“input-output unit”) e três osciladores interligados, cujos diâmetros representam a frequência de oscilação da unidade (GASSER, ECK, PORT 1997). O resultado é um sistema ao mesmo tempo extremamente simples e eficiente no reconhecimento e reprodução de sinais contendo pulsações métricas, e tolerante com variações locais (GASSER, ECK, PORT 1997). Um tal mecanismo de produção e percepção rítmica é gerado através de métodos bastante simples de inter-relação entre unidades “pulsantes”, dispensando uma concepção puramente formalista, normalista, da conceituação teórica dos fenômenos rítmicos. Para além de uma “regra de categorização”, computacional ou não, dos estímulos sonoros ou periódicos, os fenômenos rítmicos podem ser apresentados então como um processo de sincronização entre unidades pulsantes, como uma manifestação “mecânica universal do corpo humano, e não tenha nada a ver com uma cognição [apenas] linguística” ou apenas musical. De fato, outras formas de associação em rede entre unidades de osciladores (TODD, O’BOYLE, LEE 1999; BARBOSA 2001) baseiam-se em teorias motoras ou sensóreo-motoras funcionando no cerne de processos cognitivos, com por exemplo em uma Fonologia Articulatória (BROWMAN, GOLDSTEIN 1986). Contrapondo-se a uma representação baseada num sistema musical, os elementos rítmicos surgiriam da própria relação oscilatória ou periódica entre sequências de fenômenos, sejam musicais ou não (intencionais ou não, humanos ou não); a diluição das fronteiras entre música e Linguística se dá então sob a forma de mais uma teoria-limite de sua distinção epistemológica, mais um sistema dinâmico, auto-organizado, definido para além da objetividade normativa, metodológica e prescritiva da ciência. “When an adaptive oscillator is stimulated in a roughly periodic way, it could be said to ‘represent’ an estimate of input rate and should be able to ‘predict’ the next few phase zeros into the future”173. […] “If meter exists in the minds of speakers and listeners, it is not likely to take the form of a static description expressed in terms of perfect integer relationships as in musical notation. Meter is a skill, manifested as a particular mechanism, a means by which signals are processed, guided by underlying tendencies toward periodicity. […] This mechanism self-organizes to discover and reproduce the temporal regularities in the input.”174 (GASSER, ECK, PORT 1997). “The internal clock hypothesis says that cognitive systems have one oscillator that acts as a pacemaker which delivers regular beats to motor areas in the brain. This implies that all motor activities as breathing, walking, roaming, mastication and speaking would be timed by such a clock.”175 (BARBOSA 1998). Dessa forma, a proposição de sistemas dinâmicos em cognição musical deve ultrapassar a idéia de um organismo (identificável com um indivíduo) de onde emanam relações musicais, para considerar o próprio sistema musical como estabelecido em interações dinâmicas entre organismos ou indivíduos, através da apropriação de conceitos como o de agente. A aplicação de princípios de auto-organização em softwares de simulação de auto-reprodução biológica (os chamados autômatos celulares) pode ser usada por exemplo como base na criação de objetos musicais, de maneira similar à tradução “musical” da simulação cognitiva do Roboser, tal como na pesquisa de Eduardo Reck MIRANDA (1993). Os resultados, relevantes dentro da atual produção em música contemporânea, podem ser considerados “pragmáticos” (MIRANDA 2000), isto é, aceitáveis apenas na formulação de uma nova prática musical ou composicional (do pesquisador, não do autômato), da mesma forma que a análise do experimento robótico apresentada anteriormente; Miranda admite que “as técnicas de transferência do comportamento dos modelos para a música pareçam arbitrárias”, isto é, sem base para postulações causais de processos cognitivos (ou auto-organizados) em música. Por isso, as características dinâmicas do sistema interno de funcionamento do autômato (consideráveis como insuficientes na definição de uma instância musical auto-gerada) são transpostas posteriormente para um processo evolucionista, de um sistema informacional constituído por uma comunidade de agentes virtuais (computacionais) interagindo num processo auto-organizado, isto é, de “aumento do grau de complexidade” e estabilidade do sistema. Tal concepção, diga-se de passagem, é proveniente de experimentos em fonologia e inteligência artificial (DE BOER 1997), e os mesmos princípios que conduzem ao aparecimento, no seio destas “comunidades de agentes” em interação, de formantes vocálicos176 de frequências similares aos determinados na fonética, podem também possibilitar o surgimento de escalas de alturas musicais, ou de outros elementos e formas em música. Em outras palavras, uma interação livre, não-planejada, entre agentes compartilhando um mesmo campo de informações (ou de “cognições”) gerou por assim dizer “espontaneamente” (ou de maneira auto-organizada), tanto vogais quanto notas de uma escala musical, a partir do mesmo processo. Mais uma vez, tem-se aqui uma teoria-limite de caráter dinâmico na fronteira entre um comportamento linguístico e um comportamento musical. “Proponho que a música possa ser modelada como um sistema adaptativo de sons usados por um grupo de indivíduos (agentes distribuídos, no jargão das ciências da computação) empenhados em uma atividade musical coletiva. Alguns podem estar ouvindo os sons (‘audiência’) enquanto outros podem estar envolvidos no processo generativo (‘músicos’). Minha hipótese é de que formas musicais resultem da interação entre agentes que se empenham em atividades musicais. Este modelo pode ser comparado a uma sessão de improvisação musical onde pessoas que podem não se conhecer entram na roda e executam sons ou simplesmente ouvem” (MIRANDA 2000). O artigo de Miranda cita como base conceitual, entre outros, a noção de “jogos de linguagem” de WITTGENSTEIN (1953), na qual o paradigma de normatividade e formalismo internos (psicológicos), necessários e precisos entre os objetos linguísticos ou representacionais é substituído pela idéia de um sistema construído em relações de sentido entre sujeitos (intersubjetivas), externo (social), público, disseminado e dinâmico (ver Capítulo II). Assim, o conceito de agente pode ser então alçado de uma concepção computacional para poder ser enfim apresentado em um contexto cultural ou mais propriamente intersubjetivo, da relação entre um indivíduo e um sistema musical, de construção do sentido musical, onde o objeto não é dado como pré-estipulado; a atividade musical (composicional, performativa, fruitiva), antes de ser uma mera reprodução de um sistema cultural ou cognitivo (mesmo que concebido como complexo e dinâmico), estipularia limites e apontaria para direções de mudança deste sistema. Nestes termos, a atividade musical (ou mais precisamente a atividade composicional) pode ser considerada como o próprio modelo de atividade ou “prática” semiótica (ou cognitiva), numa inversão paradoxal das relações geralmente abarcadas por uma metáfora musical (como em CHOI 1996). Por sua vez, o programa (e a evidência cognitiva) computacional envolve a recriação de parte do sistema musical em sua elaboração e em suas práticas, o que permite concebê-lo afinal como uma ferramenta não só metodológica ou modelativa, mas incluindo sua dimensão cultural ou social, de interferência dinâmica na concepção atual dos signos e das atividades musicais. “Understanding that a project of composition has a history of interactivity between a composer and a system, we can regard this dynamical aspect as the mode of interactivity with the system. […] The composer may make an articulation in this complex environment by a composition of observations of the semiotic process. The recognition and ambiguities that occur may be said to be composed without a specification of universally recognized symbols as an ultimate reference. New information may become articulated in relation to the limits of knowing symbolic systems”177 (CHOI 1996). “Instead of trying to predict a performance of tabla drum music — a prediction made from a supposed comprehensive knowledge of all the rules inherent in a set of improvisatory procedures — [the program] modelled its own creative processes on limited sets of data. This data was drawn from actual performances, and may have represented only a fragment of the drum ‘language’ as a whole”178 (KIPPEN, BEL 1994). A última citação descreve parte da conceituação envolvida na concepção do Bol Processor, um software de análise e produção de dados musicais próprios da tradicional cultura percussiva da tabla, do norte da Índia. Esta prática musical, baseada numa “representação oral de sílabas onomatopaicas que representam as batidas da percussão” (KIPPEN, BEL 1994), apresenta muitas características dessemelhantes da representação musical (ou da notação musical) comumente utilizada como base de experimentos cognitivo-computacionais em música, colocando em discussão científica (e cognitiva) a influência da determinação cultural, procedimental ou pragmática, dos conteúdos musicais. As abordagens computacionais em cognição musical, quando colocadas num contexto cultural — ou, como na abordagem de KIPPEN (1992), mais especificamente etnológico, a ser tocado de perto no Capítulo VII —, não podem mais se resguardar em uma instância a-histórica e universalista (de acordo com o ideal científico), de seu papel na construção (por sua própria proposição) e na manutenção de uma teoria e de uma prática musical bem específicas, tomando tais instâncias como “universais” na medida em que estas próprias teorias e práticas são tomadas como tais (a metáfora musical). As instâncias formadoras, os conceitos técnico-musicais, os resultados e as consequências funcionais, estilísticas e históricas de tais abordagens devem co-participar da própria dinâmica de suas afirmações, por atuarem (de modo dinâmico) no complexo sistema cultural que denota os fenômenos musicais. A partir daí, o funcionalismo e o normalismo presentes em suas concepções podem ser então considerados para além de meros “produtos” despersonalizados da instituição científica, na medida em que influirão nas relações dinâmicas (e também sociais, ou sociológicas) entre as diferentes práticas musicais humanas — seja como ferramentas metodológicas, ou estilísticas, ou ideológicas. “The analytical process itself begins with the elaboration of statements about the music and its structure at a general level using techniques derived from the theory of formal languages, a development from Chomskian theory. These statements, presented in the form of a transformational/generative grammar, reflect both verbally articulated musical theory (for example, relating to the metric cycles in which pieces are set, the repertoire of strokes to be used, etc.) as well as non-articulated, intuitive knowledge gleaned from analyses of performances (feasible combinations of strokes, the counterbalancing of fixed and improvised material, etc.). Once entered as a knowledge base of formal rules, it is the grammar that modifies the behaviour of the computer. (Incidentally, there is no direct interaction between the analyst and the internal workings of the machine itself; that area of programming is left to a computer-scientist.)”179 (KIPPEN 1992). “The cognitive model suggested by discretization in computational theories is informed by an ideology of a transcendent signed. This is not to say that computational theories assume their real-world models are ideally accurate; rather, the computational theory assumes an idealized relationship between nonterminal symbols in different hierarchies encompassing both computation and cognition. This assumption constitutes an ideology”180 (CHOI 1996). VI. NEUROMUSICOLOGIA COGNITIVA “Interestingly, neuroscientists working on music no longer need to justify their research enterprise”181. PERETZ, HÉBERT, “Toward a Biological Account of Music Experience”. Até o presente momento, o paradigma das pesquisas cognitivistas foi apresentado aqui como uma busca pelos princípios e mecanismos que regulam a atividade racional, simbólica ou lógica. Neste sentido, uma abordagem epistemológica dos processos cognitivos, em suas várias implicações, impele cada vez mais tal paradigma para o reconhecimento da importância de fatores externos, estocásticos, contextuais, interacionais ou simplesmente “práticos” — não só de um “senso comum” dos objetos do conhecimento, mas também de sua materialidade imediata, anterior à sua formalização ou abstração simbólica. A “objetividade” de uma perspectiva formalista da cognição humana parece então ser suplantada em favor das circunstâncias mais amplas e materiais a partir das quais se dá a mera possibilidade mesmo das proposições lógicas, racionais ou científicas. De fato, não são poucas as vozes que reivindicam ou descrevem um caminho menos formalista ou fisicalista dentro das pesquisas sobre cognição; se um formalismo disseminado pode dar lugar a uma preocupação com o contextual ou com o subjetivo, o puro fisicalismo das postulações cognitivistas tende por sua vez a ser adaptado a uma perspectiva biológica. “When do we actually use logic in real life? We use it to simplify and summarize our thoughts. We use to explain arguments to other people and to persuade them that those arguments are right. We use it to reformulate our own ideas. But I doubt that we often use logic actually to solve problems or to ‘get’ new ideas. Instead, we formulate our arguments and conclusions in logical terms after we have constructed or discovered them in other ways; only then do we use verbal and other kinds of formal reasoning to ‘clean things up’, to separate the essential parts from the spaghettlike tangles of thoughts and ideas in which they first occurred”182 (MINSKY 1986; grifo do autor). “If logical calculi are not going to serve as adequate tools for modelling behavior, where may alternative tools be found? The answer to this question lies in recognizing that behavior simply cannot be studied objectively, that is to say divorced from the subject doing the behaving. Any model of behavior will require, as a prerequisite, a model of the mind controlling that behavior. In other words, it will not be adequate to attempt to analyse a subject’s behavior without also trying to ‘get into the brain’ of that subject”183 (SMOLIAR 1992; grifo do autor). A sequência de apresentação de modelos cognitivistas seguida até aqui também pode corresponder grosso modo a uma ordem cronológica de prevalecimento de determinados paradigmas dentro do movimento cognitivista no sécuo XX (ver Capítulo II): o fisicalismo “panteísta” do movimento cibernético pós-guerra (para o qua “a matéria já contém informação”), o formalismo simbólico e sintático da tradição chomskyana (na ordem necessária de concatenação dos signos humanos, linear, cíclica e natural), as implementações computacionais e modelos em paralelo de redes neurais, até desembocar, com o desenvolvimento de novas ferramentas e novas teorias de estudo neurológico, na “década do cérebro” dentro das pesquisa cognitivistas, alcunhada à década de 1990 (cf. MORATO 2000A). Sendo assim, a tradição dos estudos neuropsicológicos não se confunde a princípio com as empreitadas cognitivistas, para as quais serviu no passado, no mais das vezes, como mera fornecedora interdisciplinar de dados para postulações anteriores à própria neuropsicologia. No avanço dos postulados das atuais ciências cognitivas, a consideração de um modelo predominantemente neuropsicológico para os processos cognitivos pode ser apresentada de fato como um materialismo central e crucial (cf. REYBROUCK 1989; SMOLIAR 1992; SEARLE 1987), na medida em que a concepção de uma “máquina cerebral” da razão humana, condizente com uma epistemologia cognitivista, pode ser uma alternativa tanto para uma psicologia não-cognitivista tradicional, não-materialista, não-empírica e abstrata, quanto para um formalismo proposicional e lógico (computacional) por si só também abstrato. Ao mesmo tempo, o caráter descritivo de “estados” cerebrais (inconscientes, biológicos, “subsimbólicos”) a partir dos quais podem ser apontados “estados” mentais (racionais, determinados, simbólicos), que se manifesta em grande parte da produção das pesquisas neurocognitivas, pode também ser apresentado como epistemologicamente insuficiente, na medida em que substitui uma estrutura ou uma gênese dos processos cognitivos (especialmente os simbólicos, lógicos ou proposicionais) por um paralelismo funcional entre a mente e o cérebro, mantendo metodologicamente a dualidade mente-corpo cartesiana. De acordo com esta postura crítica ao neurocognitivismo, apontar para como ou onde o cérebro realiza as atividade humanas, afinal, não é o mesmo que apontar para o que ele efetivamente faz, ou por que; e descrever como o cérebro funciona, afinal, pode ser considerada uma atividade auto-referente, na medida em que se abstrai de se perguntar sobre como a mente (ou a razão) funciona — desprezando a construção de uma causalidade explicativa. “As far as I can see, it's reasonable to hold that brain studies are methodologically privileged with respect to other ways of finding out about the mind only if you are likewise prepared to hold that facts about the brain are metaphysically privileged with respect to facts about the mind; and you can hold that only if you think the brain and the mind are essentially different kinds of thing. But I had supposed that dualistic metaphysics was now out of fashion, in the brain science community most of all. Brain scientists are supposed to be materialists, and materialists are supposed not to doubt that distinct mental states have ipso facto got different neural counterparts. That being so, why does it matter where in the brain their different counterparts are?”184 (FODOR 1999). O método das neurociências e da psicologia cognitiva (experimental) se atém fortemente, assim, a uma correlação direta entre a função cognitiva (definida objetivamente, de forma direta ou “auto-evidente”) e a realização cerebral, ou entre a capacidade cognitiva em questão e a realização do indivíduo testado experimentalmente, do “sujeito”. O avanço científico nesta área fica também atrelado não só ao desenvolvimento tecnológico de estudo do cérebro, mas também a uma abundante produção de correlações e testes específicos e inter-delimitados, a respeito de capacidades individuais dos sujeitos testados. E a categorização terminológica é explicitada menos por uma determinação teórica clara a respeito dos fundamentos dos processos cognitivos, e mais pela mútua exclusão de funções e objetos cognitivos distintos; na tradição neuroclínica tal comparação é chamada de “dupla dissociação”. “There are useful techniques for deciding whether or not a given brain area is involved in different functions. A ‘dissociation’ occurs if one can get, say, symptom X without symptom Y. […] A ‘double dissociation’ occurs when X is found without Y in one patient, and Y is found without X in another patient; [... these ] are strong (though not incontrovertible) evidence that two tasks tap different cognitive subsystems”185 (HOLE 2000). “Uma cuidadosa análise neuropsicológica da síndrome e observações da ‘dupla dissociação’ que aparece em lesões cerebrais locais podem oferecer uma contribuição importante à análise estrutural dos próprios processos neuropsicológicos e podem identificar os fatores envolvidos em um grupo de processos mentais mas não em outros” (LURIA 1981). O ambiente de “laboratório” das pesquisas neurocognitivas, portanto, tem fortes características reducionistas (cf. LEMAN 1999A), impositivas, funcionalistas e, afinal, formalistas, do tipo de um formalismo científico e comportamental. O contexto ambiental, social ou simplesmente humano no qual se dão os processos cognitivos deve ser controlado em termos de possibilidades experimentais, em termos de confiabilidade e invariabilidade dos dados científicos, em termos de sua adequação metodológica, conceitual ou estatística. O objeto de estudo (por exemplo, a música) é definido a partir das formas como pode ser delimitado e “dissecado” nos testes de capacidades cognitivas e em suas demarcações neurológicas (no localizacionismo — ver Capítulo II), e serão estas formas de delimitação as consideradas como o “cerne” conceitual do fenômeno cognitivo envolvido; o resultado científico, ao invés de ser considerado como ocorrência isolada ou “local” do processo cognitivo, deve ser encarado como evidência da invariabilidade ou universalidade deste mesmo processo. Pode-se ter já uma idéia das consequências no plano musical. “O fato de um sintoma ou conjunto de sintomas [neurocognitivos] permitirem eventualmente uma classificação correta não assegura a via explicativa do fenômeno descrito. Observando os resultados do sujeito em tarefas específicas não se tem as indicações relevantes para a compreensão dos processos envolvidos” (COUDRY 1988). “Reviews of research literature indicate that results can be highly varied depending on subject variables (like how much and what kind of training subjects have received), stimulus variables (like computer-generated tone pipes versus ‘real’ music), and task variables (like what the subjects are asked to listen for). Furthermore, many would contend that two-second sound bites (a requirement for much of this type of research) do not adequately represent music and that using amusical fragments doesn't tell us much about what happens when people hear a Mozart symphony, for example”186 (HODGES 2000). “Even though [experimental] psychological music research is concerned with some of those dimensions whose relative neglect in speech research […], there is relatively little attention given to the artistic message conveyed by these dimensions. Rather, they are commonly treated as purely physical, psychoacoustic aspects of often artificial rather than artful sound structures, and subjects are expected to report on their sound impressions, but rarely on their aesthetic or emotional reactions to the music, which in the circumstances of the typical psychological experiment may indeed be minimal”187 (REPP 1991). Localizacionismo e cognição musical Sendo assim, as pesquisas sobre o cérebro já revelam importantes características na própria forma como se debruçam sobre ele, o que também é válido para uma cognição musical. A base funcionalista dos estudos neuropsicológicos leva uma neuromusicologia cognitiva (LEMAN 1999A), em primeiro lugar, a uma perspectiva auditiva, de capacidade de investigação dos processos de percepção e discriminação dos materiais sonoros (cf. BOTEZ 1987; WEINBERGER 2000A). Note-se que uma abordagem auditiva para o processamento dos fenômenos musicais também parece ser muitas vezes uma escolha de motivação mais metodológica do que propriamente conceitual; o estudo da percepção passiva da música (do som) é mais próximo do idealismo materialista da metodologia científica, do objeto empírico explícito, do ambiente controlado ideal, de “laboratório”, da normalização estatística do comportamento e do “sujeito” da experiência científica, próprios da tradição clínica e neuropsicológica. “Fractions of musical processing has been carried out for obvious inherent and methodological reasons only for perception and cognition”188 (POECK 1985). Seguindo a epistemologia de uma psicologia experimental — segundo a qual os objetos cognitivos serão dados a partir de sua possibilidade de estudo científico, controlado, objetivo (ver Capítulo II)—, a definição de uma habilidade neuropsicológica (auditiva) para objetos musicais é apresentada, como última instância, como a própria materialidade dos fenômenos musicais. Isto é, a Música “ela mesma” (através da audição) deve ser definida ontologicamente a partir da validade e das características de suas localizações cerebrais. Mais que isso, uma definição da música como uma “capacidade” biológica, ao mesmo tempo que pode indicar uma propriedade universal da cognição humana, pode também apontá-la como disseminada de forma desigual em diferentes proporções na população, diluindo os limites entre uma capacidade cognitiva geral e uma capacidade individual (como na questão do talento musical), ou entre música e musicalidade (entre a prática musical e seu substrato cultural e estético), ao mesmo tempo em que reforçando uma distinção entre os indivíduos mais dotados — a priori os músicos — dos menos dotados. "The neuropsychological studies in music perception have focused in differentiating brain functions between musicians and non-musicians to reveal the neural determinants of musical expertise. Meanwhile, the behavioral approach has addressed the divergent aspects of musicality, preceding musical expertise”189 (TERVANIEMI ET ALL 1997). “In this perspective, the most important issue is whether or not there exist neural networks that are dedicated to music processing in the mature brain. By ‘dedicated neural structures’, we mean neural devices that process musical information selectively and exclusively. Support for the existence of such musical modules in the brain entails that music is not a parasite or a by-product of a more important brain function such as language”190 (PERETZ, HÉRBERT 2000). Em termos de uma caracterização geral dos estudos relacionando cérebro, música e cognição, pode ser reconhecível uma distinção entre uma neuromusicologia sensória (relacionada com a percepção imediata dos sinais sonoros, ou seja, com o processamento dos impulsos das terminações nervosas do ouvido) e uma propriamente cognitiva (mais ligada a processos de categorização e inferência dos objetos musicais, e sua relação com "funções mentais superiores" — LEMAN 1999A). Em termos de uma localização geral de uma função cognitiva “musical” no córtex cerebral, já é também tradicionalmente aceita na literatura relevante a predominância de estudos relacionados aos lobos temporais (TERVANIEMI, VAN ZUIJEN 1999; TERVANIEMI, ILVONEN, KARMA, ALHO, NÄÄTÄNEN 1997), reconhecidos, entre outras propriedades, pelo seu envolvimento com o processamento auditivo (POECK 1985). A oposição entre uma neuromusicologia “cognitiva” e uma “sensória” já indicaria por si só uma dualidade fundamental encravada no processamento neuromusical. De fato, muitas características comuns à maior parte das pesquisas neuromusicais envolvem tipos de oposição conceitual entre elementos; entre o som e o significado musical (ou o som e a música), entre música e não-música, entre músicos e não-músicos, entre um comportamento musical “normal” e outro “patológico”, entre aspectos dos elementos musicais (ritmo X melodia, harmonia X timbre) etc. No simples campo neuroanatômico da cognição auditiva, as vias nervosas responsáveis pela informação do órgão auditivo são divididas em duas, correspondentes a diferentes caminhos no sistema límbico do cérebro e a diferentes terminações no córtex cerebral: as áreas primária (áreas 41 e 42 do mapa de Brodmann) e secundária (áreas 21 e 22 do mapa de Brodmann — ver Capítulo II) da percepção auditiva. O modelo cognitivo de NARMOUR (1991) faz menção explícita a esta formação neuroanatômica, aqui convindo então a repetição da citação da pg. 113 (Figura 20). Figura 20 – corte vertical e lateral (ou coronal) das estruturas cerebrais, mostrando os caminhos dos nervos auditivos no interior do tálamo (abaixo, indicado em separado e em um segundo corte para facilitar a visualização de sua estruturas) até o cortex auditivo temporal (acima). “A partir do núcleo da cóclea, a informação auditiva é dividida em pelo menos duas vias, muito como as vias visuais são divididas para um processamento motor e outro de formas. [... A partir da primeira via, indicada em cinza], são comparadas as diferenças milimétricas de fase e de intensidade do som em cada ouvido, e a partir daí você pode determinar a direção de onde vem o som. A segunda via de informação [..., indicada em roxo], analisa a qualidade do som” (MOLAVI 1997). “From this concept, it is a fairly short step to entertain the notion that musical input projects neurologically to the bottom-up system via the ventral cochlear nucleus, the central nucleus of inferior colliculus, and the medial geniculate body of thalamus to the primary auditory cortex. Likewise, one might hypothesize that the top-down system processes incoming signals arriving via the dorsal cochlear nucleus, the lateral lemniscus, the external and pericentral nuclei of the inferior colliculus, and the medial geniculate to the secondary auditory cortex”191 (NARMOUR 1991). Mesmo um dualismo na conceituação relativa a uma neuromusicologia pode ser gerado não só a partir de elementos da atividade musical, mas também do próprio método neuropsicológico. Já a aplicação de uma metodologia de “dupla dissociação” entre funções cognitivas e entre localizações cerebrais requer uma dualidade, em uma concepção e em uma metodologia de pesquisa comparatórias, tanto das funções quanto de suas respectivas localizações. Assim, antes da relevância que possa ter o funcionamento interno do lobo temporal, a própria existência de dois lobos temporais já cria uma oposição enquadrada na questão mais geral da lateralidade cerebral, ou seja, nas diferenças cognitivas e funcionais entre os dois hemisférios cerebrais, que forma toda uma difundida tradição de pesquisas na área. A identificação do processamento cognitivo do hemisfério esquerdo com a linguagem (ver Capítulo II) cria uma “função geral” de oposição entre os dois hemisférios, entre “processamento de informação” verbal, sequencial e denotativa (imputado ao hemisfério esquerdo) e “processamento de imagens” não sequenciais, espaciais e não verbais (imputado ao hemisfério direito — OSTROSKY SOLÍS, ARDILLA 1986; PRIBAM 1983; POPPER, ECCLES 1980; etc.); outros autores preferirão um distinção entre processamento “local” (denotativo, delimitador de uma série ou ordem) e processamento “global” (holístico, de reconhecimento de “contornos” — PERETZ 1990). São vários os métodos possíveis de investigação de diferenças perceptuais auditivas em relação aos hemisférios cerebrais. Cada lobo temporal, predominantemente, é responsável pelo processamento da percepção de um dos dois ouvidos, no que é chamado de “paradigma dualista de canais” auditivos (BROADBENT apud GORDON, BELLAMY 1991); ao mesmo tempo, como na maioria dos estímulos sensoriais, há uma inversão de lados em relação à localização do processamento cerebral; os estímulos nervosos do ouvido esquerdo, por exemplo, são direcionados predominantemente para o hemisfério cerebral direito. Isto, entre outras consequências, permitiu o desenvolvimento da técnica de escuta dicóide, na qual são apresentados estímulos diferentes a cada um dos ouvidos (com um fone); são testadas as capacidades de reconhecimento de diversas qualidades deste estímulo sonoro para cada um dos ouvidos, implicando em diferenças de processamento em cada um dos hemisférios. As pesquisas pioneiras de KIMURA (1964) são baseadas nesta técnica, e já apontam para um desempenho superior do hemisfério direito (ou seja, o ouvido esquerdo) no reconhecimento de melodias. Outras formas de teste de capacidades musicais (auditivas) lateralizadas também incluem a interferência de atividade induzida (batidas) de cada mão em separado, direita e esquerda, durante testes de percepção e canto (finger tapping — ZATORRE 1993; POLK, KERTSZ 1993), e a aplicação de amital (amobarbital sódico), um anestésico, diretamente nos vasos sanguíneos de um dos hemisférios, deixando apenas o outro ativo, num procedimento derivado de técnicas neurocirúrgicas (PLENGER ET ALL 1996). Um pesquisador em neuromusicologia bastante envolvido com esta última forma de pesquisa, Hans BORCHGREVINSK (1983; BORCHGREVINSK 1991), aponta para uma dissociação entre elementos rítmicos (processados no hemisfério esquerdo) e melódicos ou harmônicos, ou mais especificamente tonais (processados no hemisfério direito). Se a localização de uma “função musical” no hemisfério direito já identifica-a com um processamento holístico e não-verbal, uma oposição entre ritmo (ordenado e sequencial) e melodia ou harmonia (dada num todo holístico) tende a contextualizar os elementos musicais de acordo com as dicotomias básicas das questões sobre lateralização cerebral apresentadas acima (sequencial X holístico; verbal X não-verbal; informação X imagem). “The different cerebral lateralization of pitch/tonality (right hemisphere) and musical rhythm (left hemisphere) explains the greater cerebral lateralization of chords than of melodies reported in dichotic listening studies, as melody consists of both rhythmic and tonal elements while chords only contain tonal elements. Accordingly, the relative predominance of the rhythmic and tonal factors in a melody would determine the side and degree of lateralization of a given melody — explaining the discrepancies of earlier dichotic listening reports”192 (BORCHGREVINSK 1983). Uma das causas mais citadas de lesões nos lobos temporais é a extração cirúrgica de parte do lobo temporal, em casos de epilepsia aguda (SAMSON 1999). A proximidade destas estruturas com o hipocampo, estrutura do sistema límbico associada há tempos na literatura neurocientífica com processos da memória, faz surgir uma associação entre perdas de capacidades musicais e distúrbios de memória, nos casos de lesões nesta região. No caso deste tipo de remoção cortical, as técnicas cirúrgicas também envolvem a micro-estimulação elétrica diretamente no córtex aberto, com instrumentos especiais, de maneira a determinar a exata área de remoção. Esta prática clínica tem rendido também material relevante de pesquisa na área. “Musical hallucinations could be evoked by stimulation of the superior or lateral surfaces of either first temporal convolution. Epileptic seizures originating in either right or left temporal lobe may include musical hallucinations among their manifestations”193 (HENSON 1985). “Complex auditory experiences (hearing a voice, music, or other meaningful sounds) have been reported by patients during surgery when critical points of the first temporal convolution were electrically stimulate. […] Music experience have been reported more frequently after cortical stimulations on the right than on the left [hemisphere]”194 (SAMSON 1999). Mas também uma dissociação entre elementos a partir da lateralidade cerebral pode se revelar uma “função geral” cognitiva, mais do que uma oposição entre termos musicais definidos. Isabelle PERETZ (1990), por exemplo, uma das mais destacadas pesquisadoras atuais nas relações entre música e cérebro, aponta para possíveis oposições de processamento perceptivo (lateralizado) disseminadas no interior dos objetos da teoria musical: à percepção e categorização das alturas musicais (imputada ao hemisfério esquerdo), pode ser contraposta uma função holística de “contorno” melódico, de direção de mudança das alturas (imputada ao hemisfério direito); e da discriminação da organização de pulsações rítmicas, diferencia-se a própria noção de métrica musical, tal como na teoria de Lerdahl & Jackendoff (cuja oposição entre metrical grid e time-span reduction é citada por Peretz neste contexto — ver Capítulo IV). Assim, as oposições perceptivas características da lateralização não indicariam oposições entre termos musicais definidos, mas diferenças de “processamento” de caráter mais geral e não especificamente (ou inequivocamente) musical . “Two types of features or properties have been identified as functionally important in the processing of sequential pitch patterns: the pitch of individual tones […] and the contour, which characterizes pitch directions independently of the precise pitch values”195. [...] “It is widely held that under the commonsensical notion of ‘rhythm’, two different types of temporal organization coexist: the metre […] and the rhythm […]. In this context, it is speculative, yet reasonable, to draw an analogy between the processing of contour and interval sizes in sequential pitch patterns and the processing of metre and durations values (rhythm) in sequential temporal patterns. Assuming that meter characterizes global temporal organization of a melody, as does contour on the pitch dimension, a right hemisphere predominance is expected. Alternatively, if durational values are to the temporal dimension what pitch intervals are to the pitch dimension, a left hemisphere superiority is expected for processing rhythmic organization”.196 [...] “Indeed, it does not seem that hemisphere differences are to be characterized along with musical dimension but rather along the local/global nature of the information to be abstracted”197 (PERETZ 1990). A dissociação ou oposição entre elementos musicais através de indícios de lateralização passa pela própria atividade musical instituída socialmente, ou pelo menos, por seus representantes mais visíveis, os músicos. Num experimento já clássico (BEVER, CHIARELLO 1974), os desempenhos em testes de reconhecimento melódico envolvendo escuta dicóide indicaram uma superioridade de desempenho no processamento do hemisfério esquerdo para indivíduos com treinamento formal em música (músicos), e no processamento do hemisfério direito para indivíduos sem treinamento (não-músicos). “On each trial the subjects were presented with a monaural melody followed by a two-note sequence, and asked to carry out a double task: to judge (1) whether or not the two note sequence was an excerpt of the melody, and (2) whether or not they had already heard the melody during the experiment. Musicians (subjects who played an instrument for at least 4 years) recognized the melodies better in the right ear than in the left, while non-musicians displayed the opposite effect. [...] The authors concluded that only musicians were able to process melodies in an analytical way, typical of the left hemisphere; non-musicians would process them in a ‘holistic' or ‘global’ way, typical of the right hemisphere.”198 (PERETZ, MORAIS 1980). Mais do que indicar uma materialidade, enfim, da prática musical — uma considerável como paradoxal, dadas todas as evidências de lateralização de processamento musical para o cérebro direito —, este importante experimento tem implicações tanto conceituais quanto metodológicas. Em “Modes of processing melodies and ear asymmetry in non-musicians”, PERETZ, MORAIS (1980) discutem revisões posteriores do experimento de Bever & Chiarello (ex. GATES, BRADSHAW 1977), que indicam variações justamente na capacidade ou na definição de uma “categoria” de indivíduos com habilidades musicais. No artigo de Peretz & Morais, as próprias características das melodias apresentadas aos sujeitos permitem uma discussão sobre o real conteúdo musical (ou processual) dos elementos musicais envolvidos, e também uma nova contextualização de todo o experimento de forma a apresentar diferentes resultados para um mesmo grupo de “não-músicos”. “It seems that when melodies differ only in the tonal pattern and when the differences lie in one or a few notes a predominant involvement of the left hemisphere does not necessarily require formal musical training. We hypothesize that in such cases non-musicians may discover the principles governing the differences between melodies and use an analytical mode of processing, i.e. pay attention to the varying dimension and try to concentrate on constituents instead of dealing with each melody as a unit”199 (PERETZ, MORAES 1980). Se a mudança do material musical (e de sua conceituação prévia) implica em mudanças na análise e no resultado do experimento, também as questões colocadas aos sujeitos testados implicam em uma nova concepção dos fenômenos musicais e da organização cognitiva. A atividade consciente do sujeito é avaliada, suas descrições subjetivas sobre a maneira pela qual chegaram a suas respostas são comparadas com os resultados dos testes. Afinal, nenhum efeito de lateralização poderá ser considerado como resultado “inerente” ou “automático” (isto é, inconsciente) de um conhecimento desenvolvido de práticas musicais. Ao contrário, as diferenças de processamento entre os hemisférios parecem indicar modos distintos e paralelos de processamento musical, traduzíveis em estratégias de escuta distintas, ambas acessíveis a um ouvinte “leigo” dependendo do conteúdo musical considerado: uma “analítica” (associável ao hemisfério esquerdo), outra “não-analítica” ou “global” (associável ao hemisfério direito). “Listening to melodies in an analytical way is not an unconscious activity, which would spare awareness both of a particular cue and of the decision to heed it. [...] The results showed the cleavage between ‘analytic’ and ‘non-analytic’ subjects actually to concern the way melodies were deal with, and not merely their capacity to get insight and report on a same mode of processing”. [...] “Musicians would tend to be analytical processor of melodies because they have been trained to listen to them in that way”200 (PERETZ, MORAIS 1980). Dessa forma, um mesmo elemento musical pode ser percebido cognitivamente (ou interpretado) de diferentes maneiras, inclusive em diferentes momentos de um mesmo sujeito. Seria este um dos limites definíveis da capacidade de correspondência entre os objetos cognitivos e sua contraparte neural; o objeto percebido importa tanto quanto o modo adotado para sua inferência (para sua “cognição”), e nesse caso o que são localizadas não são propriedades cognitivas diferentes para diferentes objetos (a música, a linguagem etc.), mas diferentes “formas de ver” os problemas propostos. Uma concepção como esta, da cognição como “estratégia”, é encontrável em várias outras formas de experimentos, envolvendo outros objetos da percepção auditiva. “PAPCUN ET ALL (1974) tested subjects (who did not know Morse code) in a task involving the recognition of dot patterns, and found a right-ear advantage for patterns with a small number of elements and a left-ear advantage for patterns with a large number of elements. [...] Subjects engaged in tasks sharing the same cognitive function may appeal to different modes of processing”201 (PERETZ, MORAIS 1980). “VAN LANCKER, FROMKIN (1973) found that tone, a linguistically relevant variable in the Thai language, showed a right ear advantage for speakers of that language, while the same stimuli did not show this effect for monolingual English speakers”202 (ZATORRE 1993). Esta última citação já faz menção direta à percepção de elementos linguísticos, trazendo a questão novamente para o contexto geral de uma relação entre música e linguagem (verbal). De fato, o estudo da relação entre música e cérebro parece muitas vezes indissociável, de várias maneiras, ao estudo da relação entre linguagem e cérebro. Se a mais importante fonte metodológica de dados na tradição neuropsicológica sempre foi o estudo e a correlação de diferentes lesões cerebrais e suas consequências cognitivas, em sua caracterização especificamente musical, ou seja, na amusia (termo que engloba todas as patologias neuropsicológicas envolvidas com capacidades musicais), pode ser admitida, desde os primórdios de sua postulação, uma associação complexa e derivativa com as afasias (cf. EDGREN 1895; BOTEZ 1987; GIL 1993; para uma conceituação das afasias, ver Capítulo II). De certa forma, a definição da amusia como uma categoria neuropsicológica própria parece depender de uma diferenciação desta com as afasias, ou como uma “terceira dimensão” de processamento da informação auditiva, já dicotomizada pelos distúrbios de reconhecimento e compreensão de sons verbais (agnosia verbal, ou seja, um tipo de afasia) e sons não-verbais simples (agnosia não-verbal — uma revisão bibliográfica deste aspecto pode ser encontrada em DALLA BELLA, PERETZ 1999). “Patients with auditory agnosia are unable to organize the sounds in the environment, so that speech, animal sounds, bells, and other noises, are perceived as a jumbled, uninterpretable stream of noise. A few cases of purely musical agnosia have been described, in which patients are unable to organize music into a coherent percept, although their ability to understand speech and non-musical stimuli remains intact”203 (LEVITIN 1999A). Os vários processos cognitivos envolvidos nas habilidades e atividades musicais (percepção, execução, leitura, escrita etc.) são descritos e classificados de acordo não só com a localização cerebral, mas também de acordo com a própria natureza da atividade envolvida. A classificação geral das amusias (HENSON 1985; BOTEZ 1987) segue uma oposição entre amusia receptiva (incapacidade de discriminação de elementos musicais, acompanhada geralmente de desprazer frente a estímulos sonoros musicais) e amusia expressiva (incapacidade de execução de diversas modalidades de práticas musicais), oposição disseminada em várias formas de categorias mais específicas, nos tipos de classificação mais comuns: uma amusia vocal (incapacidade de entoar notas musicais, seja no canto, em murmúrio, ou mesmo em um assobio), uma apraxia instrumental (incapacidade de executar um instrumento musical), uma agrafia musical (incapacidade de escrever notação musical), uma alexia musical (incapacidade de leitura de notação musical), uma amnésia musical (perda da memória resultando em incapacidade de reconhecimento de trechos musicais conhecidos), desordens do senso rítmico etc. Talvez seja possível, então, considerar a profusão de sintomas neuropsicológicos envolvidos (agrafia, apraxia, amnésia etc.) como evidência da impossibilidade de uma delimitação mais especificamente musical, tomando a música como gerada num conjunto de atividades e processos cognitivos, independentes de práticas musicais específicas e também co-ocorrentes em outras atividades humanas (ex. a linguagem). Ao mesmo tempo, as ocorrências de disfunções cognitivas musicais em geral não estão dissociadas de disfunções de caráter mais geral. Assim, a agrafia musical estará geralmente associada à agrafia verbal, por exemplo (HENSON 1985); haverá a possibilidade de raros casos discordantes na literatura relevante, acentuando mais do que atenuando a complexidade da questão. Afinal, a ocorrência de amusia pode ser considerada uma síndrome neuropsicológica delimitada, ou um sintoma de uma perturbação de caráter mais geral? A questão dificilmente é encontrada nestes termos. Desde o trabalho pioneiro de MILNER (1962), o estudo das amusias se envolve com lesões no lobo temporal do hemisfério direito. É claro, a concepção atual do localizacionismo neuropsicológico tende a ser bastante complexa e pouco taxativa, mas uma noção de “dupla dissociação” de sintomas e processos, quando aplicada ao campo musical, tende a autorizar a amusia como síndrome na medida em que pode ser dissociada de manifestações afásicas, o que poderia marcar uma metodologia não só aplicável à música, mas também à linguagem. Assim, ocorrências de amusia sem afasia estão geralmente associadas a lesões no hemisfério direito; casos contrários, isto é, de afasias sem perda de capacidades musicais, estão associados geralmente a lesões no hemisfério esquerdo. Também digna de nota é a noção negativa, de perda de capacidades cognitivas, que a amusia representa. Se o domínio e a utilização da linguagem podem ser considerados como capacidades disseminadas ou até inatas na população humana (o que cria questões interessantes na relação entre linguagem e cérebro), em um sentido inverso, pode-se apontar uma tendência a estudar a amusia também como a perda de uma (ou várias) capacidade(s) em seu pleno desenvolvimento, ou seja, em músicos, o que tornam representativas e de certa forma “corriqueiras” as descrições de casos de afasia e amusia (associadas ou não) em músicos (um dos casos mais famosos é o de Maurice RAVEL, compositor francês do início do século XX). “Establishing hemisphere dominance for music has long been the main objective of the study of amusias, that is, the study of the impairment of musical abilities from acquired diseases of the brain” 204 (PERETZ 1990). “[Many authors] have argued against a simple division of music and language each assigned to separate cerebral hemispheres. Rather, both music and language are themselves viewed as divisible into components which may or may not be shared”205 (STEINKE, CUDDY, JAKOBSON 2001). “The view that I advocate here is that a more straightforward first step to test the specificity of the cognitive operations involved in language processing is to compare language with another well-organized, rule-based system such as music”206 (BESSON 1999). Quanto à classificação de afasias, lesões no hemisfério direito têm estado ligadas principalmente a disfunções de prosódia verbal, ou seja, da entonação de palavras, do contorno das frequências ou, numa manifestação explícita de uma metáfora musical, da “melodia” da fala. Num movimento convergente, se diversos elementos musicais podem ser classificados e “localizados” em diferentes áreas ou hemisférios, não parece haver fortes controvérsias, a partir de diferentes metodologias, na lateralização do controle do canto para o hemisfério direito. E, ainda que o peso teórico ou metodológico de tal comparação possa ser ainda considerado em aberto, não há como menosprezar a importância (ao menos no contexto do presente trabalho) de uma aproximação neuropsicológica entre música (ou entre o canto) e prosódia. E uma tal importância só tende a aumentar diante das evidências, muito mais contundentes, da “forte associação entre o hemisfério direito e a emoção”, defendida na tradição neuropsicológica (POECK 1985; ERHAN, BOROD, TENKE, BRUDER 1998; LANE, KIVLEY, DU BOIS, SHAMASUNDARA, SCHWARTZ 1995; etc). De fato, a tríade música / prosódia / emoção, uma vez associada às características de processamento do hemisfério direito (holístico, imagético, não-verbal), parece propiciar um vasto leque de inter-relações teóricas, experimentais, inter-disciplinares e até terapêuticas, mas que parece não ter ainda, infelizmente, se completado metodologicamente, dentro do campo de pesquisas neuropsicológicas. É sabido que as diferentes funções cognitivas ligadas a estes objetos de estudo não são simples, envolvendo diferentes estruturas cerebrais. A emoção, por exemplo, requer, para sua definição funcional, uma conceituação e uma postulação de funcionamento prévios para seu estudo neuropsicológico, e está envolvida de maneira bastante importante com formações do sistema límbico, mais do que com estruturas do lobo temporal direito — talvez relegáveis a uma função meramente expressiva (cf. PRIBAM, MELGES 1969). Os aspectos especificamente neuropsicológicos de sua relação com música continuam ainda hoje pouco estudados, e limitam-se a investigações sobre dicotomias prazer/desprazer, consonância/dissonância (cf. BLOOD, ZATORRE, BERMUDEZ, EVANS 1999; PERETZ, GAGNON, BOUCHARD 1998; PERETZ, GAGNON 1999; GAGNON, PERETZ 2000), que, se podem se relacionar com a noção de expectâncias no processamento dos fenômenos musicais (ver abaixo), limitam a complexidade da questão a apenas uma de suas facetas. Por outro lado, a questão da prosódia como categoria linguística já desperta, por si só, um significativo número de questões tradicionais nas pesquisas linguísticas e neurolinguísticas (SCARPA 1991; MORATO, FREITAS 1993), que estarão melhor enquadradas num contexto geral de desenvolvimento cognitivo, que será apontado no Capítulo VII. A proposição de uma “linguagem geral das emoções” (“general body language of emotion”), atuante tanto em música quanto na prosódia verbal e incluindo experimentos envolvendo uma “forma” geral de manifestações emocionais (SUNDBERG 1983), parece carecer ainda de uma representação puramente neurológica, e pertencer atualmente apenas ao domínio da psicologia experimental, envolvida com suas próprias questões conceituais (por exemplo, será apresentada mais abaixo uma ligação com as “sentic forms” propostas por CLYNES — CLYNES, WALKER 1983; CLYNES 1995; etc.). “Alocada no hemisfério cerebral direito, não dominante para o tratamento e processamento linguísticos, a prosódia parece excluída da Linguística pelo fato de não pertencer ao próprio sistema linguístico. […] A questão que caracteriza muitos estudos é se as disprosódias (‘perturbações da melodia do discurso’) são problemas ártricos, ligados a uma paresia dos músculos fonadores, se são problemas decorrentes de déficits articulatórios, ou se são problemas vinculados ao conteúdo afetivo e emocional da linguagem (e não ao conteúdo proposicional, que seria característico do hemisfério esquerdo)” (MORATO, FREITAS 1993). “Despite the apparent convergence between music and prosody, there remain many indeterminancies that may turn out to be critical for postulating similar principles of brain organization in the two domains. The major source of difficulty is that prosody is still largely a neglected area of investigation. Moreover, in neuropsychology, when language and music functioning are compared it is traditionally at the level of whole functions”207 (PERETZ 1990). “Reducing verbal-articulatory conditions robustly improves the performance of left but not right brain damaged patients, a finding that supports the supposition that affective prosody is strongly lateralized to the right hemisphere. The performance of left brain damaged patients was not correlated to the presence, severity, or type of aphasic deficit(s)”208 (ROSS, ROBIN, THOMPSON, YENKOSKY 1997). “It should be noted that research on emotional, mood, and feeling responses is much less developed in psychology and neuroscience than research on topics such as learning and sensory perception”209 (HODGES 2000). “The neuropsychological study of music as an emotional language has just begun […]. This new perspective on music and the brain is not, however, accidental and holds great promises for a better understanding of how human brains respond to music”210 (PERETZ, HÉRBERT 2001). No campo terapêutico, por exemplo, de reabilitação do processamento linguístico de indivíduos afetados por afasia, a relação entre música e hemisfério direito deu origem a uma técnica conhecida desde a década de 1970 como Terapia de Entonação Melódica (Melodic Intonation Therapy — MIT). A prosódia, tanto na produção do afásico quanto na percepção e compreensão fonológica, é simplificada e “exagerada” em seus parâmetros de altura e duração de sílabas, até tornar-se parecida com uma “melodia”. Devido à ênfase em aspectos motores da fala, a terapia parece ser mais adequada a distúrbios como os da afasia de Broca (ou seja, afasias não-fluentes — BONAKDARPOUR ET ALL 2000). De fato, a terapia parece prever uma realocação de funções motoras da fala e da linguagem no hemisfério direito, em uma localização simetricamente equivalente à da área de Broca no hemisfério esquerdo. No entanto, alguns experimentos mais recentes têm contestado seus princípios teóricos e sua real adequação metodológica (apesar de se absterem de questionar seu valor terapêutico). Há evidências de que o tratamento com MIT parece influir na verdade numa reativação neuronal da área de Broca lesionada, num caso de neuroplasticidade (BELIN ET ALL 1996). O resultado, a princípio paradoxal, pode ser explicado justamente pelo não-envolvimento da área de Broca no processamento prosódico; o tratamento serviria então para o recrudescimento de “ativações anormais” no hemisfério direito que passam a ocorrer após as lesões afásicas. Em outro experimento (RACETTE, HÉBERT, GAGNON, PERETZ 2000), o reconhecimento de palavras cantadas por afásicos não-fluentes não parece ser melhor que o reconhecimento de palavras de entonação normal. Se tais pesquisas mostram uma dissociação entre as funções cognitivas da música e da linguagem, mesmo que estas estejam formalmente relacionadas enquanto objetos epistemológicos, eles também podem apontar para uma diluição da própria delimitação do objeto musical, passando a ser considerado um complexo fenômeno, situado neste caso para além da metáfora musical. “Briefly, MIT consists in speaking with a simplified and exaggerated prosody, characterized by a melodic component (two notes, high and low) and rhythmic component (two durations, long and short). [...] The present results may at first seem unexpected and counterintuitive, since MIT reactived essential motor language zones, such as Broca’s area in the left hemisphere, while reducing abnormal activations in the right hemisphere. A possible explanation of this apparent paradox is that MIT is not singing but merely exaggerating speech prosody”211 (BELIN ET ALL, 1996). “Nous avons ici testé l'hypothèse que la production de paroles chantées améliore l'articulation chez un patient aphasique mixte ayant une réduction importante de l'expression orale. Nous avons comparé la répétition de paroles sous forme chantée (paroles + musique) à la répétition des mêmes paroles sous forme récitée. […] De façon générale, nos résultats n'appuient pas l'hypothèse suggérant que la musique aide à récupérer la parole, mais vont plutôt dans le sens de codes séparés pour la musique et la parole en production”212 (RACETTE, HEBERT, GAGNON, PERETZ 2000). As formas de comparação entre música e linguagem em termos de localização de funções cognitivas (e sua perturbação em lesões corticais) proliferam-se rapidamente, parecendo até ir ao encontro de uma totalidade sistemática não muito longe de ser alcançada. Áreas corticais comuns de processamento de leitura de notação musical e leitura idiomática já foram reportadas, assim como áreas específicas para leitura musical, alocadas no hemisfério direito (WEINBERGER 2000B). As representações da memória para melodias podem estar relacionadas com memórias verbais (dos versos) em canções (cuja associação entre melodia e letra forma um “caso ideal” de inter-relação — PATEL, PERETZ 1997), para indivíduos cérebro-lesados (STEINKE, CUDDY, JAKOBSON 2001) ou não (LEVITIN 1999A). Mesmo a noção de ouvido absoluto (absolute pitch), isto é, de percepção e categorização automática de alturas musicais, reputado como inato e inconsciente, parece envolver um “repertório” de frequências memorizado a longo prazo, que não descarta uma inter-relação com “habilidades linguísticas” (LEVITIN 1999B). Assim, uma separação cognitiva entre música e linguagem vai se tornando tênue e fragmentada na medida mesmo em que os próprios objetos, música e linguagem, são concebidos como multifacetados, formados por subsistemas com complexas relações entre si, de causalidade, de dissociação, de identidade. Tal como na correlação função cognitiva X localização cerebral (que nada mais é do que a relação mente X corpo), é a definição (prévia) da função cognitiva a ser descrita em termos neuropsicológicos que determina o conteúdo objetivo do dado científico. Para além de uma oposição neurologicamente localizada entre funções, a fisiologia cerebral se mostra uma complexa rede de hierarquias e inter-influências funcionais. Para além de uma função (ou disfunção) musical, a definição de uma instância musical pode ser considerada como abordada de forma incompleta em pesquisas anátomo-clínicas em geral, assim como importante para sua conceituação. “A major problem in interpreting some of the data from the clinical as well as the experimental literature is the very simplistic notion of two hemispheres as two self-contained homogeneous units. Such a point of view ignores the crucial differences within each hemisphere with respect to structural and functional organization. So, we should avoid the simplistic notion of right versus left hemisphere advantages, and start to consider more seriously which subsystems are involved in a particular task”213 (ZATORRE 1993). “The most important answer to the question is that there is no ‘music center’ in the brain. Neither is all musical processing located in either the left or right hemisphere”214 (WEINBERGER 1999). “The modern view is that memory is distributed throughout various parts of the brain, and that different types of memory engage separate neural structures. Memory for music — just like memory for prose or pictures — probably itself comprises different cognitive subsystems to encode the various attributes of musical stimuli”215 (LEVITIN 1999A). “Music persists in people who are blind, deaf, emotionally disturbed, profoundly retarded, or affected by disabilities or diseases such as Alzheimer's disease. Regardless of the degree of disability or illness, it is possible for the individual to have a meaningful musical experience. […] The research literature on amusia reveals that destruction of brain tissue may eliminate a particular musical function (e.g., ability to track rhythms), but it does not eliminate music entirely”216 (HODGES 2000). “The experiments in these studies typically employed a forced-choice recognition memory paradigm. Listeners were asked to study and then to recognize melody, lyrics, or both under conditions where melody and lyrics either matched or did not match. […] The use of two alternative forced-choice paradigms may limit the generality of these findings”217 (STEINKE, CUDDY, JAKOBSON 2001). Atividade cortical e cognição musical Para além de uma localização ou uma figuração espaciais (no córtex), música e linguagem são processos que ocorrem num desenvolvimento no tempo, numa sequência de eventos. Uma epistemologia neuropsicológica não deverá se satisfazer portanto com representações estáticas ou diagramáticas do processamento cerebral, procurando formas de pesquisa e de evidência científica que reflitam a dinâmica e o desenvolvimento dos processos cerebrais no decorrer do tempo. “Un événement dans le monde, que ce soit une lumière, un son, ume senteur, une saveur ou un événement dans l’esprit, tel que’une décision ou une intention de bouger, est reflete dans l’activité concerte de neurones dans différents parties du cerveau. Alors que la repones du cerveau à chaque événement particulier peut être difficile à discerner parmi la multitude des réponses qui ont lieu simultanément, la répétition de ces événements particuliers [...], et le moyennage à travers ces répétitions permet au signal d’émerger du bruit de fond constitué par l’élétrogénèse corticale. Le signal enregistré represente une variation du voltage au cors du temps, synchronisée à la présentation du stimulus”218 (BESSON, KUTAS 1997). A variação da atividade elétrica dos neurônios, no decorrer das ativações cerebrais, pode então ser captada por eletrodos especiais e registrada de diversas maneiras, em uma técnica conhecida desde o séc. XIX (KRAUSE 1999) como eletroencefalografia (EEG), de grande valor científico e terapêutico. A relação entre o campo eletromagnético criado pela atividade cortical e a forma de captação dos eletrodos é bastante complexa, e leva em conta diversas variáveis (para uma apresentação detalhada, ver SAIWAKI, KATO, INOKUCHI 1997). Por outro lado, a atividade medida durante o EEG, ao invés de estar precisamente associada ao metabolismo específico de um neurônio ou de um grupo de neurônios, é aquela provocada pela atividade em toda a região do escalpo na qual está aplicado o eletrodo, e mesmo levando em conta a grande precisão de localização topográfica — da ordem de 1 ou 2 centímetros quadrados —, ela pode representar a atividade de uma quantidade da ordem de milhares de neurônios (TERVANIEMI, VAN ZUIJEN 1999). O sinal resultante da atividade cortical, dado na somatória de todas as variações locais de atividade dos neurônios, é extremamente complexo em sua totalidade, e evidências de importância científica e cognitiva são conseguidas apenas depois de diferentes filtragens frequenciais dos dados obtidos (Figura 21), e principalmente através de uma correlação causal entre variações de valores específicos de EEGs com estímulos perceptivos ou mentais específicos, num tipo de controle estatístico e laboratorial típico da metodologia neuropsicológica. ”Assuming that intrinsic noise of the recording and activity related to other mental processes — not time-locked to the stimulus processing under interest — are cancelled out by averaging across several tens or hundreds of EEG signal following a repeated stimulus presentation, the remaining activity can be attributed to the neural processing of the stimulus under interest”219 (TERVANIEMI, VAN ZUIJEN 1999). Assim, embora os estudos com EEGs possam estar associados a localizações no escalpo cerebral, os resultados mais importante são os concernentes às várias associações dinâmicas entre a ocorrência do estímulo e seu processamento cortical (KRAUSE 1999), medidas com precisão temporal de milésimos de segundo. Um dos trabalhos pioneiros no campo musical é de NEHER (1961; NEHER 1962), que associou a audição do ritmo de tambores a uma sincronização geral da atividade cortical, detectável através de EEGs. Tal resultado tende a ser hoje bastante discutível, especialmente a partir de abordagens próprias de uma crítica do “dado” musica testado, oriunda por sua vez de uma visão etnomusicológica (ROUGET 1985 — ver Capítulo VII), mas a noção de sincronização de diferentes frequências de EEG traz informações relevantes sobre o funcionamento cortical (embora não da maneira de uma transposição direta entre o som e a ativação cortical, como no trabalho de Neher). Figura 21 – Registro de EEG (no alto à direita) obtido na apresentação sonora de um acorde (de acordo com a escala temporal, no alto à esquerda) e da justaposíção e filtragem frequencial de várias quantidades de repetições do estímulo (de acordo com os números embaixo de cada resposta, embaixo) (TERVANIEMI, VAN ZUIJEN 1999). “Andrew Neher […] recorded EEGs in response to a drum beating at frequencies of 3, 4, 6 and 8 beats per second. The main response of the subjects in Neher’s study was the entrainment of the rhythm of neurons in the auditory cortex with the drum beat”220 (BECKER 1994). “Different EEG frequencies are related to different functions. The so-called alpha rhythm (~8 12 Hz), the most studied of these rhythms, is predominantly observed over the posterior cortex. This rhythm correlates with relaxation, and for this reason it has been interpreted as a sign of inhibition of activity over which it has been recorded. Activation of the cortex causes a desynchonization of the alpha band, i.e., its amplitude decreases”221 (KRAUSE 1999). As ocorrências de sincronizações e dessincronizações da frequência alfa, portanto, estarão associadas respectivamente a períodos de relaxamento da atividade cognitiva e a períodos de atenção dirigida. Se tais ocorrências podem ser associadas a eventos cognitivos específicos, tem-se sincronizações relacionadas com eventos (event-related syncrhonizations — ERSs) e dessincronizações relacionadas com eventos (event-related desyncrhonizations — ERDs), que tem sido utilizadas como evidências de processamento para várias funções cognitivas, entre elas a linguagem. O estudo das correlações possíveis da ocorrência de ERSs e ERDs em um meio musical, atualmente, pode ser considerado ainda em seus primórdios, e parece atrelado a problemas na própria conceituação do experimento neuropsicológico, sujeita a fatores como “gosto musical, humor, estado emocional do sujeito, qualidades afetivas da música apresentada etc.” (KRAUSE 1999). De forma geral, a própria conceituação de “atenção” parece não fazer jus aos complexos mecanismos que estariam por trás de tais ocorrências, que podem funcionar até como indícios de processamentos cognitivos pouco condizentes com as difundidas noções de “senso comum” associadas aos processos mentais. “Auditorly elicited synchronization of the alphas frequency bands has been observed […] during the encoding of simple auditory information (e.g. vowels, tones). Retrieval or memorization, on the other hand, results in desynchronization”222 (KRAUSE 1999; grifo da autora). Mas diversas variações específicas de potencial elétrico no córtex também têm sido consistentemente associadas a eventos cognitivos determinados, levando à conceituação e classificação, por sua vez, de potenciais relacionados com eventos (event-related potencials — ERP); tais potenciais podem então ser considerados como “reflexos neuronais de funções psicológicas” (“neural reflections of psychological functions” — TERVANIEMI, VAN ZUIJEN 1999) a determinados modos de processamento do estímulo apresentado. Cada ERP é denominado por sua polaridade elétrica (N = negativo, P = positivo) e sua ordem temporal, e pode ser associado a uma determinada categoria sensório-modal, a uma determinada localização cortical etc. No caso da linguagem, por exemplo, dois casos específicos, entre outros, são descritos na literatura como efeitos de eventos linguísticos determinados: um pico de voltagem negativa que ocorre cerca de 400 milisegundos após a ocorrência de uma palavra de significação deslocada dentro da cadeia verbal (N400), e um pico de voltagem positiva que ocorre cerca de 600 milisegundos após a ocorrência de uma incongruência sintática (P600) na cadeia verbal. Tais casos são largamente reproduzidos e aceitos na literatura pertinente, incluindo aí casos de dissociação simples ou conjunta de sua aparição (OSTERHOUT 2001 — Figura 22), e de variação da amplitude de potencial de acordo com o teor da incongruência apresentada (BESSON 1999). Por isso, a existência de tais fenômenos cognitivos tem sido usada, por exemplo, para postular uma dissociação cognitiva (ou mental) entre objetos pragmático-semânticos e objetos morfológico-sintáticos. Figura 22 – o gráfico mostra os resultados de medições de potenciais elétricos (em microvolts) relacionados a eventos em manifestações linguísticas (em milisegundos): incongruências semânticas (N400 - comer/cozer) são dissociadas de incongruências sintáticas (P600 - comer/comido), mesmo quando apresentadas simultaneamnete (comer/cozido) (OSTERHOUT 2001). Figura 23 – resultados de testes de ERPs em 16 músicos profissionais. A uma situação modelo, de uma canção entoada com palavras “congruentes” e afinadas tonalmente (cujo resultado é indicado por traços contínuos), são opostos resultados (indicados por traços pontilhados) em que ela foi cantada com palavras semanticamente incongruentes (A), fora do tom musical (B) ou combinando as duas situações (C) (BESSON 1999). Uma série de experimentos (BESSON, KUTAS 1997; PATEL, GIBSON, RATNER, BESSON, HOLCOMB 1998; BESSON 1999; JANATA 1995) têm relacionado diretamente a ocorrência de ERPs bastante similares ao P600 com a percepção de incongruências musicais de ordem sequencial, como substituição de estruturas musicais normalmente esperáveis (sequências de acordes, notas pertencentes à melodia, notas pertencentes à tonalidade, durações rítmicas etc.), e isso em resultados envolvendo tanto músicos treinados quanto leigos em formação musical. Mais que isso, o tipo de dissociação simultânea apresentado entre ocorrências de P600 e de N400 no âmbito linguístico também ocorre numa comparação entre música e linguagem, na apresentação, para músicos profissionais, de incongruências linguísticas (semânticas, de modificação dos versos originais) e musicais (de modificações das melodias originais e de incongruências ao sistema musical), em trechos de ópera modificados (BESSON 1999 — Figura 23). Finalmente, em variações do experimento nas quais a atenção dos sujeitos foi solicitada mais para um ou para outro fator (divergências na música ou na linguagem), pôde-se concluir que a amplitude (mas não a ocorrência!) do potencial relacionado é ”fortemente modulada pela atenção”, isto é, pelo modo (ou “estratégia”) através do qual o sujeito se coloca em relação ao experimento e o realiza. O resultado aponta, portanto, para um aumento da complexidade da noção exclusivamente linguística dos ERPs estudados, que não se limita apenas a uma relação música-linguagem (afinal, a metáfora musical), mas pode inclusive ser confrontada como outras modalidades e facetas da cognição humana, encarando-os como processos multi-modais e disseminados cognitivamente (cf. COULSON, KING, KUTAS 1998; HOEN, DOMINEY 2000; SITNIKOVA, KUPERBERG, HOLCOMB S.D.). “Sans pour autant parler d’identité fonctionelle, les resultants présentés ci-dessus favorisent l’idée selon laquelle les operations cognitives qui president au traitement du langage et de la musique obéissent à des principes de fonctionnement, sinon communs, du mios similaires. Une foi encore, nous donnés vont ainsi à l’encontre de l’hypothèse d’une forte modularité des representations linguistiques et musicales”223 (BESSON, KUTAS 1997). “The results argue against the language-specificity of the P600 and suggest that language and music can be studied in parallel to address questions of neural specificity in cognitive processing”224 (PATEL ET ALL 1998). Evidências experimentais baseadas em outras ocorrências de ERPs, porém, podem apontar para uma posição paradoxalmente contrária a um caráter “generalista” dos fenômenos musicais, identificando-os com uma capacidade cognitiva musical específica e variável individualmente. Em uma série de estudos (TERVANIEMI, ILVONEN, KARMA, ALHO, NÄÄTÄNEN 1997; TERVANIEMI 1999), foram pesquisadas as correlações de eventos musicais à ocorrência de um tipo de ERP associado especificamente a mudanças súbitas de padrões repetitivos em estímulos sonoros, cujo nome pode ser traduzido como negatividade de descombinação (mismatch negativity, ou MMN — Figura 24). O caráter pré-atencional (corticalmente automático, independente da vontade do sujeito testado) de ocorrência de MMNs é tomado com principal base argumentativa para a determinação de características de uma musicalidade tanto intrínseca quanto específica da percepção musical (da cognição musical). A percepção de mudanças de algum dentre diversos parâmetros musicais (ordem de notas, alturas musicais etc.), detectável pela ocorrência de uma MMN, seria dada em diferentes gradações para cada indivíduo, independente inclusive de treinamento musical (numa relação direta com uma noção de “talento musical”, mais do que de uma distinção músicos X não-músicos, dada a participação nos experimentos também de sujeitos sem formação musical relevante), e poderia ser classificada tanto em termos da distinção do conteúdo do estímulo sonoro (diferenciada, por exemplo, entre fenômenos musicais e fenômenos linguísticos) quanto da complexidade do estímulo em questão (diferenciada, por exemplo, entre o processamento de notas isoladas e o processamento de acordes). Ao mesmo tempo, habilidades musicais específicas (como por exemplo o “ouvido absoluto”) parecem ter correlações menos diretas com a ocorrência de MMNs (ou seja, com um automatismo de processamento cerebral), e indicar uma complexa relação com um contexto especificamente cultural, de formação e aprendizagem, do qual podem se constituir processos, afinal, automáticos. O que pode gerar, por exemplo, comparações com a formação cognitiva a percepção de fonemas, cuja complexidade pode relativizar a objetividade de uma dicotomia música X não música (músicos X não músicos). Figura 24 – evidências de MMNs nos registros de atividade cortical de músicos (em linhas contínuas) e não-músicos (em linhas pontilhadas) nos hemisférios esquerdo (L1) e direito (R1) de acordo com mudanças de padrões de eventos sonoros, diagramadas em A), B), C) através de gráficos de frequências sonoras no tempo (“stimulations”) (TERVANIEMI ET ALL, 1997). “A detecção consciente do desvio de um estímulo se efetua em dois tempos (NÄÄTÄNEN 1992): uma primeira etapa temporal específica da modalidade, automática [...], será seguida por uma segunda etapa e que depende da atenção [...]. Para se obter a detecção consciente de uma modificação, no adulto, são necessárias essas duas etapas” (DEAHENE-LAMBERTZ 1999). Expectâncias, modelos sensóreo-motores e cognição musical De qualquer forma, o envolvimento de fatores temporais, dinâmicos, nos estudos envolvendo música e cérebro, parece apontar de forma constante para um mecanismo de percepção de frequências de ocorrências de eventos, tão valorizado quanto o teor dos próprios eventos em si. A noção de uma capacidade cognitiva de discriminação e antecipação de ocorrências de eventos pode ser denominada como expectância (ingl. expectation), e ocupa de fato um locus central na formulação de uma psicologia cognitiva não só especificamente musical, mas de compreensão e ação sobre diferentes objetos do conhecimento — entre eles, evidentemente, a linguagem. Nesse caso, a capacidade de expectâncias pode ser apresentada como uma capacidade inata ou biológica, aplicável a várias categorias cognitivas (multimodal) e fruto de um desenvolvimento evolucionista. “Both language and music are composed of sequential events that extend in time. Therefore, strong expectancies develop while listening to speech and music: as a specific word is expected within a specific context, a specific note or chord is expected within a specific context”225 (BESSON 1999). “Au fur et à mesure qu’une conduit se maîtrise em se répétant [...], lês antecipactions répresentatives nécessaires au déclenchement des élements successifs de cette conduite deviennent de plus en plus automatiques et nécessitent de moins em mois l’intervention ou le support des aspects les plus propositionnels du langage expressif”226 (BOTEZ 1987; grifos do autor). “Patterned speech sounds could be redundant with respect to linguistic message elements to a far greater extent than sounds that are only concatenated. Furthermore, since rhythmically patterned sounds have a time trajectory that can be tracked without continuous monitoring, perception of initial elements in a pattern allows later elements to be anticipated in real time”227 (MARTIN 1972; grifo do autor). “Both humans and animals are attuned to the frequency of occurrence for various stimuli in their environments. This sensitivity to probabilistic patterns is evident in auditory, visual and tactile stimuli, and has been observed in a number of species”228 (SAFFRAN ET ALL 1999). A primeira proposição importante de uma noção de expectância musical remonta ao livro seminal de Leonard MEYER (1956 — Emotion and Meaning in Music), um dos trabalhos mais citados em toda a bibliografia recente em cognição musical e psicologia musical em geral. Para além da aplicação ou manutenção direta de regras musicais cognitivas, materiais ou simplesmente estilísticas, a noção de expectância trata dos próprios mecanismos psicológicos ativados no funcionamento de tais regras. O estabelecimento de uma expectância é dado numa relação entre a quantidade de ocorrências de um dado elemento perceptual em um contexto e a antecipação psicológica de próximas ocorrências; trata-se então de um campo cognitivo de “hipóteses sobre as estruturas por trás dos eventos do mundo” (SHEPARD 1982), e por isso as expectâncias também têm uma relação conceitual com toda a tradicional problemática filosófica da indução, tal como apresentada, por exemplo, por HUME (HURON 2002). “Variations on a repetitive pattern (novelties) evoke dishabituation (orienting) which is felt and the feeling is generated independently of recognition of the variation. The thesis to be pursue here is that while the aesthetics of music is a function of the recognition of variations, musical meaning results from the generation of feelings produced by these same variations on patterns of repetition”229 (PRIBAM 1983). “The more strongly a musical context ‘implies’ an event of a certain kind (a certain pitch or harmony or rhythmic pattern, for example), the stronger the listener’s expectation for that kind of event; the stronger his expectation, the more is attention is directed toward the expected event; and the more his attention is so directed, the more likely he is to notice any deviation from what he expects”230 (RAFFMAN 1993). “Hume noted that no amount of observation could ever resolve the truth of some general statement. […] From a purely logical point-of-view, it is not possible to infer the true principles underlying the world, solely from experience”231 (HURON 2002). Mais uma vez, noções da psicologia da Gestalt (ver Capítulo III) são explicitamente tomadas como princípios de funcionamento de mecanismos cognitivos, no caso, os de expectância. O gradual processo de gestação e fechamento de “boas formas” de estruturas perceptivas, detectáveis dentro do fluxo musical, pode ser plenamente correspondido ou interrompido sem se concluir, criando uma frustração ou uma ansiedade psicológicas. Um tal paradigma de “boa forma gestáltica completada X ansiedade criada pela quebra de expectativa” pode ser dimensionado sobre praticamente qualquer elemento estilístico musical (métrica, ritmos, escalas de alturas musicais, melodias, harmonias etc.), o que parece criar, para além do signo musical pré-estabelecido à sua teoria, um princípio de instanciação dos elementos musicais, de validade geral. “The fact that different musical representations are positively correlated is both an advantage and a disadvantage. The advantage is that it implies that we can proceed with a probabilistic analysis of music with relatively little concern over the choice of representation. On the other hand, this high correlation invites onerous mistakes of interpretation. Results of perceptual experiments may very well be consistent with a particular representation, but the same results are likely to be consistent with several other alternative representations as well. For example, a result that is consistent with small interval sizes, will also be consistent with successions of neighbouring pitches, or with close pitch chromas, or with small long-frequency differences between fundamentals, or with small differences in spectral centroid, or with small critical band distances, or with tonotopic proximity along the cochlear partition”232 (HURON 2002). "Thus the tendency toward equal temperament and the propensity to add new tones to a scale with unequal distances both seem, from this point of view, to be products of a more general psychological need for structural completeness -- for the elimination of structural gaps not only in the melodic line of the individual piece but also in the tonal system itself"233 (MEYER 1956; apud HURON S.D.B). Além disso, a dicotomia “satisfação X quebra” de expectativas, já que dada num plano eminentemente psicológico, pode servir de base para a postulação de toda uma corrente teórica a respeito de uma emoção especificamente musical, ligada à clássica dicotomia “tensão X relaxamento” conceituada dentro da tradição da teoria musical, dissolvendo os limites entre emoção e sentido musicais, entre diferentes estratégias de escuta musical (Meyer faz referência à distinção entre pontos de vista absolutistas, de pura auto-referência dos objetos musicais, e referencialistas, de ligação da música a aspectos mais gerais da psicologia humana, distinção esta ultrapassável, segundo ele, com consequências da noção de expectância) etc. "The customary or expected progression of sounds can be considered as a norm, which from a stylistic point of view it is; and alteration in the expected progression can be considered a deviation. Hence deviations can be regarded as emotional or affective stimuli”234. […] "The frustration of expectation was found to be the basis of the affective and the intellectual aesthetic response to music. If this hypothesis is correct, then an analysis of the process of expectation is clearly a prerequisite for the understanding of how musical meaning, whether affective or aesthetic, arises in any particular instance"235 […] “Every inhibition or delay creates uncertainty or suspense, if only briefly, because in the moment of delay we become aware of the possibility of alternative modes of continuation. The difference is one of scale and duration, not of kind. Both arouse uncertainties and anxieties as to coming events"236 (MEYER 1956; apud HURON S.D.B). “In a study by John Sloboda from Keele University in England, music-lovers were asked to identify those musical passages they found most emotional. SLOBODA (1991) found that ‘shivers down the spine’ occurred most often in passages containing unexpected harmonies”237 (HURON 2002). “All music is nothing more than a succession of impulses that converge toward a definite point of repose. […] This general law of attraction is satisfied in only a limited way by the tradicional diatonic system, for that system possesses no absolute value”238 (STRAVINSKY 1956). As idéias de Meyer podem não só suscitar importantes noções teóricas diferentes e complementares entre si, mas também apontar para diversos caminhos metodológicos bastante distintos; de certa forma, suas postulações podem ser encontradas em praticamente todas as conceituações envolvendo uma moderna psicologia musical, e então as diferentes facetas da cognição musical (entre outras) poderiam ser reduzidas talvez a diferentes consequências de suas afirmações — ou, a diferentes manifestações de um sistema integrado de expectâncias. Assim, em primeiro lugar, a consideração frequencial de ocorrências de elementos dentro dos fenômenos musicais pode ser estudada dentro de uma perspectiva estatística, de controle algorítmico da variação destas ocorrências, de acordo portanto com as premissas da Teoria da Informação, de estudo de elementos simbólicos ou racionais apenas por suas “relações probabilísticas” de ocorrência. Tal como proposta por SHANNON (1948), uma definição da Teoria da Informação como esta aproxima os fenômenos simbólicos humanos de uma conceituação puramente matemática ou mesmo física, de frequência de ocorrências (cf. DUPUY 1996; ver Capítulo II). No campo musical, a idéia básica, derivada da teoria de Meyer, é de que, se a expectância musical é formada (passivamente) como resultado das repetições de ocorrência de diversos elementos musicais apresentados num determinado período, pode-se defini-la e estudá-la sistematicamente analisando as características inerentes da ocorrência de tais elementos nos próprios objetos que os contém, ou seja, as obras musicais. É possível então formular uma complexa hierarquia de expectâncias indicáveis pela interação (estatística) de elementos dentro da obra musical, entre obras pertencentes ao um mesmo contexto, dentro do sistema musical geral, ou mesmo em comparações entre diferente sistemas, de culturas musicais diferentes. “There are indeed a number of stable probabilistic relationships that can be observed in music. Some of these probabilities reflect properties of individual musical works. […] Other probabilities appear to reflect properties of particular styles or genres. Yet other probabilities appear to reflect properties of music as a whole. We might begin our musical story by looking for statistical regularities that seem to characterize Western music in general”239 […] “COONS & KRAEHENBUEHL proposed an adaptive probability model for experiencing music as it unfolds as early as 1958 (COONS, KRAEHENBUEHL 1958; KRAEHENBUEHL, COONS 1959). Kraehenbuehl & Coons imagined that a listener's statistically-shaped expectations would become better adapted to a musical work as the amount of exposure increased. A listener would begin the listening experience with expectations reflecting broad or generalized probabilities arising from a life-time of musical exposure. But as the musical piece progresses, the listener would build expectations that are engendered by events in the work itself”240 […] “At face value, the experimental research suggests that the expectations are learned, and that the expectation heuristics used by listeners are just approximations of structural properties present in the music itself”241 (HURON 2002). Uma perspectiva puramente estatística para os processos simbólicos, característica da Teoria da Informação, foi gradativamente suplantada pelas consequências conceituais da postulação da gramática gerativa chomskyana, de uma ordem necessária e fundamental para tais processos, para além de uma simples correlação de “desempenhos” específicos de elementos simbólicos (cf. HURON 2002). Entretanto, as atuais possibilidades metodológicas criadas numa abordagem estatística dos fenômenos musicais estão largamente disseminadas nos estudos de psicologia cognitiva em música, especialmente numa relação com a noção de expectâncias. Deve-se notar que uma psicologia “estatística” dos fenômenos musicais não é aplicável apenas ao material do repertório musical em si, mas também é condizente com toda a metodologia laboratorial de comparação estatística entre desempenhos de sujeitos. E é justamente uma base estatística ou algorítmica comum tanto a análises de repertórios específicos quanto a experimentos comportamentais (de resposta a condições musicais controladas), o que parece acentuar profundamente a importância dos recentes resultados científicos de Carol KRUMHANSL (1990; KRUMHANSL 1995; etc.). Ou seja, os mesmos padrões de previsibilidade de ocorrências de eventos musicais podem ser extraídos tanto da análise estatística de conjuntos delimitados de obras musicais, quanto de respostas experimentais de sujeitos testados em condições de laboratório, uma particularidade metodológica identificada por Krumhansl como “operações convergentes” (“converging operations”). Baseado numa concretude empírica tanto de manifestações musicais específicas (as obras) quanto de sua percepção (nos sujeitos), um tal “esquema algorítmico” (formulável por equações matemáticas) de formação e análise de elementos musicais (ocorrências de intervalos melódicos, de sequências rítmicas, de divisões formais etc.) pode ser considerado como evidência científica da validade de determinados princípios gerais em teorias psicológicas, como os das Gestalt, ou de modelos mais especificamente musicais, como o de NARMOUR (1991 — ver Capítulo IV). "Listeners appear to be very sensitive to the frequency with which the various elements [pitch chromas] and their successive combinations are employed in music. It seems probable, then, that abstract tonal and harmonic relations are learned through internalising distribution properties characteristic of the style"242 (KRUMHANSL 1990 apud HURON 2002). “Listeners produced similar melodic continuation judgements despite substantial variation in their musical training and familiarity with the musical styles. [...] The degree of consistency found across listeners suggests that musical expectancy is a phenomenon that is compatible with this goal”243 (KRUMHANSL 1995). Acima de tudo, uma “fórmula estatística de produção musical” como esta deve estar ligada indissoluvelmente ao conteúdo concreto dos próprios objetos dos quais é deduzida. Ou seja, o “cálculo” das expectâncias leva em consideração a materialidade concreta do dado da pesquisa (seja da análise de repertório, seja de experimentos em laboratório), sua circunscrição histórica, cultural ou simplesmente estilística. O resultado estatístico é dado pelas propriedades de uma determinada produção musical; variando-se a produção musical delimitada, o resultado deve ser outro. Se o caráter empírico do método científico leva em conta uma universalidade dos processos materiais que pretende descrever, a circunscrição de uma materialidade específica, entretanto, pode ser interessantemente comparável com a noção de corpus presente na Análise do Discurso linguística (ou movimentos teóricos similares) , ou seja, de um delimitação de produções específicas na qual podem ser “homogeneizadas” e analisadas suas propriedades discursivas. A forma e peso conceitual nas quais se dão as decisões na escolha do corpus discursivo não são pré-dadas, mas constituem uma parte importante do próprio método analítico; assim, as “condições de produção” discursivas do objeto da pesquisa (cf. FOUCAULT 1969; COURTINE 1981) parecem mesmo fazer parte não só as condições de produção (metodológicas, terminológicas etc.) da pesquisa, mas também de sua própria motivação conceitual (ver Capítulo II). Neste caso específico, os mecanismos algorítmicos determinados por Krumhansl são válidos sobretudo num ambiente tonal, da tradição européia comum, e variações significativas de resultados experimentais têm sido conseguidas em comparações de cunho cultural (CASTELLANO, BHARUCHA, KRUMHANSL 1984) ou histórico (HURON, VON HIPPEL 2000), no cálculo de expectâncias musicais. A meta final, porém, parece ser sempre a da superação de dicotomias meramente estilísticas, para definir propriedades cada vez mais gerais da atividade musical. Uma caracterização tonal é então gradativamente transportada para uma definição da Música “ela mesma”, ou uma instância tonal é apresentada como uma instância musical — na medida, por exemplo, em que “melodias inteiras são aceitas de uma maneira análoga a notas individuais” (“entire melodies were preferred in a manner analogous to individual tones” — KRUMHANSL 1995). “The relative stability of a tone will depend to some degree on its treatment within a particular compositional context...However, it is presumed that there is a more abstract, invariant hierarchy of stability that is typical of a musical style more generally, and that this more abstract hierarchy is an important characteristic contributing to the perceived stability of each tone within a complex musical sequence”244 (KRUMHANSL 1990 apud CROSS 1997). [...] “ ‘Tonality’ is a system of relationships that increase the predictability of certain sounds in certain contexts, that evoke both a highly positive prediction response, as well as a positively valenced outcome response that arises from misattribution of predictability with certain outcomes”245 [...] “HURON, VON HIPPEL (2000) carried out a detailed study of the construction of 12-tone rows from the classic ‘Second’ Viennese school composers: Arnold Schoenberg, Anton Webern, and Alban Berg. Using some 80 twelve-tone rows, Huron & von Hippel examined the moment-to-moment key implications using the Krumhansl and Schmuckler key-estimation algorithm. The moment-to-moment unfolding of the tone rows were shown to exhibit strong contra-tonal organizations”246 (HURON 2002). Se as hipóteses de Krumhansl são derivadas de processos e procedimentos oriundos de uma psicologia cognitiva, modelos de expectância musical baseados em evidências especificamente neuronais ou corticais podem apontar para caminhos diversos, atrelados a propriedades sonoras ou auditivas. Na tradição dos estudos sobre percepção auditiva, a proposição da teoria dos ressoadores de HELMHOLTZ (séc. XIX), embora ligada a propriedades físicas do som, já é também uma proposta de funcionamento do ouvido interno; nele, as células responsáveis pela discriminação das frequências sonoras (os órgãos de Corti) funcionam de forma similar a ressoadores, isto é, cada célula (ou grupo de células) responde à existência de uma única frequência sonora dentro do estímulo auditivo, e a somatória da excitação das células distribuídas dentro do espectro audível é que criaria nossa percepção de alturas e timbres. Para além de uma propriedade meramente sensorial, uma disposição espacial de elementos de discriminação de frequências — isto é, como localizações lineares de neurônios dedicados a frequências sonoras específicas, como nos órgãos de Corti — também pode ser associada à área responsável corticalmente, ou seja, a área auditiva primária, correspondente às áreas 41/42 do mapa de Brodmann (ver Capítulo II). É a chamada representação tonotópica da percepção frequencial. “For the musically trained, the arrangement of the auditory cortex is much like a piano keyboard, with equal distance between octaves”247 (HODGES 2000). “Fibras que veiculam informações das partes do órgão de Corti que respondem a sons de frequência alta se situam nas parte mediais do córtex auditivo primário, enquanto que fibras provenientes de partes que respondem a sons de baixa frequência se localizam nas porções laterais do giro de Heschl” (LURIA 1981). “A frequency axis (tonotopic representation) has been demonstrated in the primary auditory cortex of many mammals […]. Therefore, the hypothesis [of its non-existence] cannot be ruled out. However, it has been considered that it is unrealistically simple, because most cortical neurons show nonmonotonic impulse-count functions and excitatory and inhibitory frequency-tuning curves”248 (SUGA 1995). O caráter tonotópico da percepção frequencial formaria então um “mapa” espectral dos estímulos sonoros, cujas propriedades podem ser descritas através de relações algorítmicas (matemáticas, computacionais) entre as frequências sonoras, ou entre suas representações nervosas ou corticais. Este é o cerne da concepção de um modelo teórico da percepção auditiva proposto por Ernst TERHARDT (1974) e conhecido como virtual pitch: nossa discriminação de objetos sonoros e musicais é dada na inter-relação das diversas frequências do espectro auditivo, uma inter-relação descritível algoritmicamente e determinística o suficiente para prever ou “ouvir” a frequência fundamental faltante de uma série de frequências “harmônicas”, um fenômeno conhecido desde há muito na percepção musical (Figura 25). Figura 25 - “a) Percepção unitária correspondente à frequência evocada por um conjunto complexo de harmônicos em um som; b) altura evocada por um som complexo constituindo tanto uma percepção unitária (‘virtual pitch’, indicada no gráfico por um traço sólido) quanto uma combinação de alturas correspondentes ao espectro das frequências sonoras mais altas (indicada nos traços pontilhados); c) possíveis ‘fundamentais’ do conjunto de harmônicos de um acorde musical” (CROSS 1997). “With three Fourier components with the frequencies 600, 800, and 1000 Hz [are hearded], not only the spectral pitches corresponding to 600, 800, and 1000 Hz are apprehended, but it is supposed that these components are likely to be harmonics of a complex tone the lower harmonics of which have been attenuated or even removed by linear distortion of the sound path”249 (TERHARDT 2000A). “It is apparent that an efficient algorithm for the determination of roots makes a significant contribution to the theory of harmony. As a consequence of the nature of the root phenomenon, the theory of virtual pitch readily provides such an algorithm”250 (TERHARDT 2000B). O modelo de Terhardt também pode ser considerado uma manifestação, tanto musical quanto auditiva, das expectâncias de Meyer, mas sob uma ótica totalmente diversa. O que se espera do som não é um padrão habitualmente repetido, mas sim relações específicas entre as frequências sonoras. Em última instância, o aspecto puramente fisicalista desta abordagem deve determinar, ainda que de diversas maneiras diferentes e por vezes antagônicas, as concepções de universalidade e invariabilidade presentes no pensamento de Terhardt. As propriedades musicais, de relações entre notas musicais (ou entre frequências sonoras), devem ser consideradas a partir de então também propriedades concretas, científicas, nos objetos sonoros; o método analítico pode ser aplicado a qualquer conjunto de frequências, sejam simultâneas, sejam sucessivas, aproximando a distância conceitual entre melodia, harmonia e timbre; a própria noção de um “ser” musical, de sua estrutura e de sua gênese, pode ser dada a partir de propriedades físicas (ou, no mínimo, algorítmicas), talvez determinando cientificamente o limite entre os objetos musicais e os não-musicais. É uma concepção de fortes características inatistas, universalistas e computacionais da cognição musical como um todo; os fenômenos musicais não seriam dados numa instância estética ou histórica, mas determinados por suas possibilidades físicas, corticais ou meramente formais — possibilitando mais uma aproximação com a psicologia da Gestalt (TERHARDT 1987). “Instead of having to explain the root as a side effect of cultural development of music (as Helmholtz did), the root phenomenon must be regarded as a major primary psychophysical factor that has driven the evolution of music”251 (TERHARDT 2000B; grifo do autor). “The dichotomy between ‘tone’ and ‘chord’ has been bridged and both have been placed in an integrated analytic continuum”252 (HURON 1991). Embora o modelo de Terhardt possa servir como explicação para várias características dos fenômenos musicais (ciclos de oitavas, consonâncias e dissonâncias musicais, inversões de acordes etc.), ele parece estar sempre direcionado cuidadosamente para questões amplamente auditivas (e com consequências apenas indiretas para uma cognição especificamente musical), e pode ser confrontado com modelos que, apesar de similares, levam em conta uma maior importância de variáveis individuais e culturais. Por exemplo, numa teoria psicoacústica para a harmonia tradicional, como proposta por PARNCUTT (1989; HURON 1991), a metodologia dos cálculos de Terhardt é enriquecida com variáveis relativas à familiaridade cultural dos objetos sonoros, ou com “estratégias” específicas de escuta. “Parncutt wants to assure the reader that his model of harmony is not based on the ‘naturalness’ of the harmonic series as an acoustical phenomenon, but on the familiarity of the auditory system with the harmonic series due to the plethora of harmonic tones experienced in the environment”253 (HURON 1991). Figura 26 – estado de equilíbrio de uma rede auto-organizada modelada de acordo com a “representação tonotópica de Terhardt” após apresentação de 96 tipos de acorde em 1000 interações (LEMAN 1989). Por outro lado, porém, a materialidade empírica do modelo de Terhardt (aplicável tanto a nível neurológico quanto ao nível dos objetos musicais comuns) pode ser tomada como ponto crucial na formulação de uma teoria geral naturalista ou materialista para a cognição musical, tal como mostram os objetivos do trabalho de Marc LEMAN (1989; LEMAN 1995; LEMAN 1999A; LEMAN 1999B; etc.), já citado anteriormente nos Capítulos III e V. Um modelo eminentemente algorítmico de percepção frequencial (como o de Terhardt) pode ser transposto a uma abordagem neuropsicológica através um sistema conexionista, de redes neurais. Ou seja, as propriedades do córtex auditivo primário (tonotópico) poderiam, ainda que hipoteticamente, ser representadas em um “mapa” de frequências sonoras, de uma rede neural auto-organizada; além disso, quando apresentada a uma série de representações de frequências de acordes musicais, uma tal rede auto-organizada também reproduz espontaneamente a organização das notas em um ciclo de 5as (LEMAN 1989 — Figura 26), condizendo tanto com a tradição da teoria musical (tonal) e da psicoacústica (das relações entre os harmônicos sonoros) quanto com algoritmos de discriminação cognitiva de objetos musicais, como os de Krumhansl e Terhardt. Assim, Leman espera reunir as múltiplas dimensões empíricas da cognição musical em um todo integrado e multidisciplinar, na postulação de uma musicologia sistemática (sistematic musicology): o modelamento em redes neurais, pesquisas envolvendo tecidos ou localizações cerebrais (ex. ZATORRE 1988), testes de psicologia cognitiva e mesmo propriedades simbólicas dos sistemas musicais (como em Lerdahl & Jackendoff — ver Capítulo IV) podem apresentar resultados coerentes e complementares entre si. Seria então o despontar de um eliminalismo materialista (CHURCHLAND 1981 — ver Capítulo II) dentro do universo da cognição musical: o estudo exaustivo das capacidades e organizações cerebrais (ou mentais) definirá sistematicamente as possibilidades do pensamento e do conhecimento humanos, num determinismo absoluto da matéria científica e da racionalidade. Nesse caso, a frequência sonora estável e sua percepção (nas notas musicais), como paradigma do musical, pode ser situada para além de um sistema simbólico ou sígnico pré-concebido, como em muitos dos modelos apresentados até aqui, numa substituição ou evolução, a princípio, do sistema musical (ou tonal) pela pura experiência sonora. É cabível então o mesmo termo de descrição “sonológica” da cognição musical, apresentado por LASKE (1980 — ver Capítulo V), embora o sentido formalista (matemático) deste último seja substituído por uma dinâmica biológica, neuropsicológica — onde a “tradição da psicologia da Gestalt pode ser finalmente formulada como uma metodologia de resolução de problemas” (LEMAN 1999A). “To base a theory of musical signification (or even Gestalt perception) on score-like representations, however useful that may be from a problem-solving point of view, implied a severe reduction of the richness of the musical domain. The often tacitly assumed idea behind this attitude was that music signification could not merely be conceived of in terms of propositional constructs but needed somehow to be related to an inner causal organization of images that determine different qualities of signification”254 (LEMAN 1999B). “Leman transcends the work of Krumhansl, breaks free from the symbolic constraints of music theory texts, and addresses the perception of something closer to a real musical environment”255 (PARNCUTT 1998). É claro, Leman parece passar ao largo da noção de expectância de Meyer (cf. PARNCUTT 1998), já que o formalismo e o determinismo de uma “musicologia sistemática” apontam numa direção diversa de um relativismo cultural, típico na caracterização de expectâncias. O objetivo último deve ser um método empírico para a definição de um objeto musical (ou de uma instância musical), de caráter inequívoco, cientificamente delimitado, de uma maneira “causal”. De fato, os avanços metodológicos e epistemológicos (uma das grandes preocupações de Leman) são vastos e profundos, mas ainda que cite um modelo simbólico para a cognição musical como “limitado” epistemologicamente, o próprio Leman admite a limitação advinda de um modelo auditivo para os objetos musicas. "After all, the effect of sound on the human information processing system is more than just a response of the auditory system. Movements of the body are particularly connected to the perception of the beat and phrase and the apperception of emotion and affect is associated with kinesthetic and synesthetic processes"256 (LEMAN 1999B). O som como entidade cognitiva pode gerar outras múltiplas possibilidades de estudo, às vezes utilizando metodologias idênticas, mas com objetos, conceituações e resultados diversos. Um modelo semelhante ao de Leman em sua abrangência na inter-relação entre processos corticais e a gênese de objetos musicais pode ser apontado em pesquisas relacionadas com uma Análise do Cenário Auditivo (Auditory Scene Analysis — BREGMAN 1990). Aqui, a habilidade cognitiva em destaque não é a “fusão”, em uma única representação virtual (a nota), de um conjunto sonoro complexo, mas a capacidade de análise e localização de fontes ou objetos sonoros no espaço sonoro como um todo. A formação de tais “objetos” parece estar vinculada às propriedades da escuta binaural (processada em diferentes núcleos cerebrais, como o tálamo e o córtex auditivo secundário), mas também, entre outros, a propriedades dos próprios objetos sonoros (ex. durações, frequências sonoras etc.); a nível cortical, também são relevantes sincronizações de atividade neuronal na frequência gama (~40Hz) entre diferentes partes do córtex cerebral, durante “processamento de informação complexa” (KRAUSE 1999; BHATTACHARYA, PETSCHE, PEREDA 2001). Figura 27 – exemplo de “auditory stream”: “Assim, um padrão como o aqui mostrado, onde sucessivas notas estão separadas por largos saltos intervalares mas as notas alternadas têm alturas próximas entre si, será ouvido como duas melodias separadas e alternadas, mais do que uma melodia com muitos saltos. Esta tendência a agrupar, a linearizar, alturas próximas no campo e no tempo auditivos, nos dá a capacidade de ouvir uma melodia como uma forma, uma única altura se movendo no tempo, emanando de uma única fonte real ou virtual” (CROSS 1997). O ponto mais importante talvez seja uma caracterização espacial dos objetos sonoros (e musicais), dada a função de localização ambiental, “ecológica”, que a localização do som parece ocupar nas capacidades cognitivas. A formação de objetos ou “cadeias auditivas” (“auditory streams”) é mais complexa que uma simples redução à capacidade binaural, envolvendo variações e estabilidades sonoras e musicais (notas próximas em altura, duração, regularidade rítmica etc. — Figura 27). Ou seja, a formação de “auditory streams” não é um fenômeno apenas acústico, mas essencialmente cognitivo, dependente de variáveis culturais, não-auditivas, de “estado” psicológico geral (como no envolvimento com a atenção) etc. Tal como num modelo cognitivo baseado na percepção frequencial, o modelo proposto por Bregman, quando aplicado a conteúdos musicais, abre a possibilidade de vínculos com outros experimentos envolvendo música e espacialidade (ex. CUPCHIK, PHILLIPS, HILL 2001), e serve como base para diversas vias de pesquisa em cognição musical (redes neurais, localizações neuropsicológicas etc.); em pelo menos um projeto, há pretensões multidisciplinares e “sistemáticas” similares ao de Leman: BAIRD (1997; BAIRD 2000) propõe uma “arquitetura” científica de descrição e reprodução de propriedades direta ou indiretamente ligadas à Auditory Scene Analysis, em diversos meios de estudo cognitivo (redes neurais, localizações neuropsicológicas, análises de EEGs etc.). “Auditory Scene Analysis describes the ability of listeners to separate the acoustic events arriving from different environmental sources into separate perceptual representations (streams). It is related to, but is more general than, the well-known ‘cocktail party effect’, which refers to the ability of listeners to segregate one voice from a mixture of many other voices”257 (BROWN 1997). “Specifically the immediate project investigates a large-scale neural network architecture that implements a computational theory of attention, learning, hierarchical programming, motor timing, and trans-cortical communication based on adaptive synchronization of gamma (25-100 Hz) and sub-gamma (1-25 Hz) band oscillations between cortical areas. The goal of this collaboration between a biophysicist, neurologist, physiologist, and a pure mathematician is to further develop and apply the architecture to bridge the gap between neuroscience and human psychology by simulating both electrophysiological and behavioral data. [...] A primary goal is to apply advanced mathematical and computational systems and take research on rhythmic communication in speech, music, and dance directly to applications in art and therapy”258 (BAIRD 2000). Seja como for, os últimos modelos cognitivos apresentados, talvez por causa de sua própria ambição epistemológica de descrição dos fenômenos musicais através da cognição auditiva, dão-se conta da limitação de um paradigma meramente sonoro ou auditivo. Tanto o caráter mecânico, corporal da música (lembrado por Leman), quanto a espacialidade dos fenômenos musicais (salientada no modelo de Bregman) podem ser relacionados com uma afirmação da importância do aspecto motor em música, ou seja, da música como um tipo específico de movimento: corporal, espacial, ou até mesmo simplesmente sonoro ou frequencial. O que marca a possibilidade de um novo paradigma epistemológico para os fenômenos musicais e seu estudo, libertos (ao menos parcialmente) da dimensão sonora, de caráter objetivo, materialista ou imediatista. Da mesma forma, o estudo da relação entre música e aspectos motores parece tender a se afastar da materialidade do som como objeto musical, e a se aproximar, pelo contrário, da noção de um corpo que produz música. Neste caso, a própria noção de expectância pode ser definida em termos de sua descrição ou sua importância nos princípios que regulam a atividade ou a sensibilidade motora. “In this sense, temporal expectations are akin to the orienting response — a behavior that improves perception. In addition, expectations can be viewed as preparations for appropriate motor behaviors”259 (HURON 2002). Em um primeiro momento, uma relação entre música e motricidade pode ser estudada na própria atividade motora da execução musical, na performance musical. Parâmetros relevantes na interpretação de peças musicais (mudanças de intensidade, mudanças de andamento etc.) podem ser precisa e detalhadamente registrados e analisados, na gravação do resultado sonoro, em métodos especiais de registro dos impulsos motores no instrumento musical, ou mesmo através de simulações de diferentes execuções, via computador. Tais parâmetros podem revelar padrões de variação (e de invariabilidade) na execução de elementos musicais ou estilísticos, de peças, de gêneros, formas ou intérpretes musicais específicos, num resultado similar à análise probabilística apresentada no trabalho de Krumhansl (ex. GABRIELSSON 2000; FRIBERG 1997). Especialmente quando comparada a noções mais formalistas e abstratas (como por exemplo a competência da tradição gerativista), a materialidade do fenômenos musicais que a performance pode representar em termos conceituais — materialidade objetual, do objeto de pesquisa (a performance), e analítica, dos dados computados na pesquisa — é dada como tal levando em conta a influência de uma perspectiva social, histórica, contextual, da mesma forma que no trabalho de Krumhansl; as características mostradas pelo experimento científico, afinal, serão em última análise características estilísticas, próprias do meio musical onde a performance é gerada. Assim, tais linhas de pesquisa parecem procurar a definição de uma “estratégia” geral de interpretação musical, dada de acordo com princípios estatísticos e experimentais bastante claros, mais do que uma norma performativa (de caráter invariável, inata, “cognitiva”) dada algoritmicamente, computacionalmente; são abundantes então as correlações com modelos computacionais, de inteligência artificial, redes neurais etc. Entretanto não parece se tratar de delimitar uma estrutura coerente ou uma gênese dos processos musicais (ou de uma instância musical), mas de determinar as prerrogativas concretas (funcionais) para resultados performativos (expressivos) específicos. Ou seja, não se coloca em questão a distinção da própria instância musical na qual se produzem a interpretação, a obra, o músico, o ouvinte. Assim, a delimitação analítica de uma “expressividade” performativa não se limitará ao campo musical, mas poderá ser buscada e discernida em outros meios: a dança, a linguagem etc.; se tais índices estatísticos de expressividade, deduzidos do material musical, são transpostos diretamente para outros tipos de atividade, o resultado pode não ser a descoberta de princípios gerais de uma expressividade motora, mas tão-somente mais outro limite para a metáfora musical. “The purpose of this research project is to investigate expressive performance in music, dance, speech, and body language, to compare these performances with regard to their similarities and differences, and to relate them to the performer’s expressive intention and the listener's or viewer's impression”260 (GABRIELSSON 2000). “We start with a hypothesized principle, realize it in terms of a synthetic performance, and evaluate it by listening. If needed, the hypothesized principle is further modified and the process repeated. Eventually, a new rule has been formulated. In other words, the method is to teach the computer how to play more musically. The success of this method is entirely dependent on the formulation of hypotheses and on competent listeners”261 (FRIBERG 1997). Para além de uma relação entre música e motricidade meramente funcional ou instrumental, isto é, de controle motor na execução do instrumento musical, os fenômenos musicais também são apresentados diversas vezes como intrinsecamente constituídos por ou “emanados” de processos motores mais elementares do arcabouço cognitivo. Nesse caso, atividades motoras delimitadas (ex. locomoção, fala, gestos etc.) podem ter alguns parâmetros (velocidade, intensidades, curvas de variação etc.) medidos experimentalmente, e comparados a variações específicas de parâmetros musicais do repertório tradicional (crescendos, ritardandos, variações de intensidades etc.; uma revisão bibliográfica deste aspecto pode ser encontrada em SUNDBERG 2000); resultados coerentes entre estes parâmetros autorizam a postulação de uma causalidade cognitiva (motora) para características (especialmente rítmicas, uma vez que motoras) dos sistemas musicais — ou, ao menos, de características de um sistema estilístico delimitado. “A possible reason for the symbolic behavior in phonation and [verbal] articulation may be a general body language of emotions which exerts its influence also over the behavior of the voice organs”262 (SUNDBERG 1983). É claro que postular uma “primariedade” de determinados processos motores pode eventualmente se tornar uma temeridade, em virtude do caráter complexo, multifacetado e inter-relacionado de tais processos, ou dos processos cognitivos em geral (cf. LURIA 1981). É vastamente conhecida e reconhecida, por exemplo, a propriedade de um encadeamento homogêneo e fluido entre as atividades motoras, uma capacidade cognitiva (motora) independente e atuante em vários processos cognitivos diferentes, delimitável, em estudos em psicologia experimental, em um nome seu próprio — o sinergismo — e no envolvimento de centros nervosos próprios — como o cerebelo, por exemplo (PENHUNE, ZATORRE, EVANS 1998). Ocorre que, na literatura pertinente, uma fluidez homogênea entre processos motores, nomeada ou não pelo conceito de sinergismo, é constantemente associada a uma “musicalidade” intrínseca destes mesmos processos, e isto geralmente de forma mais “metafórica” do que epistemologicamente aprofundada. Ou seja, se a música pode ser postulada como oriunda de processos motores “primários”, a postulação de um sinergismo primitivo (inconsciente, multimodal etc.) torna paradoxalmente possível a postulação de uma musicalidade primária para estes mesmos processos motores, através de mais uma manifestação explícita de uma metáfora musical. “Toda ação consiste em um cadeia de movimentos consecutivos [...]. Nos estágios iniciais de formação esta cadeia de elementos motores é de natureza individualizada e cada elemento motor requer o seu próprio impulso isolado, especial. Na formação de uma habilidade motora, esta cadeia de impulsos isolados é reduzida e os movimentos complexos começam a ser executados como uma ’melodia cinética’ única” (LURIA 1981). “Synergisms are cases where what appear to be behavioral elements are in fact ‘fused’ to one another, so that the whole business functions as a unit; as when a well-practiced pianist plays a fluent arpeggio”263 (FODOR 1987). “THACH (1996) and THACH ET ALL (1992) in particular have hypothesized that the basic function of the cerebellum is in the learning of motor ‘synergies’, aggregations of simple movements that make up more complex behaviors”264 (PENHUNE, ZATORRE, EVANS 1998). Na verdade, um avanço epistemológico natural neste ponto seria ampliar a importância cognitiva de uma noção restrita de motricidade, até tornar-se possível encará-la, de certa forma, como um estado geral de percepção (e ação) corporal. Esta noção de um “estado corporal (ou motor) difuso” participando da construção de nossas propriedades cognitivas pode ser identificada com os difundidos termos de pattern e/ou schema corporais, entre outros mais ou menos equivalentes, e ser também considerada uma das contribuições mais importantes de estudos de base neuropsicológica (JOHNSON 1987; EDELMAN 1987; DAMASIO 1994; etc.) na formação das atuais ciências cognitivas. Mesmo conceitos oriundos da psicologia da Gestalt (ex. figura-fundo), cruciais em muitos dos modelos cognitivos em música introduzidos no presente trabalho, podem ser explicados a partir de mecanismos cerebrais mais precisos e coerentes do que o já superado isomorfismo psiconeural típico de suas formulações iniciais (já citado anteriormente no presente trabalho — ver Capítulo II), tornando possível então não só a descrição de uma gênese das estruturas gestálticas, mas também de suas relações com outros elementos psicologicamente espúreos, como a emoção ou a subjetividade. “Perceptual categorization is the first step along Edelman’s path toward a model of general consciousness. [...] If there are no a prioi assumptions that serve to identify the objects that are being perceived or any characteristic attributes that distinguish those objects, then the first thing any conscious system is going to have to do is figure out which stimuli are associated with a common object”265 (SMOLIAR 1992). “When we have feelings connected with emotions, attention is allocated substantially to body signals, and parts of the body landscape move from the background to the foreground of our attention.”266 [...] “The experience of subjectivity is dependent on a three-stage process of image generation [...] — when the brain is producing not just images of an object, not just images of organism responses to the object, but a third kind of image, that of an organism in the act of perceiving and responding to an object”267 (DAMASIO 1994 apud AKSNES S.D.). Em linhas gerais, um schema é um padrão de estados ou de respostas psicomotoras para diferentes estímulos cognitivos, um padrão advindo não só de determinados propriedades cognitivas inconscientes, inatas, próprias do arcabouço perceptivo (e cerebral), mas também formado na variada e contínua exposição concreta a experiências sensoriais e motoras, ou seja, no ambiente ecológico, humano e social (cultural) que cerca o indivíduo. Um tal padrão une um conjunto de estados ou respostas corporais (e perceptivos) distintos (simultâneos e sucessivos) em um objeto psíquico (ou cognitivo) único (ex. um objeto visual, uma emoção, uma analogia mental, uma sequência de movimentos etc.); o resultado pode ser considerado uma “imagem” fechada do conjunto de percepções e movimentos, mais adequadamente descrita como “sensória”, e por isso mesmo não simplesmente uma “imagem” visual ou motora, nem propriamente linguística ou conceitual. A capacidade de formação de tais construtos estaria no cerne da própria capacidade, linguística e racional, de formação de conceitos, ou conceitualização (conceptualization), e os pesquisadores envolvidos com esta noção são quase sempre taxativos em caracterizá-los (pl. schemata) como um fenômeno “filogeneticamente pré-linguístico” (“phylogenetically prelinguistic phenomenon” — EDELMAN 1987), isto é, representante de mecanismos prévios e atuantes no desenvolvimento cognitivo da linguagem. "An image schema is a dynamic cognitive construct that functions somewhat like the abstract structure of an image, and thereby connects up a vast range of different experiences that manifest this same recurring structure. [...] Image schemata are by no means visual — the idea of an image is simply a way of capturing the organization inferred from patterns in behavior and concept formation"268 (ZBIKOWSKI 1998). “Damasio repudiates the notion of a linguistic constraint on selfhood: ‘The metaself construction I envision is purely nonverbal’ ”269 (AKSNES S.D.). “More precisely, a schema may be defined as a knowledge structure that arises from past experience, and which influences how we perceive and interpret current events. In a sense, schemata are like archetypal ‘stories’ ”270 (HURON 2002). Na literatura sobre cognição musical ocorrem diversas aproximações à noção de schema, tal como vem sendo apresentada pelas ciências cognitivas (ex. BHARUCHA 1984; SMOLIAR 1992; RAFFMAN 1993; JUSLIN 1995; AKSNES S.D.; ZBIKOWSKI 1998; BROWER 2002; etc.); destas aproximações, uma parte significativa tem um caráter teórico e especulativo. É possível identificar uma tendência a definir termos explícitos da teoria musical como schemata cognitivos, isto é, baseados em respostas sensóreas (de diversos tipos) de caráter mais ou menos inconsciente e fisiológico, inato e universal. Neste caso, o caráter generalizante do conceito de schema — isto é, de aplicação de um mesmo princípio sensório-motor para muitos estados cognitivos — parecerá mais apropriado na medida em que o próprio elemento musical considerado se apresenta como amplamente disseminado e presente nas práticas musicais, como por exemplo numa descrição do tonalismo, do ritmo regular e linear, ou mesmo da expectância harmônica e musical. “We already have good evidence for the existence of different musical schemata. Perhaps the best documented difference is the distinction between major and minor modes”271 (KRUMHANSL 1990). “What EDELMAN (1987) called primary consciousness is manifested in listening behaviour through the ability to form expectations that, in turn, affect how auditory stimuli are actually perceived”272 (SMOLIAR 1992). Figura 28 – Exemplos de sentic forms, mostradas em gráficos de variação de intensidade em razão do tempo (as duas linhas representam duas dimensões espaciais). “Diferenças sutis de formas (ex. entre amor e piedade) podem ser mais significantes do que diferenças mais óbvias. A coerência entre as formas expressivas, e a qualidade da sensação produzida, parecem ser dadas biologicamente” (CLYNES, NETTHEIM 1983). Mas dificilmente haverá caso mais radical e, paradoxalmente ao mesmo tempo, mais exemplar da busca de padrões cognitivos pré-formados em música, do que o das pesquisas de Manfred CLYNES. O objetivo primordial de seu trabalho pode ser descrito como uma tentativa de isolar padrões de formas musicais (ou cognitivas) invariáveis, automáticas e concretas, de uma concretude científica (do dado de pesquisa), fisiológica (do processo biológico, neuronal), psicológica (em um conteúdo simbólico efetivamente percebido) e estilística (do material musical). Desde sua proposição mais remota (ex. CLYNES 1969), o cerne de suas pesquisas tem apontado para o conceito de sentic forms, que podem ser descritas como padrões dinâmicos específicos de variação em processos cognitivos (representáveis por gráficos de intensidade X tempo — Figura 28), responsáveis principalmente pela produção e transmissão de emoções (CLYNES 1977; CLYNES 1986; CLYNES 1992; CLYNES 1994; etc.). Assim, são "formas" prescritas de uma determinada emoção; não estão atreladas a determinado meio cognitivo (a audição, a atividade motora etc.), mas possuem um caráter multimodal, ou seja, ocorrem em qualquer processo cognitivo sujeito a variações de parâmetros no tempo: “um gesto, uma entonação vocal, uma frase musical, um passo de dança” (“a gesture, a tone of voice, a musical phrase, a dance step”). Não funcionam como representações meramente simbólicas ou culturais, mas estão inscritas “diretamente no sistema nervoso central” (“directly on the central nervous system”), com um papel especial, em seu processamento a nível cortical, consagrado à amídala (CLYNES 1992) — constantemente indicada, por sua vez, como importante na manifestação de sensações corporais e emocionais (cf. DAMASIO 1994). Uma aproximação de qualquer processo cognitivo à expressão dinâmica da sentic form (qualquer um que envolva uma relação intensidade X tempo similar à da sentic form) “transmitiria”, ou “emanaria” a emoção correspondente, na medida em que se aproximasse, em maior ou menor grau, de sua forma exata determinada cientificamente. O significado do musical estaria, portanto, intimamente ligado às sentic forms, permitindo uma nova possibilidade da relação entre os eventos musicais explicitamente simbólicos (notas, ritmo etc.) e estruturas sonoras subliminares, relativas a uma “microestrutura” dos fenômenos musicais assimilada inconscientemente mas passível de análise científica (CLYNES 1986), similar à proclamada por RAFFMAN (1993 — ver Capítulo III). Figura 29 — o pulso de compositores na resposta motórica medida pelo sentógrafo, da execução (imaginária) das peças determinadas, para os intérpretes indicados (CLYNES 1969). A ambivalência entre as diversas vias de manifestação das sentic forms permite que elas possam ser estudadas além de um paradigma meramente auditivo. Um aparelho desenvolvido especialmente para as pesquisas de Clynes, o sentógrafo, registra a variação de intensidade (com precisão de milésimos de segundo) em uma pulsação regular dos dedos de sujeitos testados experimentalmente (geralmente já dotados de treinamento musical prévio). Se tais pulsações são produzidas ao se imaginar uma determinada peça musical, os registros exibem padrões coincidentes de intensidade para as pulsações de obras de um mesmo compositor, gênero musical ou período estilístico (CLYNES, WALKER 1983; CLYNES 1995 — Figura 29), o que indicaria uma forma pré-estabelecida e invariável para a composição, a interpretação e a escuta de diferentes obras musicais; e Clynes chega a definir experimentalmente padrões ideais de “pulsos” para alguns compositores (funcionando como sua “assinatura microestrutural”), válidos como princípios gerais de interpretação musical e também como padrões de interpretação de determinados elementos estilísticos, como a acentuação rítmica dos compassos musicais. “The ‘hypnotic’ aspect of repetitive sound, the aspect of feeling that the rhythm take us over, relates to the time-form printing property that requires only one initial decision for the generation of the beat — thereafter no further conscious decision is required: in listening even this initial decision is taken away from us! While time-form printing takes place whithout further conscious attention to the rape and shape, both are elements of an attitude that persists throughout the repetition. The nature of that attitude is [changed] in various popular, ethnic and classical music”273 (CLYNES, WALKER 1983). O sentógrafo pode também registrar, em condições experimentais, pulsações da mão associadas explicita e voluntariamente a determinadas emoções específicas (amor, raiva, alegria, reverência, piedade etc.), e os padrões resultantes podem ser convertidos em sinais sonoros, em um novo teste de reconhecimento da emoção correspondente a cada padrão (CLYNES, NETTHEIM 1983; CLYNES 1992; etc.). Ou seja, os mesmos padrões de intensidade aplicados (inconscientemente) nas pulsações podem ser reconhecidos (também inconscientemente) numa reprodução sonora. E os resultados do teste demonstraram alto índice de similaridade na produção e no reconhecimento das mesmas sentic forms (das mesmas emoções), mesmo com variações sociais e etnográficas das condições do teste. As pesquisas de Clynes parecem se situar de forma isolada, à primeira vista, no conteúdo textual da cognição musical. São bem poucos os textos que o citam como referência, e em acepções bastante superficiais e específicas (ex. LEMAN 1999B; LIDOV 1987; etc.); o próprio Clynes, por outro lado, cita quase que só a si mesmo em seus artigos. Se para ele o cerne conceitual de seus trabalho pode ser implicado da filosofia da forma de LANGER (1953 — apud CLYNES 1986; CLYNES 1992; etc.), na verdade, tal cerne talvez possa regredir dentro da tradição psicológica até à teoria dos afetos típica da filosofia barroca: o objetivo do discurso musical seria o de despertar as “paixões” (ou emoções) humanas (numa forte ligação epistemológica com a prática retórica dos séc. XVI e XVII), e cada um de seus elementos (tonalidades, intervalos, padrões rítmicos) poderia ser associado a uma emoção específica. A própria classificação descartiana das paixões (“admiração, amor, ódio, desejo, alegria, tristeza” — apud THOMAS 1995) é condizente com a classificação de Clynes (ver Figura 28); tanto em Descartes quanto em Clynes, a delimitação discriminatória entre formas “suscitadoras” de emoções não pode ocorrer cientificamente (epistemologicamente) sem uma distinção (ainda que implícita em Clynes) entre o sujeito cognoscente e o sujeito científico (empírico, “racional”), ou em última instância, entre o corpo e a alma — a razão distinta da emoção, ou no caso, a razão distinta dos fenômenos musicais. “Para LANGER (1953), nas formas musicais se captariam os nexos da vida interior, bem como o próprio sentimento na sua fluida indeterminação. Ela explica que isso pode acontecer pelo fato de que ‘as estruturas sonoras, que nós chamamos música, têm uma estrita semelhança lógica com as formas do sentimento humano”. (PIANA 2001) “The movements of soul and those of the body, once they are expressed mathematically [according MERSENNE (1636)], exhibit analogous structures. Sensation, emotion, and thought are unified in the intervals that express them. By reproducing the same intervals that correspond to the balance of bodily humors and passions, music could be used to represent and communicate the affections. This sistematic use of musical intervals would not only allow for the representation of passion. It could also generate or alter passion and have an effect on the mind as a whole”274 (THOMAS 1995). "O sentido estético do ritmo consiste em suscitar as emoções cujo fluxo representa, ou noutros termos, o ritmo sempre suscita a emoção da qual é parte componente em função das leis psicológicas do processo emocional" (WUNDT apud VYGOTSKY 1999). Para além de um conceito específico dentro da cognição musical, uma dinâmica microestrutural com a proposta por Clynes poderia, em muitos aspectos, representar a “chave” que desvendaria o sentido (epistemológico, ontológico) de todos os fenômenos musicais, com implicações em quase todos os campos da cognição musical e em quase todos os trabalhos apresentados até aqui: seria, ao mesmo tempo, inata, biológica, “impressa” no sistema nervoso e por isso pré-linguística, universal, e também multimodal, reprodutível em vários formatos e imiscuível em vários meios (por exemplo a linguagem), passível de representação simbólica e descrição científica (ou psicológica), combinação e controle gráfico e matemático etc. Se o conjunto das proposições combinando dados matemáticos (ou estatísticos) e corticais (ou biológicos, num sentido mais amplo) podem resultar numa “teoria geral da cognição sonora-musical”, são os postulados de Clynes que parecem ter a capacidade de atribuir uma causa psicológica e motivacional aos fenômenos musicais. Mais que isso: as sentic forms, em sua ligação com a tradição positivista (descartiana) e mesmo retórica, descrevem cientificamente (e também deterministicamente) as possibilidades dos objetos musicais e do significado musical, a partir de um paradigma condizente com a maior parte da tradição da teoria musical, não só na constituição de seus objetos (notas musicais, ritmo etc.) mas quanto à sua produção (envolvendo por exemplo a questão do talento musical), à sua execução, a seu julgamento estético etc. O próprio Clynes chega a indicar consequências no campo da estrutura musical (CLYNES, WALKER 1983), da educação, da estética, da ética (CLYNES 1992; CLYNES S.D.) etc., embora seja possível considerar tais indicações como insuficientes face às consequências teóricas e epistemológicas de suas pesquisas. Porque as consequências conceituais das pesquisas de Clynes podem ultrapassar em muito os limites de uma cognição musical, com implicações para todas as hipóteses sobre a capacidade de representação humana. De fato, se as sentic forms estão inscritas biologicamente em nosso sistema nervoso, isso as tornariam, de certa forma, símbolos “automáticos”, invariáveis, universais. As sentic forms seriam uma ponte natural, absoluta e perfeita entre o signo material (a música) e o processo cognitivo (a emoção). Elas parecem extrapolar qualquer idéia de “arbitrariedade do signo”, de relativa independência estrutural entre o significante e o significado, em relação à manifestação emocional, em qualquer meio cognitivo ou semiótico, uma vez que podem estar presentes em quaisquer sistemas dinâmicos. No campo linguístico, entonações da voz, por exemplo (cantadas, mas também na fala normal), variações de ritmo ou mesmo de sequências de unidades, desde sequências de consoantes até frases clichês do dia-a-dia. No campo musical, as sentic forms seriam a afirmação de uma nova era na história do signo musical, gerado e combinado a partir de fórmulas matemáticas, aplicações científicas, rigor milimétrico (cf. CLYNES, NETTHEIM 1983), num “jogo” de emoções acima de tudo funcional. De tanto avançar, a cognição musical volta para o ponto de onde partiu, a retórica barroca (e Descartes). E é justamente em seu modelo mais simples, consistente e implicativo, que a concepção de uma cognição musical se mostra mais fragilizada. “Daí, as coisas se colocam da seguinte forma: se dissermos que os sons simbolizam sentimentos e não vice-versa, isso depende do simples fato que é muito mais fácil produzir sons, manipulá-los e combiná-los à vontade, do que os sentimentos” (PIANA 2001, sobre o funcionalismo em LANGER 1953). Uma correspondência direta entre o som e o significado, por exemplo, pode ser questionada não só na tradição filosófica das relações entre o signo e o significado (como na arbitrariedade do signo linguístico, do estruturalismo), mas também através de dados oriundos da própria neuropsicologia. Embora as sentic forms sejam proclamadas como mecanismos inerentes do arcabouço cognitivo humano, definições sobre como isto ocorre no sistema nervoso (e cerebral, cortical) parecem pouco desenvolvidas. E é peculiarmente complicado tentar conciliar as afirmações de Clynes neste sentido com dados relevantes de outras áreas de uma neuropsicologia, como por exemplo em um os mais proeminentes métodos atuais de estudo da atividade cerebral, a tomografia por emissão de prótons (Positron Emission Tomography — PET). A idéia por trás deste tipo de exame é de que mudanças na atividade cerebral podem ser indicadas por mudanças de consumo de oxigênio, ou de glicose, no sangue (TERVANIEMI, VAN ZUIJEN 1999). Nas vias de circulação sanguínea do cérebro, é injetada uma substância radiotiva cuja emissão de raios gama (no fluxo de sangue dentro do órgão) pode ser detectada pelo aparelho, e a detecção de concentração da substância em determinadas áreas corticais indicaria então maior atividade metabólica. Com isso, pode-se extrair imagens de grande acuidade e precisão na localização de atividades específicas no cérebro, de um modo muito mais direto e preciso que os exames normais de dissecação, ou de eletroencefalografia — ainda que o método usado para detecção da atividade cerebral (o fluxo temporário de substâncias radioativas no sangue) limite seu desempenho no aspecto temporal. Contudo, a metodologia envolvendo PETs, em pesquisas sobre capacidade cognitivas, segue em grande parte a tradição neuropsicológica (e cognitivista) da dupla dissociação entre capacidades cognitivas (controladas em laboratório) e localizações cerebrais. “The PET investigations need always at least two experimental conditions so that their metabolic states can be compared by a substraction operation and thus the brain activity specific to a given mental operation can be resolved”275 (TERVANIEMI, VAN ZUIJEN 1999). "The techniques of positron emission tomography (PET) and single photon emission tomography (SPET) complement the structural findings [in cognitive neuropsychology] with important functional data. […] The theoretical limitations and the pitfalls of the method have, however, not changed. The procedural constrits required to make its use valid are as necessary as ever, and the appropriate interpretation of results still depends on thorough neurological competence”276 (DAMASIO, GESHWIND 1985). No campo da cognição musical, muitos dos mais proeminentes dados oriundos do uso de PETs envolvem o nome de Robert ZATORRE (1999; HALPERN, ZATORRE 1999; ZATORRE, EVANS, MEYER, HALPERN, PERRY 1996; BELIN, ZATORRE, LAFAILLE, AHAD, PIKE 2000; PAUS, PERRY, ZATORRE, WORSLEY, EVANS 1996; PERRY, ZATORRE, PETRIDES, ALIVISATOS, MEYER, EVANS 1999; etc.). Suas pesquisas (bem como em resultados de outras equipes de cientistas — cf. citação abaixo) apontam constantemente para o envolvimento de áreas corticais múltiplas e diversas para o processamento cognitivo da música, para além do córtex auditivo primário — cujas propriedades são utilizadas como cerne da maioria dos modelos neurocognitivistas em música, apresentados até aqui. De fato, os dados parecem a princípio confirmar, de forma contundente, a validade de paradigmas motores para os processamento cognitivos ou ao menos os musicais, através da participação no processamento musical de áreas corticais diversas das especificamente auditivas — como a área motora suplementar (Supplementary Motor Area, ou SMA; 6 no mapa de Brodmann), a área de Broca (ligada ao processamento da linguagem; 44 no mapa de Brodmann) ou a área associativa visual (18-19 no mapa de Brodmann; ver Capítulo II). As áreas ativadas, entretanto, irão variar de acordo com o conteúdo do objeto musical (ex. canções com letras X melodias instrumentais), sua familiaridade (ex. música conhecida X música sendo escutada pela primeira vez), a atividade mental envolvida (música sendo escutada X música sendo imaginada) etc (Figura 30). Assim, diferentes objetos ou situações musicais (diferentes instâncias musicais) irão produzir diferentes atividades cerebrais, relacionadas a diferentes conteúdos cognitivos que não precisam corresponder necessariamente à mera percepção auditiva. Mesmo a oposição entre áreas auditivas primárias (responsáveis pela discriminação direta de propriedades sonoras, como a altura musical) e secundárias (cujo papel pode ser descrito como o de associações mentais, conceituais, entre sons e objetos) serão dadas de acordo com as instâncias musicais envolvidas, numa aproximação possível com a idéia de um funcionamento complexo e conjugado das estruturas cerebrais, característica preponderante (entre outras) do legado científico do russo LURIA (1981 — apresentado mais adiante neste mesmo capítulo). A música imaginada ou recordada, que provoca a ativação do córtex auditivo secundário, pertence ao domínio do conceitual, do objeto definido, nomeado — daí talvez o termo memória semântica (semantic memory: HALPERN, ZATORRE 1999) —, contrastando com a concepção da música unicamente como um “processo de investigação” do conteúdo sonoro, presente em formulações como as de LASKE (1980; ver Capítulo V) e LEMAN (1999B), e possibilitando o recolhimento de mais uma possível manifestação de uma metáfora musical. Figura 30 – exemplo de imagens geradas por PET, de exames de ativação controlada de áreas corticais (indicadas em números de acordo com o mapa de Brodmann) para escuta e imaginação de conteúdos musicais, mostrando cortes sagitais (coordenadas x), coronais (coordenadas y) e horizontais (coordenadas z — ver Figura 20 ): “[A situação A] supostamente capta todos os processos envolvidos na imaginação musical, do controle da entrada de estímulos físicos às respostas de saída. [... A situação B] supostamente isola os componentes associados com a ativação de lembranças, presentes na memória semântica, de melodias conhecidas. [... A situação C] foi planejada para demonstrar a atividade associada à imaginação musical na ausência de qualquer componente semântico” (HALPERN, ZATORRE 1999). “The most salient point is that auditory association areas are involved in processing imagined familiar melodies. [...] The activation in auditory cortex during imagery must be due to processing beyond that elicited by the auditory stimulation. This pattern of activation supports the hypothesis that cortical perceptual areas can mediate internally generated information. This conclusion is consistent with findings from the visual domain (KOSSLYN ET ALL 1993; FARAH 1995). Also consistent with prior data (ZATORRE ET ALL 1996), only associative [secondary] cortical regions, not primary, were active in the imagery task”277 (HALPERN, ZATORRE 1999). “The finding of activation of the supplementary motor area (SMA) [in imagery for music] may therefore [...] supports the idea that imagery for songs include not only an auditory component (‘hearing the song in one’s head’), probably related to temporal cortical activity, but also a subvocal component (‘singing to oneself’), reflected in SMA activity”278 (ZATORRE 1999). “Hervé Platel, Jean-Claude Baron and their colleagues at the University of Caen used positron emission tomography (PET) to monitor the effects of changes in pitch. What they found — much to their surprise — was that Brodmann’s areas 18 and 19 in the visual cortex lit up. These areas are better known as the ‘mind’s eye’ because they are, in essence, our imagination’s canvas. Any make-believe picture begins there. Thus, Baron suggests that the brain may create a symbolic image to help it decipher changes in pitch”279 (LEUTWYLER 2001). Na investigação sobre a relação entre emoções e estruturas musicais, entretanto, o aprofundamento conceitual possibilitado por pesquisas com PET se limita a “reações afetivas negativas” (”negative affective reactions”) do sujeito testado, isto é, a sensações de prazer/desprazer identificáveis mais uma vez com a percepção de consonâncias ou dissonâncias de intervalos e ritmos musicais (BLOOD, ZATORRE, BERMUDEZ, EVANS 1999; DALLA BELLA, PERETZ, ROUSSEAU, GOSSELIN 2001). Uma tal dicotomia “negativa”, também ligada à metodologia neuropsicológica de dupla dissociação, parece apontar para caminhos muito distintos de uma conceituação sobre a emoção do que a pura positividade declarativa das sentic forms. Em outras palavras, a qualidade expressa de manifestações emocionais definidas (em Clynes) é substituída pela variação de uma quantidade única que possa ser controlada experimentalmente (cientificamente), mesmo que de valor conceitual mais modesto. “These findings suggest that the processing or experience of different emotions is associated with distributed activity in different cerebral structures. Because dissonance is only one way of eliciting emotional responses to music, it is possible that music that induces different types of emotions would recruit different neural substrates. This may be especially likely if emotion is elicited through memory or association, rather than spontaneously”280 (BLOOD, ZATORRE, BERMUDEZ, EVANS 1999). Por outro lado, a delimitação de duas ou mais áreas corticais cognitivamente “dissociadas” no processamento de diferentes emoções pode ser hipoteticamente relacionada com a delimitação de diferentes sentic forms, aplicáveis de diferentes formas expressivas a diferentes mecanismos cognitivos (multimodais). A questão na verdade é complexa, e requereria o desmembramento aprofundado de uma epistemologia das emoções, de sua conceituação, delimitação e inter-relação, interligado (dado o presente contexto) a representações neuropsicológicas das sensações emocionais. Mas uma tarefa extensa e complexa como esta seria impraticável no âmbito do presente trabalho. Muitas coisas estão ligadas a conteúdos (ou a formas!) emocionais, e uma medida precisa do papel de cada um destes diferentes e por vezes antagônicos mecanismos cognitivos será sempre uma questão de fundo epistemológico. Na literatura cognitivista, DAMASIO (1994), por exemplo, baseia grande parte de sua argumentação na descrição de três níveis hierárquicos para a manifestação de objetos psíquicos passíveis de serem chamados de emoções; também é tradicional a noção psicológica de “emoção básica” (da qual são geradas variações de diferentes graus e modos, criando as miríades de possibilidades da arquitetura emocional humana), mas são pouco claros os critérios de definição e de inter-relação. Mas o que se pode afirmar é que, se hoje é vislumbrável na literatura uma concepção cognitivista complexa e multidimensional a respeito das manifestações emocionais, esta concepção ainda não pode ser considerada presente nos estudos em cognição musical. Aqui, o paradigma reinante é de um expresso funcionalismo (cf. JUSLIN 1995) dos fenômenos musicais e emocionais, bem como de seu papel no arcabouço cognitivo humano. “There is at present a reasonable degree of consensus among functionalists within emotion psychology concerning at least four basic emotions: ‘anger’, ‘sadness’, ‘happiness’, and ‘fear’ ”281 (JUSLIN 1995). “Electrical stimulation studies in human have been reviewed in ERVIN, MARTIN (1986) for 8 emotions postulated to be basic by PLUTCHICK (1980) (anger, fear, joy, sadness, disgust, acceptance, anticipation, surprise). Emotions such as rage, fear, distress or curiosity/expectancy can be elicited by electrical stimulation of subcortical structures. In Human, for example, central grey stimulation may elicit fear/uncertainty, lateral hypothalamic stimulation may elicit euphoria while fear and rage can be elicited by amygdale stimulation”282 (FELLOUS 1995). Antes (ou talvez para além) de serem funções específicas de mecanismos cerebrais ou cognitivos, as emoções podem então ser consideradas como construções psicológicas, formadas na co-ocorrência de tais mecanismos e influenciadas pelo ambiente no qual ocorrem. Quanto a este, será um ambiente cultural, social, inter-subjetivo, e, por isto mesmo, linguístico e discursivo (BAMBERG S.D.; ASHIDA 2001). Dificilmente elas podem ser limitadas a meras sensações corporais, provocados por distintas localizações (ou configurações) cerebrais; ou seja, as emoções, como objetos psíquicos e conceituais (em última instância linguísticos), é que provocam por si só a ativação definida de diferentes mecanismos cerebrais. O modo como falamos e pensamos a respeito das emoções influirá no modo como as sentimos, o que também pode ser válido no caso das emoções musicais. “Difference between emotion and sensation may be artificial and may be due to unconscious absolutization of Anglo folk dichotomy opposing body to mind. Misassimilation of emotions to sensations (feels tired, feels toothache, feels hungry, felt thirsty, feel pain) as a serious error — ‘we cannot even begin to identify the emotion unless we take into account how a person is appraising an object or situation’ (WIERZBICKA 1994)”283 (ASHIDA 2001). “[To WIERZBICKA (1995)] emotions are a semantic domain, to be investigated in a semantic metalanguage, i.e. in terms of indefinables or primitives (semantic universals) that are shared by all human languages”284 (BAMBERG S.D.). “Some kind of associations between music (or features of music) and emotional events may be shared by all people within a particular social group or culture. […] The extent to which the associations between specific types of music and specific emotional states are shared across different cultures remains a subject of investigation”285 (GOTTSELIG 2000). “The listener does not come to the listening experience without already existing knowledge. Styles provide norms against which music is experienced. Emotion is evoked when events deviate from stylistic norms” 286 (MEYER 1956 apud HURON S.D.B). Neurolinguística e cognição Um caso em que se confundam conteúdos primitivos (ou originariamente não-verbais) e conceituais (ou linguísticos), como foi apresentado aqui o caso da emoção, é certamente um caso limite, fronteiriço, para o envolvimento da Linguística (ou do linguístico) nas postulações neurocognitivistas, o que faz retornar toda a discussão sobre modelos cognitivos de volta a uma relação entre linguagem e cognição. Afinal, como já foi possível apresentar até aqui (cf. CHOMSKY 1968 — ver Capítulo II), o universalismo dos produtos linguísticos ou mentais, característico de muitas concepções linguísticas (como no gerativismo) poderia estar baseado no universalismo de um arcabouço perceptivo (cognitivo), não-verbal ou pré-verbal — especialmente no campo da semântica, onde a questão da representação linguística é mais proeminente. Enquanto que a “linguagem da mente” de Fodor, por exemplo, tem um caráter mais especificamente sintático, de certa forma outorgando um conteúdo “proposicional” aos objetos cognitivos (ver Capítulo V), um caminho inverso (isto é, de determinação de conteúdos cognitivos ou cognitivistas, não-verbais, no cerne dos processos linguísticos) pode ser apontado no caminho acadêmico de George LAKOFF, o proponente de uma semântica gerativa, a princípio nos moldes da sintaxe gerativa chomskyana, mas voltada essencialmente para uma perspectiva gerativa (gerativista) do significado linguístico. “Nos últimos anos, desenvolveu-se um consenso geral [na semântica gerativa] de que a semântica tem um papel central na sintaxe. A posição da semântica gerativa é essencialmente de que a sintaxe e a semântica não podem ser separadas e que o papel das transformações e das restrições derivacionais em geral é relacionar representações semânticas a estruturas superficiais” (LAKOFF 1971). Em um passo mais adiante, determinados mecanismos linguísticos podem ser tomados como cognitivamente primitivos, como schemata ou padrões a princípios não verbais, principalmente motores. E Lakoff apresenta a figura da metáfora287, por exemplo, como um procedimento não apenas linguístico, mas essencialmente cognitivo; de diferentes meios ou objetos cognitivos, podem ser inferidas propriedades comuns ou similares entre si, num processo mental parecido com o (ou constitutivo do) que a metáfora produz no meio poético ou linguístico no sentido amplo (LAKOFF, JOHNSON 1980; LAKOFF 1997; LAKOFF, JOHNSON 1999; etc.). Indicações de direções espaciais (em cima, embaixo, adiante, atrás etc.), de durações temporais (indicadas como durações espaciais), de estados corporais (usados por exemplo para descrever estados emocionais) etc., poderiam estar baseadas em um sentido cognitivo primitivo, de onde, através de processos como o da metáfora, “aflorariam” propriedades mais complexas e abstratas do pensamento, da linguagem e da comunicação do ser humano, tanto em termos de ocorrência difundida nos mais variados contextos (da linguagem do dia-a-dia, da linguagem científica, da comunicação não-verbal etc.) quanto em termos de importância estrutural (no funcionamento dos dêiticos, por exemplo, ou dos pronomes pessoais — cf. PARRET 1988). Por este caminho, as metáforas seriam na verdade uma manifestação funcional de uma capacidade cognitiva mais ampla, de traduzir conteúdos cognitivos (não-verbais, corporais) em conteúdos linguísticos (proposicionais). A partir daí, podem ser encontradas diversas formulações de elementos linguísticos (como por exemplo a metáfora, ou a metonímia) como relacionáveis a processos cognitivos não-verbais (TURNER, FAUCONNIER 1997; COULSON, OAKLEY S.D.; etc.). “Based on evidence provided by a large number of similar examples of the appearance of metaphorical constructions in everyday discourse, LAKOFF, JOHNSON (1980) proposed that metaphor was a basic structure of understanding through which we conceptualize one domain (typically unfamiliar or abstract — the target domain) in terms of another (most often familiar and concrete — the source domain)”288 (ZBIKOWSKI 1998). “Lês concepts abstraits soin conceptualisés par le biais de concepts plus proches de l’expérience corporellle, c’est-à-dire de l’expérience sensible, de l’expérience motrice etc. […] Les metaphors se produisent parce que nos cerveaux son structurés d’une certain manière”289. [...] “La metáphore conserve le raisonnement et l’inférence: ele n’a pas seulement affaire au language mais au raisonnement”290 (LAKOFF 1997). Mais uma vez, são encontráveis proposições de derivações desta noção, de metáfora como processo cognitivo primário (ou como schema), em aplicações musicais (uma revisão bibliográfica deste aspecto pode ser encontrada em ZBIKOWSKI 1998). E, mais uma vez, termos ou exemplos musicais específicos são tomados como objetos relacionados diretamente a princípios cognitivos (ou linguísticos) gerais. Por outro lado, a aproximação de termos musicais a mecanismos “metafóricos” também torna mais próxima a identificação da própria metáfora musical funcionando no interior da teoria musical, na forma de uma similaridade “natural” ou “funcional” a construtos cognitivos ou metafóricos — de espacialidade (“dentro”, “fora”, “em cima”, “embaixo”), de temporalidade ( percebida em termos de “ciclos”), de estados corporais (“tenso”, “relaxado”, “estável”, “pendente”), de movimento (“saída”, “chegada”) etc. (BROWER 2002). Esta identificação será mais contundente principalmente em pontos de vista críticos em relação à teoria musical estabelecida ou às tendências de autorizar esta teoria em termos cognitivos; no interior destes pontos de vista, muitos autores estarão relacionados, na literatura pertinente, a uma fenomenologia musical, ou ainda a uma intencionalidade musical (SCRUTON 1983; COOK 1990; etc.). “SASLAW (1996) offers a detailed analysis of the modulation theory of Hugo Riemann in light of current research into metaphor; Saslaw also provides an invaluable summary of image-schema theory. [...] Image-schema theory may also provide a way to address the oft-noted emotional aspect of music by building on Zoltán KÖVECSES'S work on emotion concepts, which KÖVECSES (1990) has argued are based on conceptual metaphors”291. […] “SCRUTON'S (1983) argument centers on a crucial distinction between sound and music. Sound, from his perspective, is a material fact, and as such is a matter for scientific understanding. Music, in contrast, is an intentional construct, a matter of the concepts through which we perceive the world. The evidence for this distinction is provided by the metaphorical nature of our characterizations of music: although we speak of 'musical space' (and locate tones within it), this space does not correspond, in a rational way, to physical space; although we speak of 'musical motion,' the motion is at best apparent, and not real”292 (ZBIKOWSKI 1998). Diga-se de passagem, a importância de um conceito geral de metáfora (e, certamente em menor medida, outras figuras linguísticas como a metonímia) no cerne dos processos linguísticos não é fato novo no desenvolvimento da Linguística e em sua relação com a psicologia, ou com uma filosofia da mente (ou do cérebro). Utilizando a noção de metáfora como um mecanismo atuante em larga escala nos processos linguísticos, por exemplo, Roman JAKOBSON (1954) foi o primeiro a propor uma abordagem das afasias (ver Capítulo II) baseada em uma classificação e uma metodologia linguísticas. Assim, a posição tradicional de estudo das afasias, centrada na importância dos papéis de diferentes localizações cerebrais para as capacidades linguísticas (ou de diferentes capacidade cognitivas, não-linguísticas ou pré-linguísticas), é oposta a uma determinação de quais desordens especificamente linguísticas do comportamento estão implicadas nos diferentes tipos de perturbação afásica. É neste ponto em que a proposição de uma neurolinguística como um ramo da neuropsicologia (e até certos ponto, do localizacionismo) pode ser confrontada com um programa de pesquisas e objetos científicos inteiramente novo, oriundo de uma posição essencialmente linguística. “Primeiramente, [os linguistas] devem familiarizar-se com os termos e procedimentos técnicos das disciplinas médicas que tratam da afasia; em seguida, devem submeter os relatórios de casos clínicos a uma análise linguística completa; ademais, eles próprios deveriam trabalhar com os pacientes afásicos a fim de abordar os casos diretamente e não somente através de uma reinterpretação das observações já feitas, concebidas e elaboradas dentro de um espírito [científico] totalmente diferente” (JAKOBSON 1954). A produção linguística dos afásicos não é mais considerada um mero sinal de perturbação de fundo cognitivo, como na tradição neuropsicológica, de correspondência entre objetos cognitivos (mentais) e mecanismos cerebrais; a produção do afásico é uma linguagem possível, interpretável de acordo com uma análise linguística (estruturalista) de suas várias facetas: fonológica, sintática, prosódica etc. E a afasiologia (a neurolinguística) não se encerra mais em uma classificação (uma localização cerebral, uma fisiologia) de capacidades linguísticas dada a partir de capacidades cognitivas; seria, para Jakobson o estudo da linguagem em um estado de “dissolução”, podendo abrir à Linguística “perspectivas novas no tocante às leis gerais da linguagem”. Com base em dados da neuropsicologia da época (e é especialmente significativa a citação de autores envolvidos com diferentes formas de apropriação da psicologia da Gestalt — HEAD 1926; GOLDSTEIN 1951; etc.), mas também em uma nova metodologia de análise (a linguística), Jakobson propõe uma classificação das afasias de acordo com dois grandes grupos, relacionáveis a duas direções na estrutura hierarquizada dos elementos linguísticos. No primeiro grupo, com disfunções na capacidade de seleção (ou de substituição) de elementos (semânticos, fonológicos etc.), uma capacidade de combinação (sintática, morfológica) é preservada, em contraste com uma perda de capacidade de discriminação de similaridades entre elementos, especialmente similaridades semântico-pragmáticas; assim, o alcance da compreensão linguística é limitado, neste tipo de afasia, a situações concretas de uso das palavras ou frases, reduzindo a possibilidade de recombinações semânticas ou comparativas, ou abstratas (ou seja, metáforas). Um outro grupo de afásicos, por oposição, apresentaria disfunções em capacidades combinatórias, de contiguidade entre elementos (como na sintaxe), enquanto capacidades seletivas ou comparativas são relativamente preservadas; neste grupo, são afetadas propriedades linguísticas ligadas a diversas formas de linearidade ordenada de elementos, a ponto de “abolir a hierarquia das unidades linguísticas e a reduzir sua gama a um só nível”, geralmente ao nível da palavra como unidade mínima de “valor significativo”. Talvez o mais importante da proposta classificatória de Jakobson sejam suas consequências no campo linguístico, mais especificamente na teoria estruturalista. A classificação de Jakobson vai além de uma dicotomia materialista, concreta, entre localizações cerebrais, e apresenta os princípios de oposição saussuriana entre os eixos paradigmático (de oposição distintiva) e sintagmático (de combinação formal) como princípios definidores da atividade linguística em todas as suas possíveis manifestações, como na perturbação afásica, no desenvolvimento cognitivo infantil ou nas possibilidades conversacionais, textuais, discursivas, poéticas. Se a metáfora (e também a metonímia, entre outros) pode ser alçada à condição de princípio cognitivo geral (como em Lakoff), talvez seja forçoso então que se reconheça a presença de um núcleo de funcionamento linguístico no interior dos processos cognitivos, garantindo a validade da significação e do sentido referencial (e sua consequente realização a nível cortical), e não o contrário. “Toda forma de distúrbio afásico consiste em alguma deterioração, mais ou menos grave, da faculdade de seleção e substituição, ou da faculdade de combinação e contexto [dos elementos linguísticos]. A primeira afecção envolve deterioração das operações metalinguísticas, ao passo que a segunda altera o poder de preservar a hierarquia das unidades linguísticas. A relação de similaridade é suprimida no primeiro tipo, a de contiguidade no segundo. A metáfora é incompatível com o distúrbio da similaridade e a metonímia com o distúrbio da contiguidade” (JAKOBSON 1954). “Esta conjugação da generalização [no eixo paradigmático] com a restrição [do eixo sintagmático] é suficiente para explicar, no quadro do estruturalismo, a formação de classes e categorias morfológicas ou morfossintáticas a partir do eixo associativo, e até mesmo da estrutura da sentença enquanto domínio em que se articulam termos e posições, a partir do eixo sintagmático. Enfim, um funcionamento que, aparentemente, garante a estabilidade de significação. [...] Com efeito, eleger figuras de linguagem para nomear esse ‘duplo caráter da linguagem’ ou seu duplo movimento de significação equivale a fazê-lo também responsável pela ruptura da significação estável, que faz da interpretação uma antecipação e da referencialidade uma correspondência do enunciado com estados de coisas no mundo” (LEMOS 1995). Além de uma nova relação entre a linguagem (ou o estruturalismo) e o pensamento (ou a neuropsicologia), o alcance da metodologia estruturalista sugerido por Jakobson possibilita também um novo tratamento para outras dicotomias importante no desenvolvimento do estruturalismo, como a da língua X fala. Os eixos paradigmático e sintagmático, princípio de operabilidade estruturalista para análise dos processos linguísticos, não seriam relevantes apenas aos conteúdos linguísticos concretos (da língua), específicos e delimitáveis (na fonologia, na sintaxe etc.), estando difundidos no funcionamento da linguagem em vários planos cognitivos justapostos (com nas perturbações afásicas) Eles indicariam um princípio de relação entre elementos “presentes” (relação in praesentia, relativa a eixo sintagmático, de ordem linear dos elementos) a elementos “ausentes” (relação in absentia, relativa a eixo paradigmático de oposição seletiva dos elementos), princípio este que pode ser tomado como de constituição (estruturalista) dos conteúdos mentais, racionais ou simplesmente humanos. É uma origem apontável da expansão de uma “inflação pan-linguística” do método estruturalista, já citada no Capítulo I: a metonímia e (principalmente) a metáfora, tomados como princípios do funcionamento das operações linguísticas, não precisam necessariamente ser encarados como procedimentos propriamente “pré”-linguísticos ou “pan”-linguísticos, mas principalmente metalinguísticos, numa instância de auto-consciência do uso (da possível seleção e substituição) dos objetos linguísticos por parte do sujeito (cf. LEMOS 1992B). Parece ser o caráter anti-reducionista e generalizante dos processos metalinguísticos assim definidos, o que permite relacioná-los com uma teoria sobre a consciência e a racionalidade (ou a compreensão), e apresentar Jakobson como o proponente de um “estruturalismo fenomenológico” (PARRET 1988). “O que eu aprenderia da linguística estrutural [de Jakobson] era que em vez de [o pesquisador] se perder na multidão de diferentes termos, o mais importante é levar em consideração as relações mais simples e mais inteligíveis a partir das quais esses termos estão inter-conectados. [...] À articulação do som do significado [em um nível], corresponderia, em outro nível, [a articulação] da natureza com a cultura” (LEVI-STRAUSS, sobre Jakobson; apud ABAURRE 1996). “É sabido que, tradicionalmente, se tem considerado o problema ‘meta’ como uma questão essencialmente cognitiva: a criança ‘ganha’ ou ‘entra’ na linguagem pela tomada de consciência do objeto linguístico, pela atitude mental frente à linguagem e seu funcionamento; as afasias suprimiriam, por assim dizer, justamente essa capacidade linguística de que seus falantes são dotados, ou seja, ‘perder-se-ia’ nas afasias essa propriedade de reflexividade da linguagem, essa reação de reparação e de reconstituição de processos linguísticos” (MORATO 1999). Torna-se novamente relevante, em uma apresentação detalhada de modelos cognitivos corticais e motores, questões referentes à fenomenologia, tal como já fora descrita no Capítulo II. Bastaria aqui, a título de uma re-apresentação resumida, mencionar alguns conceitos fundamentais a partir dos quais ela pode ser formulada: consciência como relação ou “instanciação” entre sujeito e objeto, de caráter não-verbal (pré-linguístico); subjetividade; intencionalidade etc. Também já foi descrita a participação destes pontos na formulação de um novo paradigma para os objetivos e procedimento científicos no estudo da cognição, indicada principalmente pelos termos de neurofenomenologia (envolvendo questões e métodos especificamente voltados para um estudo cognitivista do cérebro — VARELA 1996; VARELA, SHEAR S.D.), ou de sistemas dinâmicos em um contexto mais geral (matemático, biológico, cultura, social etc. — VAN GELDER 1999). Parece não haver proposições de um paradigma “neurofenomenológico” — ou do cognitivo transformado profundamente numa posição “subjetivista”, formada em “primeira pessoa” — dentro da cognição musical, o que demarcaria mais um limite epistemológico até onde o conteúdo interdisciplinar dela pode estender-se — um limite da própria possibilidade de apresentação de modelos neurocognitivos atuais em relação aos fenômenos musicais, como foi intentado no presente capítulo. Neste ponto, à luz da descrição mais detalhada destes modelos efetuada até aqui, o importante seria notar a aproximação de problemas da fenomenologia com muitas das questões relevantes dos modelos, do ponto de vista epistemológico. Ao se preocupar com a descrição (material mas também fenomenológica) de faces das experiência consciente, uma neurofenomenologia — definível, afinal, como uma mudança de paradigma metodológico e conceitual (numa palavra, epistemológico) no centro das preocupações relativas à dualidade corpo-mente (ver Capítulo II) — terá interesses em questões como formas gestálticas ou schemata, desenvolvimento temporal de estados mentais (ou cerebrais), motricidade generalizada como base dos princípios cognitivos (através do conceito fenomenológico de “corpo” como base primeira do sentido), emoções, subjetividade etc., que estão no cerne de resultados e modelos científicos descritos até aqui; de certa forma, a neurofenomenologia não só acentua o alcance descritivo e metodológico das pesquisas neurocognitivistas, portando-se como um “caminho natural” em seu desenvolvimento científico, mas também representa sua total reformulação e superação, ou seja, a superação da dicotomia corpo/mente. “Merleau-Ponty embraces the idea that perception is not ‘pure’, it is not to be understood as a blind registering of sensations which does no work on those sensations. He rejects the ‘constancy hypothesis’ which states that ‘we have in principle a point-by-point correspondence and constant connection between the stimulus and the elementary perception’ [MERLEAU PONTY 1945]. Gestalt shifts […] show that the same stimulus is open to different interpretations”293 (BRADDOCK S.D.). “The nature of will as expressed in the initiation of a voluntary action is inseparable from consciousness and its examination. Recent studies give an important role to neural correlates which precede and prepare voluntary action, and the role of imagination in the constitution of a voluntary act (LIBET 1985; JEANNEROD 1994). Yet voluntary action is preeminently a lived experience which has been thoroughly discussed in the phenomenology literature, most specifically in the role of embodiment as lived body (‘corps propre’, MERLEAU-PONTY 1945), and the interdependence between lived body and its world”294 (VARELA 1996). “Phenomenologically, when I perceive a thing I experience a series of pre-determinate kinaesthetic attitudes (the body) which tend towards a maximum unity (the thing). The phenomena of body and thing are not reducible to intellectual processes but require a different kind of analysis altogether: ‘The constancy of forms and sizes in perception is therefore not an intellectual function, but an existential one, which means that it has to be related to the pre-logical act by which the subject takes up his place in the world’ ”295 (MERLEAU PONTY 1945 apud MINGERS 2001). Por outro lado, a declaração de uma metalinguística “de base” no domínio dos processos linguísticos também reforça a participação destes em qualquer noção fenomenológica. De fato, a importância dada a processos metafóricos, intencionalidade, elementos dêiticos (pronomes demonstrativos, pessoais etc.), força ilocucional, metalinguística etc. (todos envolvidos em diversas discussões de temas fenomenológicos — ver Capítulo II), parece advir de uma mesma preocupação, que se manifesta em facetas variadas: a da definição de um nível (ou instância) de funcionamento da linguagem, de caráter anterior (ou abarcador) à sua formulação propriamente semiológica, e principalmente calcado em seu contexto de uso. Levando em conta que, nos capítulos anteriores, já foram clara e sucintamente apresentadas as questões referentes a uma concepção essencialmente dialógica, intersubjetiva da linguagem, e sua relação com variados processos cognitivos, será apenas necessário então que seja repetido, com todas as letras, que o limite das possibilidades de uma postura cognitivista parece ir, de certa forma, até onde começam os limites da linguagem como constituinte dos processos cognitivos. “[Following OKRENT (1996),] an action is not goal directed because consciousness has already decided on a goal; rather, the action itself is intrinsically goal directed within the context of a meaningful world. Consciousness takes its bearing, and finds itself developing within intentional structures that are already established in the world of social relations”296 (GALLAGHER 1997). “Communication is never anything like a conveying of experiences, such as opinions or wishes, from the interior of one subject into the interior of another. Dasein-with (the process of being with others) is already essentially manifest in a co-state-of-mind and a co-understanding. In discourse Being-with becomes ‘explicitly’ shared; that is to say, it is already, but it is unshared as something that has not been taken hold of and appropriated”297 (HEIDEGGER 1962 apud MINGERS 2001; grifo do autor). “Não há nada imanente na linguagem, salvo sua força criadora e constitutiva, embora certos ‘cortes’ metodológicos e restrições possam mostrar um quadro estável e constituído. Não há nada universal salvo o processo — a forma, a estrutura dessa atividade. A linguagem, pois, não é um dado ou um resultado; mas um trabalho que ‘dá forma’ ao conteúdo variável de nossas experiências, trabalho de construção, de retificação do ‘vivido’ que, ao mesmo tempo, constitui o simbólico mediante o qual se opera com a realidade e constitui a realidade como um sistema de referências em que aquele se torna significativo. Um trabalho coletivo, em que cada um se identifica com os outros e a eles se contrapõe, seja assumindo a história e a presença, seja exercendo suas opções solitárias” (FRANCHI 1977). Uma relação “de base” entre linguagem e processos cognitivos já poderia ser questionada no próprio envolvimento de outras áreas corticais que não as tradicionalmente apontadas como envolvidas no processamento da linguagem, as áreas de Broca e Wernicke (ver Capítulo II). De fato, muitos dos dados clínicos e neurológicos a partir dos quais Jakobson pôde desenvolver uma relação entre afasias e Linguística (apud MORATO 2000A) também foram oriundos da extensa atividade clínica e de pesquisa empírica de LURIA, um ex-discípulo de VYGOSTKY que, a partir da morte prematura deste último, desenvolveu suas idéias de interconstitutividade entre linguagem e cognição (já apresentadas sucintamente no Capítulo II) principalmente em termos neurocognitivos, dentro de sua formulação do funcionamento complexo e inter-relacionado de “unidades funcionais” no sistema nervoso humano como um todo que se confunde com a própria formulação de uma neuropsicologia no séc. XX (LURIA 1976; LURIA 1981; OLIVEIRA, AMARAL 2001; etc.). Embora não abandone uma posição neuropsicológica para a questão da linguagem — subordinando por exemplo a neurolinguística a um ramo da neuropsicologia, com uma consequente delimitação das afasias a um fenômeno mental ou cognitivo —, Luria sempre reserva à linguagem um papel decisivo na formação e manutenção dos processos cognitivos complexos, e procura não delimitá-la a uma função neurológica específica, de um módulo mental ou uma localização cortical, para apresentá-la como formada e atuante na atividade de múltiplas estruturas cerebrais, enriquecendo a tipologia tradicional da afasiologia com novas formas de classificação e novas áreas cerebrais apontáveis como atuantes em seu funcionamento (como por exemplo os lobos frontais). “Segundo LURIA (1981), os lobos frontais teria por função mediar e organizar a interação das atividades extra e intra-cognitivas, e seu desenvolvimento estaria na dependência de qualidade das experiências significativas da vida em sociedade” (MORATO 1995). “Para LURIA (1981), a percepção se realiza com a participação direta da linguagem, já que se trata de um ‘processo ativo que envolve a procura das informações correspondentes, a distinção dos aspectos essenciais de um objeto, a comparação desses aspectos uns com os outros, a formulação de hipóteses apropriadas e a comparação, então, dessas hipóteses com os dados originais’ ” (NOGUCHI 1997). “Falar de funcionamento da atividade cognitiva, substituindo a noção de ‘função’ ou ‘faculdade’, implica uma mudança da própria idéia que se tem do desenvolvimento, integração e reorganização da vida mental. Essa concepção de funcionamento do cérebro confronta-se, nesse sentido, diretamente com a tese da modularidade da mente, assumida pelo cognitivismo em suas várias versões, que postula a especificidade e a independência dos processos cognitivos uns em relação aos outros”. (MORATO, COUDRY 1991). Por outro lado, a consideração das afasias como problemas no fundo de ordem cognitiva (ou uma subordinação na neurolinguística à neuropsicologia) será condizente com a própria separação dicotômica entre a língua (o sistema) e a fala (a produção), presente no modelo estruturalista saussuriano. “A distinção entre língua e fala, central no nascimento da Linguística [...] pelo viés do estruturalismo, conduziu os estudos da afasia em direção ao estudo da língua, vista como sistema fechado, autônomo, homogêneo e inato, dissociada das atividades que com ela fazem os falantes. Esta concepção de língua ajustava-se com a veiculada nos estudos afasiológicos iniciais que a consideravam uma espécie de representação do pensamento (ou da memória, ou da percepção)” (MORATO 2000A). Assim, na maior parte dos métodos tradicionais de definição e consideração dos distúrbios afásicos, uma instância metalinguística — ou seja, de uma capacidade de controle manipulativo e objetivo dos elementos linguísticos — é dada como imanente ao sistema linguístico, ou em último caso, ao pensamento, decorrendo no afastamento de consideração sobre o contexto no qual pode se dar a produção e a compreensão dos processos linguísticos (ou de significação, de sentido). Que o afásico possa realizar produções linguísticas específicas ou não dependendo do contexto, que ele não seja afásico “o tempo todo”, é um fato já colocado diversas vezes no desenvolvimento histórico da afasiologia (embora constantemente relegado ao segundo plano). Mas o estudo das afasias se pauta historicamente por isolar as categorias linguísticas (e mesmo os possíveis sentidos linguísticos) em um conjunto de habilidades ou capacidades discerníveis e testáveis (em um método de “dupla dissociação” apresentado no início do capítulo), que o sujeito afásico postuladamente deixa de ter à disposição em seus desempenhos linguísticos objetivos — e serão estes então os sintomas298 discerníveis nas perturbações, que definirão não só as capacidades perdidas, mas também a linguagem em seu funcionamento normal (estruturalista, da língua). Com a linguagem já pré-contextualizada como um instrumento de manipulação de signos (ou de estruturas), e não como um processo de formação de sentido, dados como estes poderão dizer pouco sobre capacidades de adaptação, contextualização ou compreensão; no limite, serão dados sobre capacidades metalinguísticas (cf. MORATO 1995). “JACKSON (1884) menciona a diferença de desempenho dos pacientes que falham em nomear o objeto ou produzir uma expressão em situações de teste, utilizando porém o nome ou expressão em sua fala subsequente (sobretudo quando comentam a própria dificuldade). Alguns pacientes, solicitados a repetir a palavra ‘não’ ou a nomear um objeto, como ‘tinteiro’, comentam: ‘não, doutor, eu não consigo dizer não’, ou ‘oh! eu esqueci como se chama este tinteiro’ ” (COUDRY 1988; grifos da autora). “A incumbência de falar os nomes é metalinguística. Ter de nomear um objeto, que lhe é mostrado, é ser confrontado com a pergunta: ‘que palavra usamos para designar este objeto?’ A resposta metalinguística a esta pergunta torna-se frequentemente muito difícil e o afásico retorna a uma reação linguística” (LEBRUN 1983). O “retorno ao linguístico” que a citação aponta será justamente a recusa (ou a incapacidade) do afásico de tomar a língua como objeto, num procedimento metalinguístico, para tratá-la como processo de construção do sentido; e a compreensão científica efetiva deste movimento se dará justamente na aceitação e no discernimento das instâncias intersubjetivas, enunciativas e discursivas presentes no funcionamento da linguagem, ou seja, nos contextos linguísticos como espaços de interlocução e de formação de sentido (ver Capítulo II). Indo muito mais longe que Jakobson, tratar-se-á de encarar os fatos relacionados às afasias, em sua totalidade, como fatos linguísticos, como implicações e aplicações de processos inerentes à linguagem, como atividades interlocutivas de pleno direito, como construções possíveis de sentido. Esta será então a formação de uma nova neurolinguística e de uma nova visão (epistemológica) das relações entre linguagem e cognição. Uma que implica em uma definição de afasia muito mais aberta, como uma perturbação de todos os possíveis níveis de funcionamento linguísticos; como a perturbação de uma capacidade, afinal, metalinguística, capacidade de “julgamento” ou de “atitude consciente” frente aos objetos linguísticos (MORATO 1999), evitando uma classificação “taxidermista” (MORATO 2000A), estanque, quer das capacidades cognitivas, quer das próprias categorias linguísticas. E implicará também em um outro “protocolo” de estudos e de determinações de distúrbios afásicos, muito mais fluido, complexo e condizente com uma relação de base entre a linguagem e a cognição, entre a fala afásica e a normal, entre a linguagem e a metalinguagem. “É dentro destes preocupações epistemológicas que dos estudos na área da pragmática a neurolinguística procura extrair a preocupação com a análise das interações enquanto relações ideológico-discursivas, com a manipulação das chamadas leis discursivas, com os critérios de textualidade que explicitam o primado do interdiscurso sobre todo o dizer; com o trabalho inferencial feito pelos sujeitos. Já em relação às teorias enunciativas a neurolinguística vai procurar abrigo para a discussão que envolve a análise das interlocuções e de todo tipo de situação enunciativa, a dinâmica de papéis e posições enunciativas, as atividades meta-enunciativas, o processo de inferenciação. Quanto à análise do discurso, a aproximação torna-se possível em função da preocupação com a constituição dos dados e do interesse por estudos que se dedicam à memória discursiva, ao dialogismo (em sua linhagem bakhtiniana), à referenciação, à polissemia existente entre língua e interdiscurso” (MORATO 1997). Assim, a produção verbal nas afasias passa a ser encarada não apenas como indícios de uma “sintomatologia” rígida e biológica de “localizações” da perturbação afasiológica (corticais, comportamentais, clínicas, na classificação médica), mas como corpus de uma complexa análise linguística e discursiva onde o real efeito no funcionamento linguístico pode ser separado de suas causas materiais (da lesão cortical) e de suas consequências discursivas, individuais, emocionais, sociais e éticas. Nesse caso, ao tomar a fala afásica como uma produção possível de sentido, ela será representação de discursos possíveis, imbricados, contraditórios. No deslocamento das instâncias, dos “lugares” (locus) de determinação possível de sentido ou de atividade interlocutiva do sujeito afásico (no que seria um “discurso do afásico”), surgindo aí os circunlóquios, as perseverações de palavras ou de frases, as atitudes evasivas ou confabulatórias, não mais como efeitos simples de uma perturbação (uma doença) cognitiva, mas como “estratégias” (bem sucedidas ou não) de comunicação e de formação de sentido comuns às pessoas afásicas mas também ao discurso e à interlocução normal. Na própria configuração linguística da perturbação, na determinação das co-ocorrências de diferentes modificações ou transfigurações de elementos gramaticais, semânticos, pragmáticos, entonacionais etc., não como “sintomas” rigidamente delimitados, mas como constrições concretas a um processo que nem por isso se perde completamente (no que seria possivelmente um “discurso da afasia” ela própria, um propriamente mais próximo do “diagnóstico” clínico). No reconhecimento dos possíveis contextos gerais de interlocução e participação social, comunitária ou dialógica nos quais o sujeito afásico está inserido, produzidos dentro de ambientações claras ou mais veladas (culturais, sociais, afetivos etc.), e nas competências (as necessárias, as reconhecidas e as perdidas) de inferenciação, de reconhecimento, de resposta aos objetos culturais e discursivos em funcionamento na sociedade, em todo um “sistema de referências” (MORATO 1995) que participa da linguagem enquanto processo de formação discursiva, social, de sentido. Tomar a produção afásica como linguística (no limite) implicará também, paradoxalmente, na aceitação de uma indeterminação de limites entre o funcionamento (e o não-funcionamento) dos processos linguísticos e cognitivos. Os problemas e as soluções (as que estão ao alcance) dos sujeitos afásicos em relação às suas dificuldades linguística são, afinal, similares às das pessoas não-afásicos. Como eles, às vezes erramos as palavras, não as pronunciamos direito, tergiversamos, mentimos sem querer, não nos inteiramos da conversa, cometemos gafes. Como os afásicos, somos todos simultaneamente peças ativas da e sujeitadas à linguagem (afinal, sujeitos, “interpelados como sujeitos”). A formulação de uma nova neurolinguística envolverá necessariamente, portanto, não só a determinação de possíveis “discursos do afásico”, mas também num vigoroso movimento reflexivo, numa delimitação crítica do próprio discurso afasiológico, de distinção inter-excludente entre o normal e o patológico (visto como “perda”, “incapacidade”, “estranhamento”, na imagem de uma “significação intolerável” da produção afásica frente aos procedimentos e inferências linguísticas aceitas socialmente), de determinação implícita (nunca proclamada ou notada) de “normas” definidas de funcionamento linguístico e de sentido, de congelamento dos possíveis contextos enunciativos. Se, nas pesquisas cognitivistas em geral, o sujeito cognoscente é oposto ao sujeito científico (ver Capítulo II), na postura afasiologista tradicional a doença e o doente são tomados como objetos, como “casos” ou problemas a serem diagnosticados (classificados) e “encaminhados” (rotulados socialmente, de maneira inapelável). “A existência das patologias da linguagem não implica por si só que toda irregularidade linguística deva ser considerada morbidez. Se é verdade a afirmação de PORTER (1993), segundo a qual ‘a doença põe a linguagem sob tensão’, isso se dá menos pela forte distinção que existiria entre o estado normal e patológico e mais por uma certa ‘vontade de verdade’ (FOUCAULT 1977) de uma época, de uma certa sociedade que propaga estes conceitos, de um determinado universo ideológico que postula que ‘uma doença nomeada é uma doença quase curada’ (daí o interesse pelo sintoma, pelo diagnóstico, pela recuperação da boa linguagem)” (MORATO 2000B). “In every culture there is a conventionally prescribed, or normal, conceptualization of the human situation. the normal theory of the human situation. And normal people in every culture accept this normal theory of the human situation. indeed, accept the normal theory is an essencial part of what means to be normal”299 (PYLE 1997). Os testes clínicos de definições de capacidades linguísticas em afásicos, principalmente, serão os testemunhos mais evidentes deste movimento de “objetivação” do sujeito afásico como uma representação de sua própria degenerescência. Neles, não é levada em conta nem suas caracterizações marcadamente metalinguísticas (ou as possíveis reações nesse sentido pelos sujeitos afásicos), nem o contexto interlocutivo de “consulta” do ambiente médico institucionalizado, nem a própria visão do método clínico e do médico como delimitadores de uma posição de julgamento que não é apenas de capacidades neurológicas (ou cognitivas), mas também linguísticas, sociais e éticas. Nesse sentido, é importante prescrever uma similaridade com outras práticas institucionalizadas de “assujeitamento” de técnicas, posições ou indivíduos, que pode levar a uma conceitualização propriamente social (ideológica) das questões envolvidas. “Em primeiro lugar, não se leva em conta a situação especial de interlocução entre um sujeito não afásico [...] e um sujeito afásico: percebe-se facilmente como isso agrava o grau de dificuldade que a descontextualização da produção linguística pode ocasionar. O examinador ocupa uma posição de domínio da interlocução e detém um saber sobre o afásico e sobre a linguagem (muito próxima do saber ‘escolar’) a respeito do qual quer testar o sujeito, de modo a desfazer a simetria e interação indispensáveis ao exercício da linguagem. Fica evidente que esses tipos de tarefa (nomear, definir, listar, repetir etc.) excluem o interlocutor da situação de interlocução; esta é construída do ponto de vista do locutor-examinador” (COUDRY 1988). ”O sujeito que confabula muitas vezes o faz apenas em respostas absurdas a perguntas igualmente absurdas do examinador (‘jacaré voa?’, ‘O que fazia o filho de Alain Delon em 17 de maio de 1979?’ [...] etc.). A esses disparates o paciente talvez responda muitas vezes como quem não tem outra saída, como alguém que confia na pertinência da pergunta e na propriedade cultural de quem a profere, afinal, um ‘doutor’ ” (MORATO 1995). “A crítica que se pode fazer é semelhante à crítica de FERREIRO (1984) a exercícios mecânicos na aquisição da leitura, como ditados e cópias, em que também existe uma perda da especificidade da linguagem pelo esvaziamento total da significação” (COUDRY 1988). Será este, em suma, um movimento geral de recolocação e de revalorização do sujeito afásico, como produtor de significados possíveis, como lugar de funcionamento de processos paradoxais, como indivíduo que compreende, que tem intenções, que está colocado em diversas situações de grande padecimento pessoal. Isso, apesar de dificuldades de produção que lhe são inerentes — e que, no entanto, não conseguem apagar um funcionamento efetivo, possível, da linguagem. Estas perspectivas tem sido abertas, a partir de 1989, nos múltiplos objetivos das atividades do Centro de Convivência de Afásicos, numa iniciativa conjunta da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas — São Paulo); um espaço de pesquisa, clínica e convivência entre pessoas afásicas, e entre elas e pessoas não-afásicas, procurando as possibilidades de construção de novas articulações linguísticas dentro dos distúrbios afásicos, de novas relações insuspeitadas entre a linguagem, a cognição e as práticas intersubjetivas e sociais, de novas formas de compreensão e superação da afasia, como objeto do conhecimento, como posição social, como transtorno pessoal. “O interesse precípuo da neurolinguística no ambiente clínico não é exatamente medir ou diagnosticar a produção afásica, procurando revelar as diferenças entre o normal e o patológico. Seu trabalho, antes, é destacar o que está implicado no funcionamento patológico, muitas vezes ocultado pelo fato clínico. Nesse caso, é preciso ‘ver o invisível’, como diz FOUCAULT (1977)” (MORATO 2000A). Ao mesmo tempo, a produção propriamente teórica, acadêmica, das pesquisas relacionadas a este Centro, têm passado recentemente a indicar o abarcamento de questões e desafios mais complexos, nas possibilidades de inter-relação entre processos linguísticos, cognitivos e sociais. Sincronicamente ao término do presente trabalho — que tende finalmente a apontar caminhos inter-subjetivos e dialógicos (dialéticos) para a discussão sobre as relações entre linguagem e cognição (e suas consequências no campo musical, como se segue no Capítulo VII) —, estão sendo encaminhadas pesquisas envolvidas de alguma forma com as práticas ou com as pertinências teóricas próprias do Centro de Convivência de Afásicos, envolvendo temas como dança (SOUZA 2001), teatro (OLIVEIRA 2001; PEREIRA 2003), memória (CRUZ 2003), que ampliam os horizontes possíveis de interdisciplinaridade e de importância destas questões, dentro de um movimento no qual o presente trabalho também se encaixa. Acima de tudo, o ponto mais importante talvez seja aceitar e desenvolver uma construção subjetiva do sentido e de sua indeterminação entre a linguagem e a cognição, capaz de abarcar as próprias limitações dadas pelas práticas e pelas idéias científicas e interdisciplinares, nas quais podem ser enquadradas qualquer postulação a respeito dos funcionamentos da cognição, do cérebro ou da linguagem. “As grandes questões teóricas e metodológicas da neurolinguística têm sido, ao longo dos últimos anos, a interdisciplinaridade e o reconhecimento da intervenção de fatores histórico-culturais, psicológicos e intersubjetivos na cognição humana. Ao abordarmos a neurolinguística a partir de sua diversidade, colocamo-nos, de fato, em posição pouco confortável. A neurolinguística, afinal, é também um discurso sobre a cognição humana, e o acesso a esse discurso não poderia mesmo ser único: ele é governado por preocupações diversas, sendo seus recortes teóricos tradicionalmente pouco suficientes” [...] “Ao pôr em evidência os limites da Linguística quando estão em jogo as sem-razões do sentido, a neurolinguística também nos ajuda a entender melhor a frouxidão das fronteiras da linguística com a neuropsicologia ou com a psicanálise quando a linguagem é o tema” (MORATO 1997). VII. CONCLUSÕES “Ela (a música) não nos confiava nem o tempo nem o eterno, mas produzia o movimento; ela não afirmava nem o vivido nem o conceito, mas constituía o acto de razão sensível” DELEUZE (ao evocar François Châtelet)300 Após o longo caminho percorrido no presente trabalho, creio ter convenientemente apresentado, enfim, as principais teorias e questões envolvendo a cognição musical (ou pelo menos uma parte significativa e coerente). E também, em qualquer relação possível (ou atualmente apresentável) entre música e linguagem (Música e Linguística) em seus estudos, a pertinência da noção de metáfora musical: como ocorrência de uma ambiguidade entre a teoria musical estabelecida e os fenômenos musicais como um todo, assim como ocorrência de pesquisas musicais a partir de termos e metodologias linguísticas — autorizando também, ao que tudo indica, a elicitação de uma “metáfora linguística” no seio de estudos musicais, hipótese já levantada no Capítulo I. Afinal, puderam ser diretamente apontadas manifestações ambíguas entre música e sistemas musicais, ou entre música e sistemas linguísticos, em “campos” similares de conhecimento (com “semelhanças de família”) que procurei isolar em cada capítulo, de forma a tornar mais claras as questões específicas envolvidas. Nos vários tipos de postulações teóricas e pesquisas empíricas, foi possível pontuar exemplos definidos: em um fenomenalismo (ex. BORETZ 1969; RAHN 1979B), na postulação de sistemas propriamente semiológicos (ou estruturalistas — SUNDBERG, LINDBLOM 1976; MARTIN 1972; LERDAHL, JACKENDOFF 1983; NARMOUR 1991), na equiparação entre um ouvinte “ideal”, de caráter teórico, e um foneticista (cf. REPP 1991; SLAWSON 1991; RISCHEL 1991 — ver Capítulo IV); na importância dada às regras como instâncias musicais, em uma inteligência artificial aplicada à música (YAKO 1997; DESAIN, HONING 1999), ou numa representação “sonológica” (LASKE 1980) ou “subsimbólica” (LEMAN 1985; SCARBOROUGH, MILLER, JONES 1989) dos fenômenos musicais (ver Capítulo V); nos estudos sobre afasias, e sua relação com amusias (DALLA-BELLA, PERETZ 1999) ou com manifestações musicais (BELIN ET ALL. 1996), em pesquisas neurocognitivas envolvendo EEGs (BESSON 1999; TERVANIEMI 1999), PETs (HALPERN, ZATORRE 1999), ou mesmo uma motricidade cognitiva de caráter especificamente musical (FRIBERG 1997; GABRIELSSON 2000), compartilhada com a linguagem (SUNDBERG 1983) ou envolvendo problemas linguísticos, como as emoções (CLYNES 1995) ou manifestações metafóricas (ZBIKOWSKI 1998 — ver Capítulo VI); para citar apenas alguns dos exemplos indicados nos capítulos anteriores. Embora estes dados possam ser considerados relevantes, dentro dos objetivos propostos no presente trabalho, é claro que não se pode prescrever um caráter totalizante para o conteúdo descrito até aqui. As pesquisas envolvidas com problemas da cognição musical, como já expus na Introdução, envolvem um volume de material que dificilmente pode ser abarcado numa só obra, por um só articulador. Levando em conta as limitações metodológicas e de gênero (dissertação) apropriadas, tiveram de ser postergados pelo menos dois campos fundamentais de conhecimento nos quais florescem pesquisas relacionáveis à cognição musical; e seria conveniente então, ao menos, uma apresentação ainda que (drasticamente) resumida, que possibilite já indicar possíveis caminhos futuros de desenvolvimento, ou ao menos um restrito aos objetivos do presente trabalho. Assim, e talvez num sentido paradoxal, seria possível por exemplo, em algumas linhas de pesquisa, a afirmação de uma anterioridade ou “primariedade” da música em relação à linguagem, em termos de generalidade de processamento, de origens de desenvolvimento, de representatividade ou participação constitutiva em processos mentais superiores; a linguagem, nesse caso, poderia mesmo ser encarada, em diversas situações, “como um tipo de música” (“as a kind of music” — VANEECHOUTTE, SKOYLES 1998). De fato, essa parece ser a posição de muitos trabalhos numa faceta da cognição musical intimamente relacionada a implicações das afirmações contidas no último parágrafo, a saber, a relação entre música e o que se poderia chamar de desenvolvimento humano, tanto em um nível filogenético na evolução biológica da espécie humana) quanto em um nível ontogenético (no desenvolvimento infantil). O conteúdo situacional de tais pesquisas, entre outras questões, abarca em maior ou menor grau uma idéia de isomorfismo entre ontogênese e filogênese (ZURCHER 1996; CROSS, ZUBROW, COWAN 2002; etc.): aos diferentes estágios de desenvolvimento cognitivo delimitáveis na evolução da espécie humana corresponderiam diferentes estágios de maturação intelectual infantil ou humana, de forma que estudos em um campo levariam inevitavelmente a conclusões em outro. A idéia que geralmente se sobressai é a de uma musicalidade disseminada de forma “multimodal” (CROSS 1999B) nos processos cognitivos os mais primários (numa conceituação similar à do sinergismo, apresentada no Capítulo VI), e cuja participação nestes processos seria determinante no desenvolvimento de capacidades cognitivas mais específicas (mais “superiores”) como a linguagem, a interação social, o pensamento abstrato (como no caso do efeito Mozart, de desenvolvimento de habilidades matemáticas e geométricas de crianças depois de exposição sistemática à audição de obras de Mozart: RAUSHER, SHAWN, KY 1994; NANTAIS, SCHELLENBERG 1999), e, é claro, a música, como a atividade de caráter social e artístico aceitos entre todos nós. Em concepções filogenéticas de desenvolvimento, esta musicalidade é apresentada como situada na base de atividades lúdicas e de formação de uma consciência de grupo (como na comunicação animal), o que permitiria o uso da expressão “primatas musicais” (“musical primates” — VANEECHOUTTE, SKOYLES 1998) aplicada aos seres humanos. Pontua-se também que mesmo a fisiologia necessária à produção de linguagem verbal seria condição necessária ao surgimento da linguagem, situando-a como originária do aparato para a comunicação animal (LIEBERMAN ET ALL. 1972). Na inter-relação específica entre desenvolvimento cognitivo (infantil) e a linguagem verbal e seus elementos — questão disseminada, na Linguística, em estudos sobre Aquisição da Linguagem — tais idéias são transpostas principalmente nas questões relativas à entonação infantil e especialmente pré-linguística, identificada em uma respeitável quantidade de trabalhos sobre o assunto como vocalizações primitivas (ALBANO 1990) ou balbucio (e balbucio tardio — SCARPA 2000). O termo inglês correspondente, usado em várias referências, parece ser babbling (ex. DE BOYSSON-BARDIES, HALLE, SAGART, DURAND 1989). Estudos relacionam cognitivamente a entonação pré-linguística à música, na formação de uma capacidade cognitiva de controle vocal; a fala “infantilizada” adotada por adultos quando se dirigem a bebês — o termo inglês que parece defini-la é motherese — seria justamente a tentativa de deixar os elementos entonacionais citados acima mais proeminentes, tornando a fala assim mais musical. Acepções como estas podem ser encontradas como disseminadas na literatura acerca da relação entre música e ontogênese, ligadas, entre outras, a pesquisas interculturais (UNYK ET ALL. 1992), linguísticas (FERNALD, SIMON 1984) ou propriamente musicais (PAPOUSEK M. 1996); o sentido inatista e universalista de tais pesquisas se revela na definição de “universalidades interculturais” (“cross-cultural universalities” — CROSS 1999B) não só nas capacidades de discriminação musical (TREHUB 1991), mas também em uma “predisposição” para o interesse em manifestações musicais; nesse sentido, a música (ou mais propriamente a musicalidade — e esta dicotomia, ou sua ausência, parecem ser uma questão crucial no campo da ontogênese de uma cognição musical) poderia representar também um princípio de intersubjetividade primária, que permitiria a “comunhão de estados emocionais” ("sharing of emotional states") entre o adulto e a criança (TREVARTHEN 1980). Vale dizer, toda esta problemática (ontogênese X filogênese, capacidades fonéticas e vocais, subjetividade primária, formação da linguagem e do pensamento) tende a ser bastante enriquecida e controvertida com a possibilidade de oposição aos dados oriundos da própria Aquisição Da Linguagem, especialmente uma que acate, como questões “linguísticas”, elementos externos à definição estruturalista, saussuriana, da linguagem como língua, como a prosódia (SCARPA 1999), uma subjetividade (GOPNIK 1993) ou uma auto-organização de emergência das estruturas linguísticas (como, sob certos aspectos, é defendido na noção de uma linguagem desenvolvida “tocando de ouvido”, estruturando de forma “natural”, a partir da fala, as capacidades fônicas e comunicativas — ALBANO 1990) ou ainda o desenvolvimento cognitivo como um todo (e os autores clássicos neste sentido são PIAGET 1973; VYGOSTKY 1934). “It can be postulated that one function of such precursors of musical capacity is to facilitate processes of representational redescription [(KARMILOFF-SMITH 1992)], to provide non-goal-directed means of integrating information and exercising competences across modalities and domains. These precursors of musical capacity are characterisable as undirected play, as the exercise of spatio-temporal movement sequences that are not directed towards overt ends, as the repetition and variation of sets of sounds and movements associable with, but not directly interpretable as, acts and signs of communication and intentionality. The precursors of music become adapted to the structures and functions of the music of the child's culture in the course of her development (see PAPOUSEK M. 1996), and can come to play a significant role in the child's interactions with and accommodations to the vicissitudes of ‘being-in-the-world’ as a member of her culture”301 (CROSS 1999B). “De início, a fala não é senão uma das condutas tocadas de ouvido pela subjetividade encantada com a descoberta do simbólico. Ao lado das proto-palavras e das formas foneticamente consistentes, a criança a presença toda uma gama de ações simbólicas tocadas de ouvido, manifestadas através de gestos, jogos e imitações. [...] É por isso que um interesse subjetivo pela forma linguística é fundamental para deslanchar a aquisição da linguagem, [...] mas não para seu desenvolvimento posterior” (ALBANO 1990). Outro universo possível do conhecimento com contribuições importantes para uma cognição musical, principalmente por uma posição diametralmente oposta, em termos epistemológicos, a muito do paradigma cognitivista, parece ocupar a assim chamada Etnomusicologia cognitiva. Dados seus métodos e princípios oriundos da antropologia e das Ciências Sociais, entre outras, a etnomusicologia vê a definição de sistemas musicais (cognitivos ou não) muito mais culturalmente, socialmente e ideologicamente constituídos do que modelados de acordo com teorias computacionais, semióticas e biológicas (corticais — MOISALA 1993). Estudos relacionados a este campo podem até citar princípios condizentes com o paradigma principal do "cognitivo" musical visto até aqui, como a adequação à psicologia da Gestalt (WEGNER 1993) ou a modelos de cognição musical baseados em teorias musicais, como o de Lerdahl & Jackendoff — principalmente nos resultados de análises específicas de gêneros musicais étnicos (BECKER, BECKER 1979; KRUMHANSL, TOIVANEN, EEROLA, TOIVIAINEN, JARVINEN, LOUHIVUORI 2000). Mas “o conhecimento musical não poderia ser limitado à cognição musical” (“musical knowledge cannot be equated with music cognition” — KIPPEN 1992); tal conhecimento estaria baseado não só em possibilidades estruturais e corticais (dedutíveis das abordagens cognitivistas), mas principalmente em todo um universo cultural implícito próprio, uma “construção social da realidade”("[a] social construction of reality" — DAVIDSON, TORFF 1992), ligada a uma tradição social e histórica própria da cultura onde está inserida. Assim, é toda uma inter-relação, e principalmente uma pré-determinação (um pré-concebido), entre um arcabouço cultural (social) e os fenômenos musicais, o que parece aflorar da metodologia e do substrato teórico em diversas abordagens da etnomusicologia. Na comparação direta de diferenças culturais em acepções musicais (AGAWU 1995A) ou em conceitos relacionadas ao fenômenos musical, (como por exemplo o tempo — MERRIAM 1990). Nos estudos semiológicos (NATTIEZ 1990) ou epistemológicos (SEEGER 1977A) ligados à área e a seus postulados (“all music is structurally, as well as functionally, folk music” — BLACKING 1973). Em estudos relacionando estruturas e gêneros musicais com esquemas corporais dados culturalmente ou com a própria constituição dos instrumentos musicais, relativizando assim a postulação de um esquema corporal “universal” funcionando na cognição ou em música (BLACKING 1992; BAILY 1995; BAILY, DRIVER 1992; etc.). Em considerações antropológicas sobre estados e práticas rituais, diferenciados de um estado cognitivo “geral” ou “normal” do sujeito das pesquisas cognitivistas, como no transe religioso (ROUGET 1985; LAUGHLIN S.D.). No sentido interlocutivo, inter-determinado, de constituição dos objetos musicais (ou ao menos em algumas situações — FRANÇA 2001). Finalmente, na crítica à validade supracultural de elementos musicais, como a tonalidade (HOPKINS 1982, sobre o trabalho de KRUMHANSL 1990) — e, por extensão, a muito da sistemática e metodologia de experimentos de laboratório ligados ao paradigma principal do "cognitivo" em música (VAUGHN 1992). “The fact that these complex musical phenomena are unlikely to be present in the consciousnesses of ordinary listeners — who may nevertheless enjoy music — makes it difficult to relate the findings of musical analysis to the musical experiences of the ‘averagely educated’ but musically untrained listener (except that one can simply assert that the perceptions of music analysts and the perceptions of such untrained listeners will be different). Further to this last point, some of the empirical findings of the cognitive science in respect of musical perception seem to indicate that little qualitative difference may exist between the perceptions of musically untrained, and highly musically educated, listeners”. […] “This is probably because they have been developed and tested almost entirely on tonal music — the dominant music of Western culture. And culture is something about which theories in the domain of artificial intelligence — indeed, theories within cognitive science — have not had much to say until very recently”302 (CROSS 1998A; grifo do autor). Ao mesmo tempo, tanto o papel importante da linguagem na formação e no funcionamento das estruturas culturais quanto sua relação com os processos cognitivos — suas implicações como atividade estruturada mas também estruturante dos processos cognitivos (cf. MORATO 1996), como nas abordagens pragmático-discursivas apresentadas no Capítulo II — também leva a considerar todo o problema etnocultural como também da ordem do "discursivo". Assim, pode-se indicar que um "discurso sobre música" específico, em suma, é o que estaria em jogo em qualquer descrição seja teórica, seja cognitiva, seja “fenomenológica” ou mesmo mitológica (ELIADE 1963) sobre música, cercando com palavras a validade, o funcionamento e a prescrição dos fenômenos musicais. O que abre, certamente, mais formas de relacionamento entre música e linguagem, apresentando a Linguística como poderosa ferramenta de análise discursiva de textos (ou discursos: mitos, diálogos, lições etc.) sobre música (AGAWU 1995B; FELD 1984A; LYBARGER 2000) ou da relação entre conteúdos ou comportamentos musicais, linguísticos ou simplesmente culturais (SEEGER 1977C; POWERS 1980; BAGHEMIL 1988). Uma visão “discursiva” da formação de conceitos em música, que pode voltar-se ao conteúdo em cognição musical, à metodologia científica ou mesmo àquela da própria prática etnológica, reversível em grande parte a uma visão, afinal, etnocêntrica. “[Para os etnometodólogos], como se pode observar nos trabalhos de GARFINKEL, SACKS (1970), a dimensão da atividade ou ação social ‘[...] consistent à gérer l’espace et la répartition des corps dans l’espace, gérer la paix sociale dans la fonction d’attente et de prévention de la violence qui pourrait surgir dans le quotidien dans l’appropriation d’un espace que les acteurs sociaux doivent nécessairement habiter ensemble’303 (RAMOGNINO 1999)" (MORATO 2001). Independentemente de uma apresentação mais adequada destes últimos pontos, talvez a direção primordial que deve permanecer ao final do presente trabalho seja a simples possibilidade de uma abordagem discursiva (ou pragmático-discursiva, se preferir-se) para as questões em cognição musical. E devo primeiro, portanto, envolver necessariamente uma visão crítica do próprio empreendimento executado, de preferência indicando peculiaridades tanto discursivas quanto epistemológicas em um sentido mais amplo. Em primeiro lugar, o caminho textual percorrido aqui, entre as diferentes manifestações possíveis de um paradigma cognitivo para os fenômenos musicais, apresentou-se sempre como um “movimento” contínuo, a partir de uma formulação conceitual anterior, pré-dada (de caráter acima de tudo filosófico, epistemológico), passando pela apresentação dos modelos de cognição musical propriamente ditos, até a possibilidade de uma abordagem mais ampliada, de um lugar mais distante e amplo, ou seja, como um problema epistemológico, de formulação de conhecimento — o que permite aproximar os possíveis caminhos da cognição musical à própria motivação e estrutura do presente trabalho como um todo (indicada na Introdução), e também à própria possibilidade de apresentação da metáfora musical como uma questão de fundo em uma epistemologia musical (Capítulo I). Uma tal abordagem pode ser apresentada, então, como mais aberta à influência contextual, instancial ou “ecológica”, não só nos fenômenos musicais, mas também (consequência metodológica natural) em todo paradigma propriamente cognitivo. Uma abordagem voltada ao corpo (não redutível a uma “máquina” formal, gestáltica ou biológica, característica da dualidade cartesiana entre corpo/mente), às práticas musicais concretas (para além de qualquer universalismo irrestrito), ao fenomenológico, ao metafórico, ao cultural, ao ideológico (e discursivo), em suma, a uma posição em “primeira pessoa” frente às questões envolvidas. “Muitas vezes, tanto a forma quanto o informe, na opinião deles, parecem dados imediatos da consciência que eles não chegam a captar nem no seu devir individual como momentos de um desenvolvimento psicológico, nem na sua evolução social como produtos de uma linguagem transitória fixada por instituições que tendem a fazê-lo parecer como ‘natural’ até o dia em que o mesmo é substituído por uma nova linguagem geradora de ‘formas’ desconhecidas que, um século antes, teriam passado como informes. [...] O elemento não é simples senão na medida em que é erradicado do conjunto do conjunto do qual ele faz parte e no qual é revestido de propriedades específicas, e o que se chama de dado é, na realidade, constituído a partir de uma esfera objetiva que é necessário conhecer (aquela das obras, e da técnicas que estas pressupõem), antes de investigar o conteúdo da consciência” (FRANCÉS 1958 apud PIANA 2001). Neste sentido, um princípio metodológico importante dentro da definição de um “discurso da cognição musical” pode ser indicado na forma como foi tomada a bibliografia pertinente, em sua materialidade, como dados concretos de pesquisa, mais do que propriamente seu conteúdo científico objetivo: as indicações bibliográficas em suas aparições na literatura pertinente, suas inter-relações e inter-exclusões. O que determinou em grande parte o formato das citações e indicações bibliográficas utilizado, e permitiu um uso mais livre de “citações de citações” (apud) que, se não trazem um conteúdo concreto, de algo efetivamente dito (escrito), ampliam as possibilidades de comparação relacional entre elas. Graças a isto, a bibliografia utilizada pode vir a tornar-se, automaticamente, um banco de dados a respeito talvez não do que se fala em cognição musical, mas sobre quem fala, onde, quando; esta operabilidade possibilitou não só a maior parte das análises críticas empreendidas no material abordado, mas abre campo para outras possíveis formas de análise e inter-relação. Estas afirmações também se aplicam ao significativo número de citações literais dos textos pertinentes, colocadas também não tanto no espírito de prova factual, ou de adequação disciplinar (como pode-se afirmar que seja sua função regular na tradição acadêmica), mas simplesmente como dados de pesquisa inter-relacionáveis. De certa forma, as citações literais formam um corpus, uma fonte de estudo comparativo, de funcionamento independente do conteúdo próprio do presente trabalho; de certa forma, os conteúdos associados à literatura sobre cognição musical “afloram” das citações, a partir da forma como estão arranjadas e concatenadas, criando uma nova possibilidade de operabilidade do próprio texto do presente trabalho; de certa forma, é como se a descrição das questões em cognição musical fosse substituível pela simples concatenação das citações adequadas, deixando que os “dados” falem por si só (como em qualquer tradição empírica da ciência). Por outro lado, a discussão desenvolvida aqui, desde o princípio, não se limitou a um área específica do conhecimento científico ou acadêmico, mas sempre assumiu uma postura interdisciplinar por natureza, mais do que por conveniência metodológica ou empírica. Ou seja, uma relação epistemológica, afinal, entre disciplinas do conhecimento. De fato, as profundas tendências interdisciplinares em muitos os caminhos científicos atuais podem ser apresentadas como aspirações de fundo epistemológico, de revisão dos limites e da estrutura do conhecimento humano (cf. “Ciência nova”, FOLHA DE SÃO PAULO 2002). Levando em conta então os interesses relevantes que o presente trabalho possa suscitar para diferente objetos diversos — a música, certamente, mas também a cognição, a linguagem, áreas relacionadas a modelos cognitivos específicos apresentados (ex. semiótica, matemática, ciência da computação, medicina, educação etc.), foi conveniente então limitar ao máximo exigências de caráter técnico, restrito a determinados campos (seja em música, seja em linguagem, em cognição etc.), acentuando ainda mais o caráter teórico e multifacetado das questões envolvidas. E talvez o mais interessante seja considerar que a validade do empreendimento enquanto “apresentação” descritível do problema também influi na possível validade do próprio trabalho como um todo; ou seja, que uma apresentação coerente, bem delimitada e produtiva, não possa funcionar apenas como uma descrição introdutória de um campo já dado per se (ou seja, em um possível valor “pedagógico”), mas represente também como que um “caminho possível” dentro do vasto universo das questões relativas à cognição musical, revelando um “discurso possível”. O conhecimento humano depende das palavras que o formulem, o discurso instituído tem implicações cognitivas (e também dentro do paradigma científico), a linguagem molda o pensamento humano não só em termos de sua operabilidade mas também em termos de sua direcionalidade. São afirmações importantes em qualquer discussão sobre a cognição humana, e, tal como apresentado anteriormente (Capítulo VI), são condizentes com o arcabouço teórico assumido, em última análise, em uma perspectiva neurolinguística, ou ao menos a apresentada aqui como de orientação pragmático-discursiva (ou enunciativo-discursiva) — ou seja, uma neurolinguística interessada em um ponto de vista linguístico para as relações entre linguagem e cognição, especialmente as relações inter-constitutivas, de significação e de sentido. Se é possível apontar implicações do presente trabalho no campo específico da Linguística — para além de uma “inflação pan-linguística” de um método estruturalista, por si só já bastante dilapidado e relativizado atualmente —, seria na vigorosa possibilidade de consideração desta neurolinguística, em todas suas possíveis implicações, como uma nova epistemologia: uma epistemologia que possa ultrapassar a dualidade cartesiana não apenas através da valorização de uma constituição interna inerente (como no papel de uma subjetividade, nas perspectivas fenomenológicas), mas também (e principalmente) em um processo de formação com origens externas, através da linguagem (e dos discursos); uma epistemologia que tenha condições (conceituais, metodológicas e implicacionais) de discernir direções ambíguas, contrárias, conjuntas ou inter-excludentes, nos caminhos entre a cognição e a linguagem (ou o discurso!) dentro das práticas humanas; enfim, uma epistemologia que possa finalmente aceitar uma constituição discursiva (pré-dada, subjetiva, delimitável através de um “externo” a ela mesma) dentro de sua própria formulação, e com isso, aceitar também uma transitoriedade, uma incompletude, e (por que não?) uma ética como necessariamente permeando (no caso) os estudos acerca da cognição e do pensamento humanos — o que parece estar muitas vezes fora de alcance do atual paradigma cognitivista (e científico). “Quem interpela socioculturalmente os fatos de linguagem depara-se ainda com o caráter ético que a envolve. Depara-se sobretudo com um páthos ligado de maneira irredutível e subversiva à linguagem.[...] O homem (pós) moderno ainda não dirimiu um problema filosófico que faz a linguagem ser ao mesmo tempo revelação e veneno, espetáculo e sombra, objetivação e desequilíbrio” (MORATO 2000B). Música, subjetividade, discurso O que se pode dizer, no entanto, é que parecem estar muito mais longínquas as condições que possibilitariam, por exemplo, transformar a cognição musical, digamos, numa nova filosofia da música — algo que no entanto seus autores parecem antever em seu decurso histórico (cf. REYBROUCK 1989; LEMAN 1999A; etc.). Atualmente, ela parece em geral estar colocada de forma a atender necessidades explicativas (cognitivas) das práticas musicais corriqueiras. Com isto, o mínimo a se apontar a respeito do atual “estado de arte” da cognição musical é o quanto ela se ressente de um paradigma fechado em si mesmo, que não leva em conta a multiplicidade, talvez não das atividades e estados humanos (e musicais!), mas de suas formas e inter-relações de estudo e conceituação: certamente a semiótica, a psicanálise (ou várias outras formulações psicológicas: psicologia social etc.), a sociologia (ou as ciências humanas de forma geral: a antropologia, a história etc.), a acústica (e a ambientação sonora), ou já no terreno musical, as filosofias da música, a musicoterapia, a síntese (computacional) de sons ou mesmo a organologia (estudo dos instrumentos musicais), são todos temas e campos (entre outros) que poderiam contribuir, muito mais do que no momento aparentam fazer, para o desenvolvimento desta corrente científica, que parece se comprazer a limitar-se conceitualmente a um prolongamento da atual teoria musical (e seus temas recorrentes: análise e composição, estética, psicologia das emoções, expressividade etc.). “Aesthetic claim 2: the best music arises from an alliance of a compositional grammar with the listener grammar”304 (LERDAHL 1989). Ao aparentemente aceitar o encargo de demonstrar cabalmente que a música “precisa” dos sons, de sua manifestação sonora ou sensível (auditiva), a cognição musical se imiscui de aceitar também tudo o que possa rodeá-los, antecipar-se a eles ou ser implicado por eles. “Human experience is beginning to be conceived of in increasingly rich and complex ways in cognitive science; it is beginning to be acknowledged as a complex, embodied, encultured, valenced and ‘enhistoried’ set of social and cognitive processes. […] Music has to be approached in the same light, rather than being thought of as simply pretty patterns in sound, and as such the study of musical experience can offer much [to cognitive sciences]”305 (CROSS 1999A). “E tudo isso significa afirmar obviamente que, além do componente estrutural e junto com ele, cabe à música um simbolismo de princípio. Como anteriormente, o objetivo de uma semelhante formulação é ressaltar que a simbolização [...] deve ser encarada como uma possibilidade originária da música,. Uma possibilidade, portanto, que está implícita no próprio fato que os sons em geral [...] são permeados por dinamismos imaginativos. [...] Tudo isso que está como fundamento de configurações e de articulações possíveis dos sons está também como fundamento de possíveis orientações de sentido” (PIANA 2001; grifos do autor). Mas é certo que, acima de tudo, a importância abstraída do tema recorrente no presente trabalho (a metáfora musical), ao poder ser finalmente alçada de uma formulação teórica particular, como de certa forma o fez MORAES (1991), a uma “necessidade intrínseca do assunto” (PIANA 2001), parece colocar de maneira peremptória a pertinência da Linguística como disciplina afim, em cognição musical. Não creio ser o caso de reapresentar as formas de interdisciplinaridade direta (como modelo metodológico ou epistemológico) pelas quais a cognição musical já se envolve com a Linguística (já apontadas sucintamente no Capítulo I, e detalhadamente no restante do presente trabalho). O caso neste ponto seria então traçar novos limites possíveis de formulações da metáfora musical, que não são, ao que tudo indica, abordados dentro da literatura pertinente em cognição musical: uma relação entre música e fala no campo da prosódia pode ser levada a ampliar-se até um questionamento da própria voz, como anterioridade última (como “inervação no grito, no choro” em uma “descarga primordial de tensão”, na teoria freudiana — MORAES 1999), ou primariedade de uma subjetividade (o “grão da voz”, o indeterminado não só da língua, mas da própria possibilidade de significância — BARTHES 1990), ou ainda como objeto cognitivo concreto, dissociável da fala, da entonação, do canto (cf. BELIN, ZATORRE, LAFAILLE, AHAD, PIKE 2000); a significação musical (auditiva, executada, simbolizada etc.) poderia apresentar diversos níveis psicológicos ou psíquicos (diversas “articulações”), que deveriam ser representáveis também cognitivamente; a metáfora musical pode ser também correlacionável à representação escrita, trazendo nessa comparação toda a problemática já existente no campo linguístico (FERNANDES 1998; MATTE 2001); ela pode, também, surgir de origens as mais insuspeitadas, fornecendo questões para possíveis investigações (especialmente de cunho filosófico, epistemológico, ou correlacional, discursivo): “O domínio da langue [em Saussure] é assim constituído por meio de algumas relações observáveis por introspecção ou por meio de algum tipo de análise distribucional, ao passo que o domínio da parole toma corpo a partir de um outro domínio de fatos observáveis, a saber os eventos históricos que são os vários atos comunicativos efetivamente realizados (Saussure utiliza aqui a comparação entre a partitura e sua execução pelo músico)” (PARRET 1988). O importante no momento seria frisar que estes possíveis desdobramentos de considerações (ou “reflexões”) sobre linguagem e cognição musical, e outros ainda, guardarão características comuns relativamente simples, compartilhadas também por mim no decorrer do presente trabalho: há relações entre música e linguagem, e estas relações permanecem hoje um tanto quanto indiferenciadas ainda; há relações entre linguagem e cognição, que devem levar a uma constituição intersubjetiva e social (discursiva) do pensamento, da racionalidade, da subjetividade. Mas é necessário também que hipóteses como estas constituam apenas o ainda não-estudado, o não-aquilo, o do qual ainda não se fala, e que surjam, portanto, justamente como meras possibilidades. Embora se possa “apontar” nessa direção, a neurolinguística, por exemplo, não tem condições atuais de se portar como uma nova epistemologia, ao procurar ater-se aos objetos linguísticos na sua auto-afirmação como um locus no campo das disciplinas do conhecimento. Assim, há uma indicação possível da importância de eventos linguísticos (ou mais especificamente contextuais, pragmáticos, enunciativos, discursivos, “pós-estruturalistas”) nos funcionamentos cognitivos, em sua construção, sua reconstrução (como no caso da possibilidade de readequação pragmática de afásicos) ou desconstrução (como na análise discursiva, meta-enunciativa); mas esta possibilidade ocupa hoje uma posição de oposição simples, ao invés de abarcamento, das posições cognitivistas, tornando estes dois campos quase que impenetráveis um ao outro (metodologicamente, conceitualmente, em última instância discursivamente, no discurso científico), mais do que relacionáveis entre si (apesar de possíveis formas de confronto direto poderem ser apontadas em MORATO 1995). Uma perspectiva epistemológica terá então o dever de ultrapassar uma oposição “inter-disciplinar”, excludente, para aceitar sua pertinência e sua constituição a partir de e no interior de outros objetos do conhecimento. E a consideração de um objeto dado como “cognitivo”, a música, não contribui para melhorar esta situação, agravável pela indeterminação essencial de um significado (de um sentido) musical, articulável através da noção de metáfora musical. Neste ponto, já torna-se tarefa múltipla e profunda conseguir discernir e recortar analiticamente o objeto de estudo e seu método, a questão a ser discernida (a cognição musical) de seus pressupostos teóricos (o papel da linguagem na cognição), ou ainda uma relação de disparidade e de inter-delimitação entre música e linguagem, de uma relação de mera continuidade ou subordinação entre elas. No ato da enunciação a significação é criada dentro de relações de referência ao mundo e ao próprio ato de enunciação; esta perspectiva auto-reflexiva ímpar é o que permite uma distinção já substancial entre fenômenos musicais e fenômenos linguísticos, assim como, diga-se de passagem, entre fenômenos linguísticos e os demais processos cognitivos; a linguagem carrega a afirmação e o funcionamento de uma posição, de uma enunciação, em todas as suas instâncias (ver Capítulo II). Ora, os fenômenos musicais não se dão substancialmente num diálogo, afora práticas musicais bastante específicas e delimitadas estética e metodologicamente (ex. sessão de improviso). Os fenômenos musicais não se voltam ao mundo, no sentido de nomeá-lo ou operabilizá-lo (contextualizá-lo), eles só se colocam no mundo, como objetos já aguardados e ambientados (a obra, o estilo, a ocasião). Os fenômenos musicais estão sujeitos à manifestações de regras coercitivas, e mesmo os estudos em cognição musical são peremptórios neste sentido; mas elas parecem não ter o caráter de uma função lógica (como pode ser imputado por exemplo às posições sintáticas, especialmente no gerativismo), mas sim de critério valorativo. Ou seja, variando-se o funcionamento das (possíveis) regras linguísticas, altera-se a significação; em contraste, variando-se as regras musicais, não tem-se mais música (a música determinada, esperada), tem-se a não-música. Na música, a estrutura funcional possível (similar à da linguagem) é dada apenas a partir de um acontecimento delimitável, valorativo. Na linguagem, isto que eu digo e nomeio é o que é relevante, significável, enunciável. E a música, instaciada mais do que instanciadora, é isto (apontando sem direção definida), que eu não consigo nomear a não ser assim — música; que eu não consigo operar em outros termos — os musicais. “O processo de singularidade e de unicidade é a característica da experiência artística, mesmo de um simples ritmo, já que envolve a capacidade de manipular o conflito entre a ‘invariância de certas propriedades e o caráter único de sua formação contextual’ (BAMBERGER 1990)” (FERNANDES 1998). Assim, na medida em que a música não pode ter uma referência (um discurso) externa a si, mas apenas dentro do âmbito de valor de seus objetos próprios, a maior parte das postulações de uma descrição especificamente discursiva aos objetos musicais, de delimitação do funcionamento semiótico geral de “signos”, ou “narrativas”, ou “figuras de estilo” etc., passíveis de dentro das manifestações musicais (LIDOV 1987; ECHARD 1995; HATTEN 1997; JAN 2000; etc.), se limitará aos signos musicais já colocados no sistema que os abarca, e terá (mais uma vez) um inelutável valor “metafórico”, de comparação entre estruturas linguísticas (enunciativas, discursivas) e estruturas musicais — tal como na maior parte dos estudos relacionados a uma determinada semiótica (ou semiologia) já constituída dos objetos musicais (apresentados no Capítulo IV) — podendo ser afastadas de uma discussão especificamente cognitiva (constitutiva) da própria possibilidade de uma tal semiótica. Uma possível exceção, porém, possa talvez ser encontrada numa aplicação das idéias de Bakhtin (ver Capítulo II) no campo musical, através da figura de um de seus mais destacados discípulos, o também russo SOLLERTINSKY, que posteriormente tornou-se teórico e crítico musical e teve uma documentada influência, por exemplo, na obra do compositor SHOSTAKOVICH. Mas dados como estes parecem ainda pouco desenvolvidos na literatura pertinente, e estiveram foram do âmbito de alcance do presente trabalho. “Sollertinsky was working out his ideas on the application of Bakhtinian terminology to music at exactly the time the [Shostakovich’s] Seventh Symphony was coming into being, when composer and critic were in close and constant dialogue. [...] The contradiction of expected forms, the importing of familiar found objects into unfamiliar surroundings, and of the composer ‘himself’, as a formal device, are some of the ways in which the processes of the 8th quartet might be heard and analysed in a Formalist manner”306 (LINGRAM 2001). “I am happy to supervise projects either explicitly devoted to Bakhtin or his ‘school’ or developing or extending his theories. […] I would be interested in supervising students who want to apply cultural theory to the study of music, whether popular or classical”307 (HIRSCHKOP 2001). Outra possível formulação de relações subjetivas nos fenômenos musicais (e na cognição musical) é apresentada por LEMAN (1999B) como identificável a uma hermenêutica da música como um objeto cultural ou meramente cognitivo; ou seja, como um problema de interpretação. Na opinião de Leman, esta instância de conhecimento dos fenômenos musicais deveria ser dissociada de uma perspectiva propriamente cognitiva, cognitivista; seria uma questão, em última análise, social ou histórica, e não propriamente de constituição mental (cognitiva) dos objetos musicais. Assim, não só as facetas mais sociais, discursivas ou propriamente estéticas dos fenômenos musicais, mas mesmo seu caráter emocional, poderiam ser atribuídos a uma intencionalidade específica, ou a uma relação específica entre o sujeito e o objeto musicais308. “Hermeneutic semiotics is concerned with the study of subject-object relations and the problem of musical communication in its general cultural sense, both from a sociological as well as aesthetical point of view. It also addresses the more peculiar problem of intentionality and musical consciousness as well as the question how musical signs can become carriers of expressive/emotional qualities”309 (LEMAN 1999B; grifo do autor). Tal como em outros limites de um paradigma cognitivista, a subjetividade poderia finalmente ser apontada mesmo como a “última fronteira” de uma acepção científica ou mesmo objetiva dos fenômenos musicais, uma vez que seu locus já não é o do objeto, do material (disposicional), do científico (cognitivo). O simples fato, porém, de se dar numa abordagem “hermenêutica”, filosófica, imanente, já a opõe de maneira primária ao domínio da cognição musical; seria em último caso uma imanência interpretativa primária, “não-proposicional”, que parece se aproximar de uma postura fenomenológica, indo de encontro à possibilidade teórica de uma relação entre linguagem e música (ou entre música e uma “atitude proposicional” cognitiva). “Several authors distinguished between a so-called scientific understanding of music and the practical understanding of a concrete musical piece. BENGTSSON (1973), for example, argued that the general and typical appearances of styles can be understood and explained within the propositional framework of natural language. However, the individual meaning of a particular piece of music cannot be understood in a propositional way. It can only be accessed by means of a proper hermeneutic method. Similar ideas were prevalent in the work of EGGEBRECHT (1973) who stated that scientific understanding of music aims at a propositional based insight, while the practical musical understanding has a non-propositional based content that is expressed in sound. Musical concepts and ideas were not considered to be expressible as propositions, but rather as forms of a musical imagination”310 (LEMAN 1999B). Mas é justamente em prerrogativas ligadas a uma “atitude proposicional” dos processos cognitivos (já apresentada resumidamente no Capítulo II) que podem ser encontradas possibilidades implicacionais profundas, tanto em música, como nos processos cognitivos, numa relação com a linguagem verbal e com uma constitutividade linguística (incluindo uma subjetiva, pragmática ou discursiva). De fato, as condições de emergência da racionalidade, ou de proposições formalmente lógicas, base de um objetivo funcional para a formulação (cognitivista) dos conceitos de atitude proposicional (cognitiva), podem ser apresentadas, como já o foram em FODOR (1982; FODOR 1994), como um sistema de expectativas causais entre os eventos do mundo — ou seja, como um sistema de relações de crença que o indivíduo constitui com suas representações mentais (ver Capítulo II). "Fodor believes that representations gain their meaning as an intrinsic property by virtue of causal connections with what they represent and that relations with other representations are inconsequential. He does not see intentionality arising from the relations between mental states, a view that he calls 'functional-role semantics' "311 (MARABLE 1995). “My point is that, even in the case of public languages, coherence doesn’t require a stable relation between the way the terms are used and the way the world is: what it requires is a stable relation between the terms are used and the way the speaker believes the world to be”312 (FODOR 1975; grifos do autor). É o que aponta para uma outra forma possível de aproximar conceitualmente um paradigma cognitivista com uma constitutividade inerente à linguagem: a partir daí, pode-se admitir então que mecanismos nomeáveis genericamente como pressuposições possam ser importantes como base cognitiva e também como funcionamento linguístico, tanto em seu aspecto cognitivo (ex. SPERBER, WILSON 1986) quanto mais propriamente pragmático-discursivo, “implicacional”, de dedução de direções do sentido por entre a linguagem em atividade (GRICE 1967; DUCROT 1972; etc.); de fato, as pressuposições, como mecanismos de antecipação de eventos (linguísticos ou cognitivos), podem ser dadas como objetos ativos em abordagens interpretativas, enunciativas, neurocognitivas (cf. BARA, TISSARA, ZETTIN 1997) etc. Ora, será este então um conceito idêntico ao da noção de expectância, apresentada como capacidade de previsão de eventos musicais (ou cognitivos) futuros. Mesmo na sua formulação inicial, as expectâncias poderão ser consideradas mesmo, afinal, como formas de funcionamento de “crenças” ou de “pressuposições”: MEYER (1956) apresenta as expectâncias como processos formados sempre através da experiência dada em um determinado sistema cultural ou social, em última instância estilístico. O caráter “cognitivo” da noção pode então ser apontado não numa relação causal de objetos sonoros definidos, mas de acordo com as perspectivas possíveis de interpretação e de resposta a determinados objetos (condicionados socialmente — na escuta, mas também na execução, interpretação, composição etc.), o que poderá coincidir tanto com um conceito (crença) quanto com o outro (pressuposição). “For Meyer, styles are learned sets of expectations. Styles provide the norms against which ensuing musical events can be heard by a listener as expected or unexpected. […] ‘Musical styles are more or less complex systems of sound relationships understood and used in common by a group of individuals’ ”313 (HURON S.D.B). “Belief also probably plays an important role in determining the character of the response. Those who have been taught to believe that musical experience is primarily emotional and who are therefore disposed to respond affectively will probably do so. […] Those listeners who have learned to understand music in technical terms will tend to make musical processes an object of conscious consideration. This probably accounts for the fact that most trained critics and aestheticians favour the formalist position”314. […]“The patterns of style are fixed by neither God nor nature but are made, modified, and discarded by musicians. What remains constant is the nature of human responses and the principles of pattern perception, the way in which the mind, operating within the framework of a learned style”315 (MEYER 1956 APUD HURON S.D.B). Assim, se a interpretação, ou a subjetividade, ou mesmo uma intencionalidade, podem ser tomadas como noções pertinentes a uma delimitação epistemológica do musical (incluindo uma perspectiva cognitivista), elas o farão como constituintes de uma possível realidade musical, uma que se dá no âmbito das possibilidades sociais de construção da realidade. Os objetos (ou as manifestações musicais) passam a não ser mais definíveis simplesmente a partir de um mecanismo causal, cognitivo, lógico (ou simplesmente sonoro, auditivo). Eles correspondem a um processo de identificação, valoração e interpretação subjetiva (por sujeitos) de objetos passíveis de serem considerados como musicais, portadores de uma mensagem musical. É um paradigma epistemologicamente bastante diverso da causalidade explicativa buscada nas perspectivas cognitivistas: a ênfase deixa de ser dada no objeto musical, e volta-se ao sujeito; um mecanismo objetivo de percepção passa a ser tomado como um processo de interpretação, e a música deixa de ser uma questão essencialmente de estrutura, e passa a se relacionar meramente com uma posição definida. “O antropólogo/etnomusicólogo americano, Steven FELD (1984B), assume que qualquer e toda estrutura sonora é estruturada socialmente no sentido que ela existe através de um meio e de uma construção social e através de algum empenho ou atividade social. Portanto a interpretação é o processo de intuir uma relação entre estruturas, composições, e tipos de mensagens potencialmente relevantes ou interpretáveis. A partir daí a dialética ‘fato’/‘valor’ toma uma nova forma. O que acontece não é mais o som polarizando-se em direção à estrutura ou história na mente humana, mas uma mensagem mais geral e imediata, de circunstância e de contexto (contexto no sentido epistemológico de fronteiras do conhecimento). A mensagem imediata comunicada é que os sons e os seus agentes estão contextualizados e contextualizando” (BÉHAGUE 1995). Mais que isto, a expectância não perde seu caráter normativo, delimitador do objeto musical, mas é dada numa transformação dos hábitos estilísticos em objetos (em sentidos) musicais determinados, cuja razão de ser é este próprio processo de transformação. Assim, sua abordagem não deve se limitar a seu caráter eminentemente cognitivo, mas também considerar que o fato cognitivo em si só passar a fazer sentido (como manifestação musical) na medida em que é indicado a partir de uma construção imaginária: em primeira instância, de uma interpretação (de uma subjetividade); em última instância de uma ideologia (construção imaginária disponível à interpretação). E assim a questão do musical pode ser finalmente postulada como uma questão de subjetivação, tal como já fora apresentada no presente trabalho como pertinente numa relação entre processos de significação e sua realidade social e humana (ver Capítulo II). Subjetivação apresentada no interior do discurso sobre o musical como ligada sempre a um “inefável”, um “indeterminado”, que justamente parece subsistir, para além de qualquer empiricismo, não como o local de onde se fala (ou se sente) a respeito de música, mas de onde a própria música parece nos falar. “Na nossa opinião, estaríamos equivocados se, da relutância observada nas configurações cadenciais em se deixar qualificar de acordo com as normas dos atos de fala, deduzíssemos a inadequação da perspectiva de considerá-las como atos elocutórios. Muito pelo contrário, parece-nos [...] que estas configurações na verdade se nos apresentam como impregnadas de um potencial elocutório peculiar — e possivelmente inefável — que não admite outra expressão a não ser aquela da própria música tonal”. [...] “Tudo parece confirmar, portanto, a hipótese de que o universo imaginário e ilusório, no qual se situam os atos de musicar, tenha sua existência exatamente ao nível da ideologia” (SCHURMANN 1989). Ao mesmo tempo, as estruturas musicais (tais como as expectâncias) podem ultrapassar um condicionamento a um mecanismo meramente cognitivo (nervoso, automático, lógico), de forma a se afirmarem como normas de constituição discursiva, ou mais propriamente ideológica, dos fenômenos musicais. Ou seja, as instâncias musicais podem passar a ser consideradas como normas de funcionamento de um determinado discurso (de uma determinada formação ideológica), e as manifestações musicais, como adequações subjetivas, ou subjetivadas, de construção de “lugares” possíveis de sua percepção — os sujeitos musicais. A cognição musical, finalmente, pode ser apresentada para além de uma descrição de delimitações empíricas dos objetos (dos fenômenos) musicais, como testemunhas de particularidades processuais de eventos de formação de uma subjetividade musical. Ou seja, não uma cognição da música, mas a cognição de um discurso musical, de um discurso da música. “Seguramente uma ‘pragmática musical’ falaria de subjetividade. Mas também (para ser uma ‘pragmática’) de interação e de normas (ou regularidades), ou de ‘regras normativas’ (não descritivas ou disposicionais/atitudinais)” (MORATO 2001). “A arte em geral é sempre ideológica, não apenas no sentido de que possa conter uma mensagem política, mas no sentido de que os seus significados são de fato a representação artística ou musical do extra-estético. A música não só reflete a realidade social mas está implicada na produção desta última. É o que se entende por antropologia musical” (BÉHAGUE 1995). E é possível instaurar-se uma nova pertinência da relação entre música e linguagem, para além dos objetos musicais como uma manifestação pré-linguística de caráter quase “mitológico” (condizente com uma instrumentalidade dos dois campos, característica das abordagens cognitivistas), na figura de sujeitos musicais imbuídos de um determinado funcionamento estilístico, cognitivo, material, ou em suma, em um ato social — o ato musical. Nesse sentido, o programa metodológico de uma sociomusicologia (BÉHAGUE 1995; BECKER 1989; etc.) pode ser considerado como coincidente a este novo paradigma, ao instituir perguntas que fogem do alcance conceitual da atual musicologia cognitiva, e que determinariam uma nova direção epistemológica. “Quem (no grupo cultural) faz música ou manipulam sons, e quem pode interpretá-la ou usá-la? Qual o modelo (a prática) de aquisição musical e aprendizagem? Que tipos de estratificação de habilidade e conhecimento existem? Como são sancionados, reconhecidos e mantidos?” [...] “O que quer dizer estar ‘errado’ ou ‘incorreto’, ou de algum modo marginal, do ponto de vista da flexibilidade do código e do seu uso? Quão flexível, arbitrária, elástica ou aberta é a forma musical?” [...] “De que maneira aparecem na estrutura e no comportamento da performance relações sociais competitivas ou cooperativas? Que significados têm essas relações para os músicos executantes e para o público ouvinte? Se for o caso, de que maneira pode a performance atingir objetivos pragmáticos (por exemplo de evocação, de persuasão, de manipulação)?” [...] “Quais são as relações visuais, auditivas e de outros sentidos entre as pessoas e o ambiente? Quais são os mitos e as lendas que constróem a percepção do ambiente?” [...] “Quais são as dimensões ou os fatores do pensamento musical que se verbalizam? Ensinados verbalmente? não verbalmente? É a teoria necessária? Quão separada é a teoria da prática?” (BÉHAGUE 1995). O estudo de um discurso em música pode se ampliar de um discurso das “estruturas musicais”, para tomar como pertinentes todas as formas de inter-relação entre um fazer musical (um falar de música, uma experiência musical etc.) e uma constituição imaginária do signo musical, ou do objeto musical. No peso valorativo (constitutivo) dos termos e das proposições envolvidas nesta relação, em todas as instâncias nas quais é possível determinar os indivíduos responsáveis pelo ato musical (quem ou o quê faz música; para quem; onde; quando; quais são os pré-requisitos para que se tenha uma música; questões de valor e julgamento estético etc.). No próprio caráter técnico-retórico, presente nas formulações de uma metáfora musical entre suas manifestações e sua delimitação teórico-funcional. Na tendência (diria-se tão “universal” quanto as próprias manifestações musicais) de imposição social, ideológica, dos sistemas musicais, como sistemas naturais, dotados de propriedades “inefáveis”, além (ou aquém) de qualquer formulação ou indicação material (concreta), “implícitos”, “metafóricos”, identificados com uma Música “ela-mesma”. E também na possibilidade de estudos delimitados, de “campos discursivos” (MAINGUENEAU 1984) específicos, dentro de um período histórico (ex. o sistema musical chinês; o canto gregoriano; o sistema tonal em várias acepções), de uma sociedade ou de uma relação social (política) (ex. a teoria musical como um processo de constituição de uma classe social, os músicos, ou mesmo como ritual iniciatório, mitológico; os processos de culturalização, produção e consumo dos objetos musicais). “Dois séculos de música tonal, numa sociedade cada vez mais dominada pelo poder econômico e político do grande capital industrial, acabaram, no fim do séc. XIX, por consolidar uma situação cultural, onde [...] os músicos, produtores desta arte [(a música)], os quais passam a ser denominados compositores, assumiam o papel de verdadeiros apóstolos, cuja função residia em fornecer a essa burguesia consumidora as suas obras, que haveriam de caracterizar-se como verdadeiras revelações, sempre novas e mais convincentes, no âmbito do universo ideológico musical. Atendendo às necessidade da divisão social do trabalho, estes compositores se ocupavam em produzir apenas os projetos de tais obras, cuja execução ficava a cargo de outros músicos especializados na realização propriamente sonora das mesmas. Estes projetos, sob a forma de partituras, [...] continham agora todas as instruções julgadas necessárias para que o executante — intérprete ou virtuose — pudesse dar testemunho de suas habilidades em dar-lhes vida sonora” (SCHURMANN 1989; grifos do autor). E por fim, num movimento reflexivo, será possível delimitar tecnicamente as características discursivas nas atuais proposições sobre cognição musical, elas próprias também tomadas como realizações (enunciados) dadas num contexto social específico, a partir de interesses científicos específicos (cf. HABERMAS 1978), respondendo a questões e conceitualizações específicas a respeito de música. Inatismo, naturalismo, isomorfismo, universalismo, paradigmas composicionais ou auditivos, e tantos outros termos recorrentes de um apagamento do sujeito musical (na música como puro objeto pré-definido), serão marcas concretas de distorção dos fenômenos musicais, em nível geral, quando tomados como objetos científicos: a construção e criação de objetos musicais é encarada como um mecanismo a ser descrito e controlado; o ouvinte ideal é o ouvinte que se compraz a uma audição analítica, em última instância matemática, científica (como na comparação com um foneticista — ver Capítulo IV); um “paradigma convergente” em relação aos objetos musicais, de uniformização não só dos atos musicais mas também do repertório possível, advém de constrições metodológicas não da música, mas da ciência. “The core of this Convergence Paradigm states that (i) the complexity of cognitive information processing can be addressed by means of a joint correlative approach between different research methodologies; in particular musicology, computer modelling, experimental psychology and neuromusicology. It implies (ii) that stimuli used for input and data gathered at the output of the information processing, as well as intermediate level of behavioural, brain and computational findings should converge”316 (LEMAN 1999A). É certo, porém, que esta articulação crítica sobre a produção da atual musicologia cognitiva não só se apresenta como incipiente e teoricamente não articulada, mas de fato não desautoriza ou “desmente”, em qualquer circunstância, os dados empíricos apresentados como “fatos” da cognição musical. O caso aqui é apenas o de apontar para a grande questão da subjetivação musical, das várias formas de limite entre a música e a não-música, como ponto central no desenvolvimento futuro dentro da cognição musical. E também o de encarar estes dados como evidências específicas e locais, delimitadas, no processo de contínua construção do conhecimento humano (e musical), levando a novas fronteiras possíveis, a novas formas possíveis, a novas cognições possíveis; seria possível, afinal, dar a "'última palavra" científica sobre música, determinar de uma vez por todas as possíveis estruturas, as possíveis sequências, as possíveis atividades musicais? Finalmente, tudo o que que posso esperar é que, ao aceitar um princípio de subjetividade e de especificidade em seus objetos, em seus termos e seus métodos, a cognição musical ultrapasse uma idéia delimitante, controladora, dos fenômenos musicais, e se disponha enfim a serviço da liberdade da música e de todo aquele que se envolva com ela. “O que quer dizer, aliás, música ‘pura’? Determinar o que isto seja significa apenas eleger alguns critérios que são tomados como essenciais para certos parâmetros normativos e excluir todo o resto, como indigno. Carregadas de um prestígio ambíguo, mas poderoso e intolerante, as noções de ‘puro’, de ‘pureza’ são, aliás, sedutoramente traiçoeiras. Basta pensar, por exemplo, que, se as juntamos com a palavra ‘raça’, elas se tornam imediatamente infames” (COLI 1995). “Com efeito, [...] não se fala apenas da memória interna da sequência sonora, nem se fala de uma imaginação que se esgota na antecipação de nexos estruturais, nem tampouco da mera presença perceptiva de uma objetividade sonora definida e fechada em si própria. Mas se apresenta a idéia de uma memória do mundo mergulhada profundamente nas ressonâncias dos sons e que atravessa, portanto, as operações que valorizam a imaginação. E é certamente tarefa da pesquisa histórica e analítica trazer à luz esta memória mostrando na realidade a surpreendente riqueza de formas com que a música se dimensiona com a realidade” (PIANA 2001; grifo do autor). SUMMARY The present work proposes an epistemological inquiry concerning the conceptual bases of the set of contemporary scientific researches that can be comprised in a generic field called “musical cognition”. It is presented a definition of the term, and also a more broad landscape in which lay the state-of-art of cognitive sciences — from which much of what can be considered as musical cognition is constituted today. An initial start can be presented in a specifically linguistic problem — the so-called musical metaphor, or the disseminated and ambiguous comparison between music and language, as defined by MORAES (1991) —, and that defines also a search for possible manifestations of a musical metaphor (of a spread comparison between music and language) in the scientific formulations of articles about the relations between music and human cognition. Thereby, Linguistics, as an independent discipline of the human knowledge, is found first as an epistemological model to the leader paradigms in musical cognition. For each field of application of cognitive sciences principles in music, it could be possible indicate a musical metaphor, involving music and language. At the same time, the implications of a specifically linguistic model to cognitive processes, for the most part of the times, may bring to antagonist conclusions about the proper notion of cognition, and its relations with verbal language. Thus, and apart “cognitive” (cognitivist) comparisons between music and language, Linguistics could also represents a paradigm of opposition to the methods and concepts used in musical cognition (and also to a dominant musical metaphor). Several notions about the contextual, intersubjective, enunciative and discursive characters from the linguistic process, which appear associated to a new paradigm such as that, can originate an interdependent relationship between language, brain and cognition, in the theoretical constitution of a pragmatic-discursive Neurolinguistics (COUDRY 1988; MORATO 1995; MORATO 1999). To the end, a pragmatic-discursive perspective about language and cognition allows to glimpse conceptual, methodological and programmatical consequences, to the content of musical cognition’s studies as much as in the dimension of their implications theoretical, social, artistic and ethical, modifying again the possibilities of a relation with Linguistics — after all, as a tool of theoretical analysis (epistemological, or simply ideological) of scientific formulations. BIBLIOGRAFIA ABAURRE M.B.M. (1996). “O estruturalista Jakobson: fonólogo e humanista”. 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PIANA (2001). 2 “ [...] enquanto há muitas maneiras possíveis de se pronunciar ‘gato’, por exemplo, cada uma delas infinitesimalmente diferente das outras, nós ainda a reconhecemos como a palavra ‘gato’ porque ela não é ‘gago’, ou ‘pato’, ou ‘gota’. Reconhecemos uma palavra apenas porque ela difere de palavras similares”. 3 “Essencialmente, elementos culturais não são explicáveis por ou em si próprios, mas ao invés disso fazem parte de um sistema de significados. Como um modelo analítico, o estruturalismo assume a universalidade dos processos mentais humanos de maneira a explicar a ‘estrutura profunda’ ou o significado implícito nos fenômenos culturais”. 4 “A abordagem para a linguagem proposta por Saussure percorreu primeiro a antropologia e a crítica literária, e então, tendo se transformado com o contato com a fenomenologia, a psicanálise e Noam Chomsky, passou por praticamente todas as disciplinas das Ciências Humanas — teoria musical, filosofia, arqueologia, teologia e história social, história da ciência, análise da cultura popular — antes de finalizar sua marcha imperial com incursões na teoria política, nas obras de Foucault, Ernesto Laclau & Chantal Mouffe”. 5 “O desenvolvimento da fonologia estruturalista se deu para mostrar que as regras fonológicas de uma grande variedade de línguas se aplicam a classes de elementos que podem ser caracterizados simplesmente nos termos destas mesmas restrições; que mudanças históricas afetam estas classes de uma maneira uniforme; e que a organização de restrições desempenha um papel básico no uso e aquisição da linguagem. Esta foi uma descoberta da maior importância, e proveu a base material para muito da Linguística contemporânea. Mas se nos afastarmos de uma maneira abstrata do específico conjunto de restrições universais e do sistema de regras nos quais elas funcionam, pouco de significativo permanece”. 6 Saussure define a Semiologia como a “ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social”. Embora a Linguística seja a princípio considerada “apenas uma parte dessa ciência geral”, o papel creditado aos processos linguísticos como “espelhos” do funcionamento semiológico é bem evidente, numa oposição clara a outra abordagem do mesmo material de estudo, nomeável como Semiótica. Para maiores detalhes, ver o Capítulo IV. 7 A denominação da neurolinguística como uma afasiologia se dá num movimento de sua identificação com suas origens históricas e metodológicas, como um ramo da neuropsicologia, ou seja, com o estudo da relação entre lesões cerebrais e distúrbios relacionados com a linguagem — a patologia denominada de afasia. Para maiores detalhes, ver o Capítulo II. 8 “A linguagem tem uma utilidade evolucionária, social e individual auto-evidente; afinal, a linguagem é apesar de tudo sobre alguma coisa. Música não é (dada) sobre nada em particular”. 9 “Frequentemente, embora nem sempre, [muitos] filósofos tiveram como principal preocupação a tentativa de prover uma base geral que pudesse assegurar a possibilidade de conhecimento. Por esta razão diz-se por vezes que os séculos XVII e XVIII foram a era da epistemologia, para a qual Descartes introduziu o que é chamado comumente por ‘busca da certeza’, procurando uma fundação clara para o conhecimento [humano], e na qual ele fora seguido por outros filósofos do período. Para este fim Descartes empregou seu ‘método [baseado] na dúvida’, uma forma de ceticismo sistemático, de maneira a verificar o que não se poderia duvidar [de forma alguma]. Ele o encontrou em sua célebre proposição ‘Cogito ergo sum’ (‘Penso, logo existo’), que para ele, estabelece a existência do ‘si-mesmo’ como coisa pensante”. 10 “Nada conta como justificativa [racional] a não ser como referência ao que já aceitamos, e não há nenhuma forma de escapar de nossas crenças e de nossa linguagem de maneira a encontrar algum outro teste que não seja o da coerência”. 11 Grifo do autor. 12 “Onde se enquadra a epistemologia num panorama filosófico geral? Eu a vejo como um capítulo no empreendimento maior que é conhecido por filosofia da mente, é o lado avaliativo deste empreendimento. Na filosofia da mente pergunta-se acerca da natureza dos estados mentais, em particular [...] acerca da natureza da crença. Os pontos de vista em epistemologia são sensíveis a respostas a esta questão, assim como a resultados científicos acerca da natureza dos processos perceptivos”. 13 “Uma novidade no tipo de filosofia que Descartes introduziu foi sua abordagem na ‘primeira pessoa’. A base geral para uma justificativa das origens do conhecimento é encontrada na mente individual, e o ‘penso’ é, para Descartes, a base primordial para que qualquer pessoa possa ter quando imagina possuir um conhecimento. A percepção é uma questão de idéias, tanto quanto qualquer operação da mente, e o problema é portanto que tipo de justificativa pode se ter para acreditar que nossas idéias são representativas de qualquer outra coisa”. 14 “O debate [das relações entre] mente-corpo reduz o problema geral de modo a preencher uma questão bastante específica: qual é a relação ontológica entre entidades mentais, por um lado, e entidades físicas, por outro? Foi desenvolvida uma série de respostas possíveis a esta pergunta. Estas respostas são os ‘ismos’ familiares a qualquer conhecedor do tema: dualismo cartesiano, materialismo ‘do tipo forte’, funcionalismo, e assim por diante”. 15 “A questão: ‘é o mundo recursivo?’ agita certos filósofos e lógicos. Cf., na França, os trabalhos de Jean-Paul Delahaye e de Jean-Pierre Dubucs” (DUPUY 1996). 16 “Note-se, de passagem, que a existência de princípios definidos de uma gramática universal torna possível o surgimento do novo campo da linguística matemática, um campo que submete, a um estudo abstrato, a classe de sistemas gerativos encontrada nas condições arroladas na gramática universal. Esta inquirição ajudará a elaborar as propriedades formais de toda a linguagem humana possível”. 17 “Uma forma comum de lidar com esta questão é começas com uma estratégia de ‘cima para baixo’: começar ao nível da mentalidade do senso comum e tentar imaginar processos cujo resultado poderia ser participar de um jogo, resolver um determinado tipo de quebra-cabeça, ou reconhecer um determinado tipo de objeto. Se não é possível realizar isso numa única tarefa [uniforme], então passa-se a dividir os processos em partes mais simples até que se consiga encorporá-los [(implementá-los)] num hardware ou num software”. 18 “A idéia básica do modelo computacional da mente é que a mente é o programa e o cérebro é o hardware de um sistema computacional. Um slogan frequentemente encontrado é ‘A mente está para o cérebro da mesma forma que o programa está para o hardware’ ”. 19 “A representação da memória, em sistemas de processamento simbólico, é implementada em termos de símbolos e de relações entre símbolos por um formalismo muito próximo da lógica predicativa. A natureza desta representação é proposital, e portanto baseada numa semântica referencial. Isto significa, entre outras coisas, que a forma representacional, na qual a regra age, é arbitrariamente relacionada àquilo que é representado”. 20 “O problema de real importância é que a sintaxe é essencialmente uma noção atribuída pelo observador. As múltiplas possibilidades de implementação, em diferentes meios [físicos], de processos computacionalmente equivalentes, não são apenas um sinal de que os processos [computacionais] em si são abstratos, mas de que eles não são intrínsecos ao sistema de nenhuma forma. Elas dependem de uma interpretação exterior”. 21 “Estados computacionais não são descobertos na física, eles são associados à física”. 22 Neurônios são as células responsáveis pela transmissão de impulsos nervosos. Essa transmissão se dá principalmente por excitação de micro-impulsos elétricos, através de conexões entre as finas ramificações que ligam estas células entre si, chamadas de sinapses. 23 "O estado global da rede num dado instante é o conjunto de valores, naquele momento, de cada uma das unidades neurais. Este estado global corresponde a um ponto num espaço geométrico de todos os possíveis estados da rede. Cada unidade neural tem sua atividade continuamente mudada sob influência das outras unidades, e assim o estado global do sistema está ele mesmo em contínua mutação, ou seja, se movendo em uma trajetória particular através do espaço [das possibilidades de estados]. Esta trajetória pode ser representada, de uma maneira bastante simplificada, por uma curva em um plano. A forma desta curva pode ser afetada por fatores externos. Em outras palavras, a entrada [de dados] no sistema influencia a direção da mudança do sistema”. 24Algumas redes neurais se baseiam num processo de “aprendizagem” no qual um resultado desejado é alcançado pela máquina através de sucessivas sessões de “treinamento”, onde a rede passa por processos de gradativa reconfiguração até se encontrar num equilíbrio condizente como resultado desejado. Maiores detalhes no Capítulo V. 25 Segundo FRANÇOZO (comunicação pessoal), é importante observar que a relativa distância cronológica à qual pertence a afirmação categórica desta citação não faz jus atualmente ao “estado de arte” contemporâneo do movimento conexionista, nem mesmo, ao que parece, “à própria Profa. Albano”. 26 “Assim, os atuais sistemas dos dois tipos mostram sérias limitações. Os sistemas ‘de cima para baixo’ [simbólicos] são sustentados por mecanismos inflexíveis por resgatar deles o conhecimento e a razão, enquanto os sistemas ‘de baixo para cima’ [sub-simbólicos] são frustrados por esquemas organizacionais e estruturais inflexíveis. Nenhum tipo de sistema foi desenvolvido de forma a possuir a habilidade de explorar múltiplas, diversas variedades de conhecimento”. 27 Note-se que a área inferior do mapa de baixo, onde se pode encontrar as áreas 26 a 38, representam a parte de baixo do lobo temporal direito, e estão ocultas no corte inter-hemisférico representado em tamanho menor, acima. 28 “Muitas investigações clínicas sobre a linguagem e o cérebro têm se orientado exclusivamente aos desequilíbrios afásicos produzidos por lesões no hemisfério cerebral esquerdo. Isto tem motivado as atuais crenças de que, na grande maioria dos adultos, o hemisfério esquerdo controla todas ou a maior parte da funções linguísticas, e que este hemisfério é o ‘dominante’, enquanto o direito é o ‘não-dominante’ ” . 29 “No ser humano, a linguagem é representada em uma região do hemisfério maior, que, no hemisfério menor, intervém em funções cognitivas espaciais para as quais participavam ambos os hemisférios de seus ancestrais [evolutivos]. A conclusão inevitável é de que a evolução da linguagem implicou em adaptações do substrato nervoso do comportamento espacial”. 30 ”A força conjunta de estudos clínicos e pesquisas em laboratório produziram uma psicologia científica que se estabelece como independente da epistemologia e da filosofia da mente”. 31 “ A informação do ambiente exterior passa primeiro através de um sistema de transdutores sensóreos que transforma os dados [do meio ambiente] em formatos que cada módulo específico pode processar. Cada módulo, por sua vez, gera dados num formato comum, acessível ao processamento central, de controle geral”. 32 “Isto significa que os mecanismos que performam as inferências têm acesso apenas às propriedades formais (em oposição a semânticas ou de ‘conteúdo’) de representações mentais nas quais a informação perceptual está apoiada. Como uma primeira aproximação, [pode-se dizer que] um processador de input é uma série de computações submetendo uma representação do ambiente num formato no qual o processo central, também computacional, possa lê-lo”. 33 “O posicionamento geral é de que linguagem, comportamento e juízo são em fortemente engendrados por processos corporais, ou sensóreo-motores, e que a ativação em si mesma influencia a motivação. Assim, padrões de ativação sensóreo-motora e neural estão por trás de processos básicos de aprendizagem (DONAHOE, PALMER 1993), criam a base da linguagem através da metáfora (LAKOFF, JOHNSON 1999), influenciam constantemente o comportamento na forma de emoções (DAMASIO 1994) e provê a base do julgamento e da consciência (EDELMAN 1992)”. 34 “Um schema pode ser qualquer coisa [definível] entre uma representação do conjunto de habilidades tipicamente demonstrados por pássaros, e uma representação da série de ações típicas que ocorrem durante um jantar em um restaurante”. Note-se que a noção de “esquema” é compatível tanto com “imagem mental” quanto com “comportamento pré-programado” — ver Capítulo VI. 35 “É da natureza do sistema nervoso que o mais alto (o mais integrado) nível de função a cada momento dado é aquele que é manifesto. Esta função neurológica é experimentada como um estado. Níveis mais baixos de representação dentro de um tal mapa integrativo são suprimidos na medida em que a expressão apical ocorre, isto é, o ápice representando o ‘todo’ que é experimentado mais do que suas partes constituintes (as convergências de suporte). Entretanto, níveis mais baixos dentro de uma integração irão refletir a representação ápica como uma consequência da queda de resistência de condução interneural dentro daquela integração”. 36 “A organização de arranjos corticais frontal-superiores está organizada numa relação com a correspondência próximo-distante de regiões sensóreo-motoras do córtex (FAIR 1991). Isto é, como a informação sensórea é recebida no córtex posterior e torna-se mais distante do local do input, ela é conectada com um local [no córtex] frontal mais distante para o local da resposta motora. Assim, a informação de áreas de associação mais altas do córtex são conectadas às áreas de maior associação do córtex pré-frontal”. 37 “É verdade que a ciência tem descoberto representações do corpo no cérebro, por exemplo, um mapa tátil da superfície do corpo [(da pele)], distribuído sobre o córtex somato-sensorial. A área do córtex somato-sensorial dedicada a diferentes áreas do corpo é determinada pelo número de sensores táteis nestas regiões. No córtex somato-sensorial, por exemplo, a área ocupada pelo [processamento da sensação tátil do] lábio ocupa mais espaço que a ocupada pelo torso. Além disso, áreas adjacentes entre si no espaço fenomênico (do corpo) podem não ser adjacentes no córtex somato-sensorial. Por exemplo, sentimos nossa face num espaço contínuo à cabeça e ao pescoço, mas no córtex somato-sensorial o mapa [cortical] relativo à face é separado do mapa relativo à cabeça e ao pescoço pelos mapas relativos aos dedos, aos braços e aos ombros. Isto é, a configuração topográfica da ‘imagem [cerebral] do corpo’ pode ser muito diferente do corpo como nós o percebemos”. 38 “Um cérebro num barril pode estar conectado [ao mundo exterior] de maneira correta, mas a menos que o cérebro esteja situado apropriadamente num corpo e num contexto social, ele é ontologicamente deficiente”. 39 “Contingências de reforço verbal podem explicar porque reportamos o que sentimos ou observamos dentro de nós. A cultura verbal que constrói tais contingências não se envolveria se não fosse útil. Condições corporais não são as causas do comportamento, mas são efeitos colaterais das causas, e as respostas das pessoas a respeito do que elas sentem ou sobre o que estão pensando nos dizem constantemente algo sobre o que aconteceu a elas, ou o que fizeram. [...] As palavras que usam são parte de uma linguagem viva que pode ser usada sem embaraço por psicólogos cognitivistas ou analistas do comportamento, no dia a dia de suas vidas. Mas não em sua ciência! Alguns termos tradicionais podem sobreviver na linguagem técnica de uma ciência, mas eles devem ser cuidadosamente definidos e despidos do uso de suas antigas conotações. A ciência requer uma linguagem [dela]”. 40 “A forma mais comum na qual a ciência cognitiva computacional estabelecida tem lidado com esta objeção é que os processos postulados como computacionais são subconscientes, e assim a fenomenologia não tem sido diretamente inserida na questão” 41 “Assim [a fenomenologia] não é uma ‘visão interior’, mas uma tolerância [fundamental] dada pela suspensão de conclusões que permitam [a percepção] de um novo aspecto ou insight no fenômeno a ser discernido. Em consequência, este movimento não sustenta mais a dualidade básica sujeito/objeto mas abre-se para um campo de fenômenos onde torna-se cada vez menos óbvio distinguir entre sujeito e objeto (esta é a ‘correlação fundamental’, como Husserl a chama)”. 42 “O erro da abordagem representacional é definir a intencionalidade como um fenômeno apenas inerente às sentenças de uma linguagem, e não também, e mais fundamentalmente, no comportamento intencional pré-linguístico [...] que vem antes delas”. 43 ”É possível que, se a intencionalidade é derivada de alguma coisa, [... então] conteúdos proposicionais derivem de conteúdos da experiência” (HARNAD 1989). 44 “Um engano clássico dentro do estudo da consciência é ignorar sua subjetividade essencial e tentar tratá-la como um fenômeno objetivo, na terceira pessoa. Ao invés de se reconhecer que a consciência é um fenômeno subjetivo, qualitativo, muitas pessoas erroneamente supõem que sua essência é como a de um mecanismo de controle, ou um certo tipo de conjunto de disposições de comportamento, ou como um programa de computador. Os dois erros mais comuns a respeito da consciência são os de que ela pode ser analisada em termos de comportamento ou em termos de computabilidade”. 45 Para SEARLE (1990), não só ao computador, mas também à criança não podem ser atribuídos conteúdos intencionais (cf. GOPNIK 1993), o que pode indicar a complexidade e as múltiplas questões envolvidas neste debate. 46 “Há uma tendência frequente em Ciência Cognitiva de antropomorfizar ou intencionalizar o nível subintencional [(subsimbólico)]. Um homuncularismo ingênuo (p. ex. o observador no teatro cartesiano, ou a atribuição de comportamento intencional a neurônios) provê os exemplos mais aparentes deste antropomorfismo. Ele pode tomar outras formas também, todas elas envolvendo o tratamento de processos subpessoais, subintencionais com se eles operassem por regras intencionais”. 47 “A consciência é o único objeto de inquirição no mundo que podemos conhecer tanto “de dentro” (através da contemplação) quanto “de fora” (através da observação do sistema nervoso e de suas atividades em expressões multi-culturais) A Neurofenomenologia toma vantagem deste fato e une estas duas abordagens mais diretas num diálogo”. 48 “A experiência subjetiva refere-se ao nível daquele que usa sua própria cognição, de intenções e atos, em práticas do dia-a-dia. Eu sei que meus movimentos são o produto de séries coordenadas de contrações musculares. Entretanto, a atividade de mover minha mão opera na escala emergente dos planos motores, que se me aparecem como intenções motoras, como um agente ativo, não o tônus muscular que pode ser visto apenas de uma posição ‘na terceira pessoa’. Esta dimensão prática, acima de tudo, é o que molda a interação entre pontos de vista ‘na terceira pessoa’ (e não uma descrição abstrata e beneplácita tão familiar na filosofia da mente)”. 49 “Deve-se calar naquilo que não se pode falar” (WITTGENSTEIN 1921). 50 “Sem uma radical expansão do estilo de trabalho da tradição científica e o estabelecimento de um programa de pesquisa rigidamente baseado nestas linhas [de pensamento], o papel da experiência [humana] na ciência e no mundo será cada vez mais deixado de lado”. 51 “De acordo com DENNET (1991), não se pode ter uma ciência de mente séria ao se ater a abordagens subjetivas de [nossas] experiências. Ao invés disso, é necessário ‘anuir a métodos de descrição e análise’ de maneira a que os cientistas possam estar certos sobre o que os outros cientistas estão dizendo. [...] Ao contrário dos métodos em ‘primeira pessoa’ da fenomenologia que proclamam uma identidade entre cientista e sujeito, a verdadeira ciência requer a separação entre cientista e sujeito, isto é, um abordagem em ‘terceira pessoa’ ”. 52 “Em termos retóricos, a idéia é coagir o leitor a pensar que, a menos que ele aceite que o cérebro é algum tipo de computador, ele está condenado a bizarros pontos de vista científicos”. 53 “A certeza introspectiva de que a mente é o berço de crenças e desejos pode estar tão equivocada quanto estava a certeza visual de que a abóbada celeste girava dia e noite [em torno da Terra]”. 54 “Explicações em ‘primeira pessoa’ ou descrições fenomenológicas são geradas dentro da instância linguística de um mundo social que sempre solapa o solipsismo da perspectiva em ‘primeira pessoa’. Embora dentro da linguagem possa desenvolver-se uma distinção entre discursos em primeira ou em terceira pessoa, a habilidade linguística em si mesma não é classificada facilmente como um fenômeno exclusivamente ‘na primeira pessoa’ ou ‘na terceira pessoa’ ”. 55 “Qualquer função de desenvolvimento cultural da criança surge [...] em dois planos, primeiro no plano social e então no plano psicológico, primeiro entre pessoas, e depois dentro da criança como uma categoria intramental”. 56 “Em primeiro lugar, [a hipótese construcionista] tende a ser um movimento oposto aos diversos tipos de posições socialmente tradicionais da ciência, e em particular suas concepções realistas. Segundo, todas tendem a enfatizar o modo pelo qual a ação e a ação são formas contingentes ou especificamente culturais. Terceiro, todas elas tendem a tratar o discurso — teorizado de maneiras variadas — como o princípio central de organização e construção”. 57 “BILLIG (1987) sublinhara o modo como as idéias retóricas podem ser usadas para reformular o pensamento dentro da psicologia. Por exemplo, que a metáfora de um argumento pode ser usada para outorgar sentido a processos mentais; ao invés de ver o pensamento como uma operação de algum mecanismo computacional sobre consistentes sistemas internos de crença, o pensamento pode se visto como fendido por dilemas argumentativos cuja estrutura advém dos repertórios interpretativos disponíveis no interior de uma cultura”. 58 “O ponto que eu chamo a atenção é que, mesmo no caso de linguagens públicas, a coerência não requer um relação estável entre o modo pelo os termos [semânticos] são utilizados e o modo como o mundo é; o que ela requer é uma relação estável o modo pelo qual os termos são usados e o modo pelo qual o falante acredita que o mundo seja”. 59 “Os enunciados têm de ser atribuídos a algum falante, mas o que é essencial acerca de qualquer enunciado, afirma Foucault, é seu papel em um sistema de outros enunciados. Este papel é independente do fato psicológico de que o enunciado foi proferido ou escrito por alguém. Foucault conclui que ‘as diferentes formas de subjetividade falante [(enunciativa)] são efeitos próprios do campo enunciativo”. 60 “O poder, de acordo com Foucault, não é portanto compreendido propriamente na forma da lei jurídica instituída, como um agente repressivo, proibitivo, cuja transgressão pode sujeitar, mas é uma estrutura, uma relação de forças, de tal foram que a lei, longe de ser simplesmente proibitiva, é uma força que gera sua própria transgressão”. 61 A literatura pertinente quanto aos “objetos” discursivos oferece diversos termos técnicos, cujo sentido pode variar de acordo com o autor: “campo discursivo”, “universo discursivo”, “formação discursiva” (COURTINE 1981), “interdiscurso” (MAINGUENEAU 1984), incluindo ainda, por exemplo, “pré-construído” (COURTINE 1981) ou mesmo “semiótica” (GREIMAS 1976). 62 A título de indicação bibliográfica, uma das fontes de maior importância na contextualização histórica e epistemológica foi DUPUY (1996), Nas origens das Ciências Cognitivas. Um apanhado bibliográfico relativo às Ciências Cognitivas, introdutório e produtivo, é THURLIN (S.D.), “Reader´s Guide to Cognitive Sciences”. 63 “Para começar, por que deveríamos tomar o título deste ensaio seriamente? Por que precisaríamos do cérebro para nos dizer algo a respeito de música? Música é música! [...] Se temos alguma pergunta a respeito de música, não deveríamos ser capazes de chegar a uma resposta apenas observando o comportamento dos outros e pensando no que sabemos?” 64 “A audição e a produção musicais são cognitivas em todos os aspectos. Considere-se a leitura de uma partitura e sua execução em um instrumento musical. Isto requer uma percepção correta da partitura, abstraindo o significado de suas linhas e pontos negros, requer uma atenção desenvolvida, o aprendizado e a memorização de todos os aspectos das demandas da execução musical, o planejamento de movimentos amplos e finos incrivelmente complexos e intrincados, produzindo atividade motora, requer a escuta do resultado e a repetição de todo o processo. O que [entre tudo isso] não é cognitivo?” 65 “Porque a expressão ‘Você tem de escutar isto!’ significa o que atualmente significa? [...] Talvez a questão seja : como acontece que a realização ou o resultado do uso de um órgão dos sentidos possa ser pensada como a atividade deste órgão — como se a experiência estética tivesse a forma não meramente de um esforço contínuo [...], mas de uma contínua realização”. 66 “Eu acho que não posso lhe contar [o que é]. Eu quero lhe contar porque o conhecimento, quando não compartilhado, é um fardo. Se eu não conseguir contar-lhe o que sei, há uma sugestão de que eu não o sei. Mas eu sei [o que ouço] — o que ouço é isso (apontando para o objeto). Mas para comunicar isto, você precisa ouvi-lo também. Obras de arte são objetos de tal sorte que só podem ser conhecidos sensorialmente”. 67 “Foi Schopenhauer que expressou a idéia de que a música seja ‘totalmente independente do mundo fenomênico’ e que, portanto poderia ‘de certo modo continuar a existir também se o mundo não existisse’ ”. (PIANA 2001). 68 “De maneira bem simplificada, a idéia básica é de que um processador musical traz (uma representação) do sinal acústico para dentro do registro [pré-formado] dos schemas tonais, transformando assim uma multiplicidade caótica de sensações de altura sonoras para a percepção de uma sequência diferenciada e coerente de intervalos, acordes, melodias, cadências e assim por diante”. 69 “Certos procedimentos musicais, frequentemente chamados de ‘nuances’, parecem estar envolvidos em processos representacionais em um nível tão primievo que não podem ser categorizadas mentalmente ou identificadas da maneira necessária para uma descrição verbal. Como resultado, o ouvinte está conscientemente atento às nuances mas não pode dizer que nuances são estas”. 70 “Nós postulamos uma descrição estrutural inconsciente com o objetivo de explicar por que a música soa do modo como soa, por que temos as sensações características de pulsação rítmica, centro tonal, tensão harmônica, estabilidade, relaxamento [harmônicos] e todo o resto. A forma como vivenciamos esta experiência — este conhecimento — é o fenômeno inicial que procuramos explicar”. 71 “A adoção de um ponto de vista cognitivista, moldando a aplicação da ciência cognitiva à música, constitui uma tentativa no sentido de produzir conexões explícitas entre a música-como-é-experimentada e o discurso através do qual nós a descrevemos e a ensinamos, conexões estas que derivam sua força de suas origens em causas generalizantes, prescritivas e predicativas, sobre como nossas variações e irredutibilidades cognitivas nos tornam aptos a existir no e interagir com o mundo”. 72 “Se a ciência vai ser aplicada frutiferamente à música, ela deve sê-lo na forma de um programa de pesquisa cognitivo-científico, que envolveria o estudo científico de todos os aspectos da mente musical e do comportamento musical em todos os níveis de explicação realizáveis — em termos de neurofisiologia, psicoacústica, psicologia cognitiva e psicologia cultural — por inquirição empírica e teórica, e por meio de modelamentos formais e técnicos e experimentos práticos”. 73 Ou, dependendo dos autores, de “musicologia sistemática” (“sistematic musicology”— LEMAN 1997); “pesquisa musical” (“music research” — WEINBERGER 1999) etc. 74 Há por exemplo uma história do uso do computador em música no Brasil (PALOMBINI 2000); uma resenha sobre estudos em leitura de partituras (SLOBODA 1984); indicações históricas esparsas (LEMAN 1999A; LEMAN 1999B; CHOVEL 1993) etc. 75 “Educadores musicais, psicólogos experimentais, cientistas da cognição, biólogos evolucionistas e comparativistas, neurocientistas, pesquisadores em vários campos da medicina (ex. pediatria, neurologia, reabilitação psiquiátrica, geriatria), musicoterapeutas, sociólogos, antropólogos e assim por diante”. 76 “O desafio que os representantes da musicologia sistemática se colocaram foi o de sobrepujar o impasse de uma disciplina profundamente assentada na intuição e na introspecção (por exemplo na teoria e na estética musicais)”. 77 “Embora seja difícil sustentar algum argumento pela submissão da análise musical ao estudo da cognição musical, parece plausível sustentar que a análise musical deveria ao menos estar balizada em abordagem científicas da percepção, substituindo uma psicologia ‘de senso comum’ analítica por teorias que estejam fundadas na ciência cognitiva caso se mostrem mais acuradas, mais generalizadas, e mais frutíferas”. 78 “Tudo indica que só é possível se abrigar em significados objetivos, formalizados dentro dos padrões de comportamento científicos, para poder interpretar os atos da fala do sujeito [da investigação científica]. Nesse caso, entretanto, não se poderia estar usando generalizações que, da perspectiva individual, são tão injustificadas quanto as que se pretende evitar? [...] Mais importante, é necessário apenas perguntar-se sobre de que lugar procedem tais significados formalizados, para perceber que, em algum ponto, a experiência fenomenológica é necessária para justificar a interpretação científica pela qual [Dennet 1991] reclama”. 79 “É possível que a aplicação da ciência cognitiva em música tenha ido longe demais em relação à forma na qual tem limitado o escopo no qual tem selecionado como seu objeto ‘próprio’ de estudo. Pode-se argumentar que a ciência cognitiva tem mostrado a tendência de ‘descontextualizar’ a música, enfocando sua atenção em aspectos mais particularmente afeitos a um a formalização”. 80 “[Sistemas naturalistas em música] não podem, atualmente, explicar os fenômenos musicais por nem sequer delimitarem a classe das composições musicais dentro da classe de todos os fenômenos sonoros. A teoria musical deve se basear ao menos em leis cobrindo as entidade ‘musicais’ ”. 81 “A possibilidade de manter uma noção extremamente fisicalista de que os materiais musicais são totalmente dados pela natureza é solapada não só por sua imprecisão na literatura corrente, mas também pelo fato de ser em grande parte errada. Nesta forma extrema a que me refiro, o fisicalismo recairia num tipo de ‘realismo direto’ lockeano, uma correspondência direta e unívoca entre objetos e eventos no mundo físico e nossas sensações e percepções. É uma posição simplesmente insustentável à luz de nossos conhecimentos atuais das operações de nossos sistemas sensóreos”. 82 “Ao conceber a música como um atividade humana — não um mero comportamento, mas uma sequência de ações habilmente orientadas a um determinado fim — tem-se um número reduzido de opções quanto ao paradigma pelo qual investigar cientificamente tal atividade. Audição e composição {musicais] são estes paradigmas, uma vez que cada um deles é complexo o bastante para focar a atenção em importantes aspectos da atividade musical”. 83 “Uma hipótese fundamental é a de que a adaptação do ambiente físico às restrições dos ouvintes e dos agentes humanos ocorre em função de processos que facilitam propriedades emergentes da percepção”. 84 “O objetivo é compreender processos de significação musical de alto nível (os assim chamados schemata da percepção e cognição musicais) em termos de processamento de informação baseado em imagens auditivas”. 85 “VON EHRENFELS publicou um artigo em 1890 intitulado ‘Das Qualidades da Gestalt’ (‘Das qualidades da forma’), no qual ele nota que um a melodia permanece reconhecível ainda que tocada em várias tonalidades, embora nenhuma das notas seja a mesma; [..] claramente, argumenta Ehrenfels, se uma melodia e as notas que a formam são independentes entre si, então o todo não é a som a de suas partes, mas o ‘efeito de um todo’ sinergístico, ou gestalt”. 86 “O resultado de simulações [computacionais] pode, por exemplo, ser comparado com estudos comportamentais e fisiológicos em diferentes níveis da percepção e da cognição”. 87 “Afinal, o efeito do som no sistema de processamento informativo humano é mais que somente uma resposta do sistema auditivo. Movimentos do corpo estão particularmente ligados à percepção da batida e da frase [musicais], e uma apreensão da emoção e afeto está associada com processos cinestésicos”. 88 “O fato de que uma melodia possa ser ouvida como uma altura [musical] se movendo no tempo, quando tudo que é exposto ao ouvinte é uma sequência de alturas discretas, é uma questão que tem causado perplexidade entre os filósofos desde há séculos”. 89 “A visão prevalecente sobre a altura musical dentro da psicologia da música através da primeira metade deste século aparece como altamente reducionista, e pode ser sumarizada nas afirmações de SEASHORE (1938) de que ‘os termos frequência, [...] ciclos e ondas [sonoras] são sinônimos, e podem ser livremente cambiados para designar frequência e altura musicais’ ”. 90 “A dimensão irredutível da música é o som. As obras musicais manifestam a si mesmas, em sua realidade material, na forma de ondas sonoras”. 91 “Parece extremamente provável que todas as culturas musicais que reconhecem a possibilidade de executar a mesma composição várias vezes usem proibições e restrições, tanto quanto deposições. [...] Além disso, virtualmente, todas as culturas (incluindo subculturas) reconhecem obras musicais individuais mesmo se suas práticas favorecem fortemente a improvisação, e fazer isto na ausência de constantes [universais] seria um ato irrealizável”. 92 Aqui, o sentido desta palavra identifica-se mais com a noção chomskyana de performance como produção sígnica (concreta, objetivada), e menos com a performance como mera execução musical. 93 Ao mesmo tempo, outros exemplos de aplicação de categorias peirceanas em música serão importantes justamente por implicarem em contrapartes cognitivas discordantes entre si: HATTEN (1997); JAN (2000); SMOLIAR (1992) etc. 94 “Muito embora a interpretação musical dependa das formas da semiose intrínseca (intrinsic semiosis) e da referência musical (musical reference), é no complexo dos interpretantes musicais que a música é apresentada, existe e significa”. 95 “Uma perspectiva semiótica pode levar-nos além da percepção de Gestalts aurais ou de processos cognitivos da significação estilística. Ao invés da metodologia de estabelecimento de ‘fatos’ de processamento e segmentação formais [do material sonoro], relegando o sentido musical à realidade nebulosa das interpretações subjetivas, uma teoria musical ligada à semiótica irá abarcar uma significação expressiva em todos os níveis de inquirição”. 96 “O campo de estudo de uma semiótica musical intrínseca lida, em primeiro lugar, com qualidade musicais, ou qualisignos. Os diferentes usos da voz humana nas várias tradições do mundo mostram a variedade de possíveis qualidades musicais a respeito do que se entende por produção de som. [...] Cada obra ou sua performance apresenta qualidade musicais particulares. Não estou falando a respeito de qualidades meramente timbrísticas, rítmicas o melódicas, mas também das qualidades gerais que um signo musical possui”. 97 “Parece bastante óbvio que longos e complexos padrões seriais são divididos em sub-partes naturais, e que o processo é facilitado se a sequência de apreensão dos eventos é de alguma forma subdividida em sub-partes naturais”. 98 “A importância da atividade de reconhecimento de padrões básicos é bem reconhecida, a principal função do reconhecimento sendo caracterizada como uma ‘redução de ambientes complexos’ ”. [...] “A escuta estrutural portanto reduz uma multiplicidade de estímulos a unidades muito mais estruturadas e manipuláveis, com um consequente decréscimo na quantidade geral de informação”. 99 “A noção de análise, e a necessidade de sua formulação linguística, [...] traz a lembrança importante de que há apenas um tipo de linguagem, um método de formulação verbal dos ‘conceitos’ e uma forma de análise verbal de tais formulações: a linguagem ‘científica’ e o método ‘científico’. [...] Deve-se insistir aqui que nossa preocupação não é se a música deve ser, pode ser, será ou deveria ser uma ‘ciência’, [...] mas simplesmente se afirmações a respeito de música deveriam estar conforme como as necessidades verbais e metodológicas que atendem à possibilidade de discurso significativo em qualquer domínio”. 100 De “fenomenalismo”, que não deve ser confundida com uma postura “fenomenológica”, da fenomenologia. 101 “De acordo com BORETZ (1969), estas estruturas ‘externalizam’ ou descrevem o estado interno cognitivo dos ouvintes que compreendem a sequência de alturas apresentada em uma performance determinada. Ele alega que distinguimos sons musicais dos ruídos não-musicais quando estamos aptos a aplicar um ‘sistema internalizado’ como este”. 102 “Filósofos realistas e historiadores da ciência argumentam que a distinção profunda existente entre uma linguagem teórica e uma linguagem de observação não é nada mais que uma segregação arbitrária do que é, na melhor das hipóteses, um continuum. Eles insistem que a distinção é em sua essência fundada teoricamente; que termos observacionais são sempre baseados em uma teoria; e que o paradigma teórico dominante determina o que é e o que não é observável, e não o inverso”. 103 “Em NATTIEZ (1975), a partitura musical constitui um traço material, imanente, que está situado em um ponto neutro entre sua produção e sua recepção”. 104 “Uma partitura, seja sempre usada na performance ou não, tem como função primária a de identificação autorizada de uma obra, entre uma performance e outra. [... Uma] partitura musical define uma obra”. 105 “BERNSTEIN (1976) percebe corretamente que, para construir uma teoria da música, é necessário estar seriamente interessado em universais musicais, mesmo na descrição de uma única nota. Mas ele parece não distinguir a questão dos universais musicais da questão do paralelismo entre universais musicais e linguísticos. Sua confusão leva-o inevitavelmente à dúbia estratégia de busca por universais musicais através de analogias com a Linguística”. 106”Tanto melodias quanto sentenças [linguísticas] exibem uma estrutura constituinte hierárquica; esta estrutura constituinte é projetada em nível de proeminência por um conjunto de regras transformacionais que são idênticas para sentenças e melodias” [...] “Parece razoável formular a hipótese de que no caso de ambas, música e linguagem, a função destas regras é facilitar a geração e recepção do sinal físico”. 107 “Já foi assinalado por CHOMSKY, MILLER (1963), e tem sido uma acepção inquestionável nas pesquisas atuais em Linguística, que o que é realmente do interesse de uma gramática gerativa é a estrutura que ela assimila às sentenças, não que sequências de palavras são ou não são sentenças gramaticais”. 108 “[Nós estamos] preocupados não com a organização da música em si e por si, mas com a organização que o ouvinte [ideal] é capaz de escutar”. 109 “Regras de Preferência (preference rules) são uma teoria mentalista paralela à Lei de Pregnância de WERTHEIMER por selecionar uma estrutura otimamente estável, não percebida na superfície. […] LERDAHL, JACKENDOFF] observam que analogias à sua teoria emergiram de mecanismos da teoria da Gestalt, especialmente na teoria visual onde as leis gestálticas são tratadas como proposições informais de preferência”. 110 “A derivação da estrutura de prolongamentos temporais [(time-span structure)] envolve uma analogia com a operação de uma gramática tonal, um processo de interpretação — de re-escrita — de elementos da superfície musical como entidades funcionais tonais, ou como harmonias abstratas”. 111 “[As árvores de Teoria Gerativa da Música Tonal] diferem das árvores linguísticas no fato de não conter nada análogo a categorias sintáticas, e elas não representam relações de igualdade entre categorias (ex. um sintagma nominal seguido de um sintagma verbal é igual a uma sentença). Ao invés disso, a relação fundamental que elas expressam é a de uma sequência de notas (ou acordes) como uma elaboração de uma única nota (ou acorde)”. 112 “A hipótese é de que a música soa da forma com soa, de que temos as experiências ou sensações musicais características, em virtude destas representações estruturais subescritas”. 113 “Isto é tão plausível quanto acreditar que a estrutura de um romance deve modelar a estrutura de uma simples sentença, palavra ou fonema!” 114 “Nós não desprezamos teorias de processamento em tempo real; elas são uma parte essencial de uma teoria psicológica completa. Mas em termos metodológicos, parece ser crucial caracterizar as estruturas mentais antes de se perguntar como elas são computadas na sequência temporal”. 115 “De acordo com o modelo, a cognição de melodias pode ser descrita como uma sucessão de pontos de fechamento, implicação e realização. Fechamento e implicação têm efeitos opostos na expectância por uma continuação melódica. Quando ocorre um fechamento, a expectância por uma continuação é fraca. Quando ocorre um não fechamento (ou uma implicação), a expectância por uma continuação é forte”. 116 “A partir desta concepção, é um salto natural considerar a noção de que o input musical projeta-se neurologicamente do nível mais baixo para o mais alto através do núcleo ventral da cóclea, o núcleo central do colículo inferior e do corpo geniculado medial do tálamo, até o córtex auditivo primário. Da mesma forma, pode-se supor que um sistema do nível mais alto para o mais baixo processa os sinais eferentes através do núcleo dorsal da cóclea, no lemniscus lateral, do núcleo externo e pericentral do colículo inferior, e do corpo geniculado medial [do tálamo], até o córtex secundário cerebral”. Para maiores informações ver Figura 20 . 117 “No cerne da analogia de Narmour entre a sintaxe das linguagens naturais e a sintaxe melódica está a asserção de que as notas são os elementos primitivos correspondentes à música”. 118 “Em grande parte (embora não sem exceções), um decomposição em termos de melodia e harmonia é uma consequência de uma compreensão musical guiada pela forma como a música é anotada, [... e] tem pouco a ver com nosso comportamento sensóreo-motor”. 119 “As notas são certamente elementos primitivos em quase qualquer tipo de notação musical. No entanto, isto não implica que elas sejam elementos primitivas nos aspectos do comportamento que dão origem à música”. 120 “O fracasso em explorar as possibilidades semióticas da renovação de [possíveis] interpretações, e de provir uma teoria adequada a estas interpretações possíveis intersubjetivamente, é a grande omissão de um livro que se propõe a oferecer uma teoria semiótica”. 121 “Todas estas teorias — sem exceção — deixam alguns aspectos da experiência musical inexplicados, talvez até mesmo ignorados”. 122 Os eixos paradigmático (de seleção de elementos) e sintagmático (de combinação de elementos) da linguagem foram propostos por SAUSSURE (1916), e ampliados conceitualmente por JAKOBSON (1954 — ver Capítulo VI). 123 “Melodias (da forma como são constituídas, mais do que na forma como são anotadas) não são tão fundamentalmente objetos simbólicos. Se pensamos em melodias como epifenômenos do comportamento (a manipulação de nossas vozes e dos mecanismos físicos conhecidos como instrumentos), não estamos ainda necessariamente no mundo da composição e manipulação de estruturas simbólicas”. 124 “Música não é [um processo] inteiramente determinado; embora possamos ter a capacidade de especificar formalmente regras e princípios que governem estilo e estrutura, podemos no máximo especificar apenas classes específicas de composições ou de comportamentos musicais. Não podemos, no próprio ato de especificação, definir o desenvolvimento putativo destas classes, nem podemos especificar sequer a totalidade das características potencialmente musicais de qualquer elemento que possa exemplificar estas classes. Pode-se dizer então que o mesmo conjunto de fenômenos pode em diferentes circunstâncias ser considerado música e não-música, e que os contextos dentro dos quais ele ocorre — e a partir daí as instâncias ou intenções dos participantes com respeito a estes contextos — são os fatores que determinam a musicalidade ou não-musicalidade dos fenômenos em questão”. 125 “A Acústica [..] deverá demonstrar leis empíricas (por ser uma ciência natural), mas leis como essas não são acessíveis para o tipo de ‘coisas’ com as quais se lida em um discurso analítico. Assim, não podemos tomar predições indutivas sobre peças musicais como ‘correspondentes’ à mesma maneira que podemos predizer o comportamento de vários sistemas científicos”. 126 “A teoria musical só se torna científica quando leis empíricas são introduzidas e os fenômenos musicais são submetidos a elas de maneiras que garantam predições e estabilidade. [...] Nenhuma carga de formalismo pode por si só transformar uma descrição [científica] numa explicação”. 127 “Confundindo o fato de estar de acordo como uma regra com o fato de ser guiado por uma regra conhecida, Fodor, Chomsky, Katz e outros são levados à postulação de suas diversas formas de um computacionismo cognitivo”. 128 “COOK (1990) ataca a noção de emprego de conceitos da teoria musical na investigação da cognição musical (como particular referência ao programa de pesquisa cognitivista-estruturalista); ele afirma que estudos em cognição musical são insatisfatórios como estudos de audição musical porque ‘começam já com a premissa de que as pessoas escutam música em termos de categorias teórico-musicais’, num processo que ele chama de ‘teorismo’. Ele argumenta que tais categorias podem muito bem ter um papel na percepção de músicos treinados, e clama que o estudo da cognição musical, ao se basear nestas entidades teóricas, produziria não uma ‘psicologia da música’, mas uma ‘psicologia do treinamento auditivo’ ”. 129 “A simples idéia do som como um objeto reconhecível e delimitável dentro do fluxo sonoro já não é mais sustentável. Estes materiais e processos [musicais que surgem] não são objetos. Representações e emergência despontam através da interatividade entre ambos, contexto e ouvinte”. 130 “Com ou sem cognição musical, a teoria musical sempre esteve apontada para a questão de como os seres humanos experimentam música. Quando construímos programas de computador para simular aspectos de habilidades musicais, fazemos por bem em seguir as linhas-guia que esta tradição possa indicar”. 131 "O conceito de 'algoritmo' pode ser solicitado para explicar a noção de uma 'descrição precisa' de um fenômeno. Esta noção é especialmente importante no domínio da pesquisa científica, onde clama por uma representação tão precisa quanto possível do domínio sob estudo [científico]". 132 “Se nosso pensamento consciente envolvesse fenômenos não-algorítmicos, haveria a possibilidade de comportamento não-algorítmico entre as leis físicas”. 133 "Está claro que pelo menos algumas habilidades mentais são algorítmicas. Por exemplo, eu posso conscientemente realizar longos cálculos de divisão seguindo os passos de um algoritmo que solucione problemas de divisão longos. [...] Neste caso, como fora descrito por TURING (1950), eu, o computador humano, e o computador mecânico, estamos implementando o mesmo algoritmo, que eu executo conscientemente, o computador mecânico, inconscientemente. Nesse ponto parece razoável supor que haja também uma quantidade considerável de processos mentais ocorrendo em minha mente inconscientemente, que também sejam processos computacionais. E se é assim, podemos descobrir como o cérebro funciona simulando estes mesmos processos em um computador digital. Assim como obtivemos uma simulação computacional dos processos matemáticos para longas divisões, também poderíamos obter uma simulação computacional dos processos de compreensão da linguagem, da percepção visual, de [processos de] categorização etc”. 134 “Eu necessito de um mecanismo para a relação existente entre organismos e proposições, e o único que posso imaginar é uma mediação por representações internas”. 135 "A questão básica na Ciência Cognitiva é, Como poderia um mecanismo ser racional? A resposta séria a esta questão é [...] que ele pode ser considerado racional na qualidade de uma dispositivo de testes, isto é, de um mecanismo que tenha qualidades representacionais — estados mentais que representam estados do mundo — e que possa operar nestes estados mentais em virtude de suas propriedades sintáticas. A idéia básica em Ciência Cognitiva é a idéia da teoria de prova, isto é , que pode-se simular relações semânticas — em particular, relações entre pensamentos — por processos sintáticos”. 136 “Está claro, como enfatizaram KATZ, FODOR (1963), que o significado de uma sentença se baseia no significado de suas partes elementares e na maneira destas se combinarem. Também está claro que a forma de combinação dada pela estrutura superficial (constituinte imediato) em geral é quase totalmente irrelevante para a interpretação semântica, ao passo que as relações gramaticais expressas nas estruturas profundas abstratas são, em muitos casos, apenas aquelas que determinam o significado da oração”. (tradução – Pérola de Carvalho) 137 “Assim como na teoria de Katz & Fodor, algum tipo de ‘vocabulário’ pré-estabelecido seria necessário, mas no caso da música ele seria incompleto antes da audição de uma composição. Tal vocabulário de símbolos seria então preenchido por representações dos motivos musicais, que surgem na obra musical enquanto ela segue seu curso”. 138 “[…] Propriedades mais relevantes, em termos comportamentais, do estímulo [do ambiente], são uma seleção das propriedades que pertencem ao estímulo: de todas as propriedades que o estímulo contém realmente, apenas aquelas relevantes em termos comportamentais são as que o organismo representa como contidas [no estímulo]”. 139 “Talvez a consequência geral mais importante da escola psicológica da Gestalt [...] seja sua demonstração do quanto a percepção é o resultado de uma interação entre o input ambiental e os princípios mentais ativos que impõem estruturas a este input”. 140 “Uma vez que se aceite que, para adquirir um conceito, deve-se estar habilitado a representar conceitos reduzidos a uma hipótese, e dado que muito do pensamento é linguístico, e especificamente, que a maioria ou mesmo a totalidade do conceitos podem ser expressos em forma linguística, segue-se que uma linguagem com predicados cujos significados sejam os conceitos deduzidos últimos é requerida de maneira a adquirir outros conceitos. (Se CACHORRO pode ser realmente reduzido a DE QUATRO PATAS, COM RABO, PELUDO, LATIR, e se estes são por sua vez primitivos, é necessária uma linguagem que predique expressamente estes conceitos). O que vale dizer, deve haver uma linguagem do pensamento inata com predicados que expressem os conceitos primitivos. Uma vez que as línguas naturais não são inatas, segue que cada adquirente da linguagem deve possuir uma linguagem do pensamento distinta de todas as outras línguas naturais”. 141 “Eu argumentarei, primariamente, que não se pode aprender uma linguagem com termos que expressem propriedades semânticas não expressadas em termos de alguma linguagem já capacitada para uso”. 142 “O ponto aqui é que a psicologia passa a ter a partir de agora não dois domínios de interesse, cérebro e mente, mas três: o cérebro, a mente computacional, e a mente fenomenológica. Consequentemente, a formulação de Descartes para a questão [da relação entre] mente-corpo é dividido em duas questões diferentes. O problema 'mente fenomenológica-corpo' [...] é, como pode um cérebro ter experiências? O problema 'mente computacional-corpo' é, como pode um cérebro desenvolver o pensamento racional? Além deste, temos também o problema mente-mente, isto é, qual é a relação entre estados computacionais e experiências (fenomenológicas)?" 143 “A teoria da estrutura musical de Lerdahl e Jackendoff, sem sobra de dúvida, não é uma teoria formal que possa ser representada algoritmicamente. O problema de desenvolver uma teoria formal e precisa da estrutura e do processamento musical, que está na base do modelamento cognitivo da percepção musical [...], existe até hoje”. 144 “O conceito de computação em música mudou radicalmente no final da Renascença, quando passou da compreensão matemática das leis intrínsecas de consonância para a idéia (leibniziana) de um mundo musical gerado por regras combinatórias”. 145 “Os conjuntos de alturas usado na música tonal — escalas, modos, acordes e tonalidades —, quando considerados em termos matemáticos dentro de representações computacionais, têm exibido algumas extraordinárias propriedades que os capacitam de forma exemplar para uso na sequência de padrões temporais (BALZANO 1980; BROWNE 1980)”. 146 “Duas correntes nos modelos musicais existentes podem ser distinguidas [...]. A primeira é uma abordagem algorítmica, de ‘processamento de informação’ [...]; a um modelo é fornecido um input, e ele produz algum output: a forma através da qual tal modelo se aproxima do output de um ouvinte [real] (ou intérprete, ou quem quer que seja) constitui o critério de seu sucesso. […] A segunda corrente [...] é derivada de conceitos linguísticos, tornando explícita a noção de ‘linguagem’ musical e procurando formular gramáticas de tal linguagem”. 147 “O sinal acústico, como percebido pelo ouvinte, pode ser encarado como uma representação em ‘linguagem de baixo nível [computacional]’ da informação musical. Uma representação em termos de quais notas são executadas por quais instrumentos, isto é, uma decomposição desta informação em partes, pode ser descrita como constituindo uma representação em ‘linguagem de máquina’ da informação, dado que podemos prover a definição da ‘máquina’ adequada (isto é, do processador musical)”. 148 “[…] assim como a grande maioria trabalhos de pesquisa em teoria musical mostram, há um conjunto de regras [sintáticas] bastante específicas controlando a maior parte de tipos de música, e uma gramática gerativa poderia oferecer um meio útil e avançado de expressá-las”. 149 “Devemos dizer que a música não é mais similar à linguagem que qualquer outro objeto no mundo, e as únicas relações válidas que podemos esperar [entre elas] são as de contiguidade”. 150 “Uma obra musical é a memorização de notas passadas. Isto significa que uma obra é reconhecida pela retenção de notas na mente através da percepção”. 151 “Essencialmente, a irreversibilidade do tempo é dissolvida, e um fenômeno [musical] é representado e reconhecido espacialmente [...]; quanto mais alto for o patamar [instanciado] e por conseguinte a dependência do conhecimento de regras anteriores, mais arbitrárias as regras se tornam, por estarem mais livres dos processos perceptivos e poderem ser estruturadas artificialmente”. 152 “LONGUET-HIGGINS (1987) interessou-se por como a forma através da qual uma simples melodia pode ser transcrita pode refletir a estrutura de dados que já embutimos em nossa mentes para descrevê-la”. 153 “O teclado do piano, tomado por si mesmo, é um metaprocesso, isto é, uma descrição de um processo. [...] Outro exemplo básico de um metaprocesso é uma partitura musical”. 154 “LASKE encara o processamento semântico como uma forma de reconstrução. Isto é, um ouvinte que percebe um evento musical pode dizer que ‘compreendeu’ tal evento se ele é capaz de especificar como ele pode ser reproduzido”. 155 “Uma experiência musical, em termos pragmáticos, é o total de todos os ‘passados’ atuais que um ouvinte tenha construído durante uma situação de escuta”. 156 “Nós sugerimos […] que o processamento musical pode ser visto como envolvendo uma base de dados relativamente pequena formada por entidades primitivas de níveis perceptuais mais altos, e que pode se supor que um programa da performance necessária está operando a partir desta base de dados. Este ponto de vista do problema da análise musical como um procedimento tem uma vantagem metodológica ao lançar luz no uso de modelos conceituais usados em análise musical, ao invés de tratar tais modelos sem uma postura crítica, como dados, ou encará-los de forma ideológica”. 157 “Estamos buscando por fatos inquestionáveis — ou mais que isto, por verdades objetivas — sobre música e sobre a mente musical, ou estamos falando, ao invés disso, sobre os processos de nossas próprias mentes como intérpretes da informação [musical]? Afinal, nós programamos nossos computadores para fazerem aquilo que queremos que eles façam, e portanto determinamos a natureza de muito da informação que requeremos de nossos experimentos”. 158 “Há limitações no modelo computacional serial, porque foi se tornando bastante evidente o fato de que a transdução dos estágios perceptualmente mais primitivos são fundamentalmente e maciçamente paralela por natureza. Uma metáfora do computador serial [para os processos cognitivos], portanto, vai gradualmente sendo substituída por uma metáfora cerebral. O estudo da inteligência, assim, deverá ser descrito não apenas em termos de uma inteligência 'artificial', mas também em termos de inteligências 'naturais', e as ciências cerebrais, tanto quanto uma abordagem neurobiológica, são ferramentas direcionadoras ao prover uma base empírica para o estudo da inteligência humana”. 159 “A linguagem de máquina [dos computadores] difere da linguagem de input/output [cognitiva] na medida em que suas fórmulas correspondem diretamente às operações e estados físicos relevantes da máquina. A física inerente à máquina garante assim que a sequência de estados e operações que ela perfaz ao longo de seus processos computacionais respeite as restrições semânticas das fórmulas de sua linguagem interna. O que toma o lugar de uma definição verdadeira, para a linguagem de máquina, são simplesmente os princípios de engenharia que garantem esta correspondência”. 160 “Não creio que se possa chegar a uma ciência dos fenômenos complexos tentando modelar macro-variâncias observáveis [(como na inteligência artificial)]. A física, por exemplo, não é a tentativa de construir uma máquina indistinguível do mundo real no espaço interno de uma conversação. Não se deve encarar a Disneylândia [por exemplo] como um empreendimento propriamente científico”. 161 “O Roboser cria música baseado nas experiências e ‘emoções’ de um robô móvel em sua exploração do ambiente”. 162 “Redes dinâmicas-hierárquicas são representações perceptuais de processos de escuta musical, e são caracterizados por estruturas de dados organizadas e hierarquizadas compreendendo vários níveis”. 163 “É necessário dirigir o olhar para elas [(as inferências)] como mais detalhamento, porque são elas o esteio da dinâmica de toda atividade de escuta”. 164 “Podemos portanto afirmar o seguinte: até onde a música corresponder à linguagem [verbal] natural, haverá similaridades entre suas respectivas representações formais”. 165 “A idéia de que predicados verbais são vinculados a Unidades Estruturais [(em música)] é essencial para uma teoria do processamento de informação musical. Ela nos permite explicar o fato de ouvintes comunicarem-se com outros ouvintes sobre música, nos permite dar uma descrição verbal da música que escutamos”. 166 “[Para Leman], o sentido emerge quando são percebidas relações entre eventos musicais que estão embebidas nas estruturas musicais. Seu termo específico para este tipo de sentido é semântica melódica, definida como um ‘exemplo de formação de sentido a um nível não-simbólico que depende de ‘relações de similaridade sensíveis ao contexto”. 167 "Em redes que empregam unidades ocultas e um algoritmo de aprendizagem, as unidades ocultas desenvolvem representações internas dos padrões dos dados de entrada, que recodificam estes padrões de forma que permita a rede a produzir a saída correta de uma entrada de dados. Em tal arquitetura de rede, as unidades de contexto memorizam o estado interno prévio da rede. [...] Assim, as representações internas são sensíveis a um contexto temporal; o efeito do tempo está implícito nestes estados internos. Note-se entretanto, que estas representações de contextos temporais não precisam ser literais. Elas representam uma memória que é altamente dependente do estímulo e da tarefa correspondentes". 168 "[De acordo com este ponto de vista], as representações não são símbolos abstratos, mas sim regiões de um espaço de estados possíveis. As regras não são operações sobre símbolos, mas estão ao invés disto embutidas na dinâmica do sistema, em uma dinâmica que permita o movimento de determinadas regiões enquanto torna outras transições mais difíceis. [...] Sugiro que a natureza das regras pode ser diferente do que temos imaginado que elas sejam". 169 "As representações linguísticas emergem como uma função do inter-relacionamento entre diversos fatores, incluindo os componentes físicos do cérebro humano que estão ativos durante o processamento linguístico (e sua maneira característica de processamento de informação), as tarefas nas quais estes componentes estão engajados, e as características dos sinais linguísticos a que estão expostos, particularmente em seus aspectos estatísticos. Um ponto de vista como este surgiu contemporaneamente com e parcialmente em virtude do conexionismo, que forneceu novas visões a respeito tanto da natureza da representação mental quanto das maneiras em que tais representações podem ser aprendidas”. 170 “A rede treinada aprende a identificar uma melodia com um ponto [nas possibilidades de estados] correspondente a uma primeira 'meta', outra melodia a uma segunda meta, e assim por diante para todas as melodias e metas na fase de treinamento da rede. Quando são dadas metas intermediárias (ou espúrias), a rede cria pontos novos no estado de possíveis melodias, entre as (ou além das) melodias originais. Dependendo da estrutura do espaço de melodias possíveis considerado, novas melodias diferentes serão criadas”. 171 "Frequentemente ocorre sabermos do que gostamos sem saber exatamente o porquê. Neste caso, uma abordagem em termos de redes neurais pode ser atrativa. Podemos simplesmente mostrar à rede exemplos de ritmos bons e ruins (dizendo quais são os bons e quais os ruins), e deixá-la reproduzir mecanicamente nossos julgamentos". 172 "Não é necessária a aplicação de nenhuma regra para a emergência destes padrões, eles simplesmente refletem a internalização de distribuições probabilísticas através da exposição prolongada a sequências [musicais] individuais". 173 “Quando um oscilador adaptativo é estimulado com uma periodicidade mesmo que aproximada, pode-se dizer que ele ‘representa’ uma estimativa da frequência dos dados de entrada, e que pode ‘predizer’ alguns dos próximos pontos de sincronização (‘phase zeros’) no futuro”. 174 “Se uma pulsação métrica existe na mente dos falantes e dos ouvintes, ela não parece tomar a forma de uma descrição estática expressa em termos de frações perfeitas como as da notação musical. A métrica é um tipo de habilidade, manifestada por um mecanismo particular, um meio pelo qual o sinal é processado, guiado por tendências à periodicidade. [...] Este mecanismo se auto-organiza para descobrir e reproduzir as regularidades temporais dos dados de entrada”. 175 “A hipótese de um relógio interno diz que os sistemas cognitivos possuem um tipo de oscilador, que age como um marca-passo que fornece pulsações regulares a áreas motoras no cérebro. O que implica que todas as atividades motoras, tais como respirar, andar, mastigar e falar, devam ser reguladas por este relógio”. 176 Formantes vocálicos são as frequências sonoras, determinadas na Fonética Experimental, que caracterizam as diferenças entre os sons da diferentes vogais das línguas humanas. 177 “Ao compreender que um projeto composicional traz uma história de interatividade entre o compositor e um sistema [musical], podemos considerar este aspecto dinâmico como o modo através do qual ele interage com o sistema. [...] O compositor pode fazer uma articulação nesta complexa estrutura [(o sistema musical]) por uma composição de observações do processo semiótico. O reconhecimento e as ambiguidades que ocorrem podem ser compostas sem uma especificação de símbolos reconhecidos universalmente, como uma referência original ou última. Novas informações podem vir a ser articuladas numa relação com os limites dos sistemas simbólicos conhecidos atualmente”. 178 “Ao invés de tentar predizer uma performance da música percussiva da tabla — uma predição feita a partir de uma suposta compreensão de todas as regras inerentes à série de procedimentos improvisatórios desta prática — [o programa] modela seus próprios processos criativos a partir de conjuntos limitados de dados. Estes dados são extraídos de performances atuais, e podem representar apenas um fragmento da ‘linguagem’ percussiva como um todo”. 179 "O processo analítico em si começa com a elaboração de proposições generalizadas, sobre a Música e sua estrutura, utilizando técnicas derivadas de uma teoria linguística formal de origens chomskyanas. Estas proposições, apresentadas sob a forma de uma gramática gerativa/transformacional, reflete tanto a teoria musical (pro exemplo, relativa à métrica própria na qual as obras musicais são programadas, ao repertório de batidas a ser utilizado etc.) quanto um conhecimento intuitivo, não-articulado implícito nas análises das performances (combinações aceitáveis de batidas, equilíbrio entre um material fixo e um improvisado etc.). Uma vez dada como um conhecimento de base de regras formais, é uma tal gramática que modifica o comportamento do computador. (Incidentalmente, não há interação direta entre o analista e as atividades internas da máquina em si; o campo da programação é relegado a um cientista computacional)". 180 "O modo cognitivo sugerido na discretização das teorias computacionais é formado por uma ideologia do significado denotativo (“transcendent”). Isto não significa que as teorias computacionais assumam que seus modelos do mundo real são idealmente precisos; ao invés disso, a teoria computacional assume uma relação idealizada entre sequências de símbolos ("nonterminal symbols") em diferentes hierarquias, que englobam tanto a computação quanto a cognição. Essa pressuposição constitui uma ideologia". A noção de ideologia apresenta por Choi se constitui como uma “classe de práticas de significado” ("one class of signifying practice"), conceituação atribuída a KRISTEVA (1984; KRISTEVA 1980). 181 “É interessante como os neurocientistas com trabalhos sobre música não parecem necessitar muito de justificativas para a existência de seus projetos de pesquisa”. 182 “Quando é que realmente usamos a lógica em nossas vidas? A usamos para simplificar e resumir nossos pensamentos. A usamos para explicar argumentos para outras pessoas, e para persuadi-las de que estes argumentos estão corretos. A usamos para reformular nossas próprias idéias. Mas eu duvido que a usemos constantemente para resolver problemas ou ter novas idéias. Ao invés disso, formulamos nossos argumentos e conclusões de uma forma lógica depois de termos as construído ou descoberto por outros meios; só então usamos uma racionalidade verbal ou similar para ‘deixar as coisas em claro’, para separar as partes essenciais [das idéias] do conjunto macarrônico de pensamentos e idéias através das quais tais partes essenciais ocorrem”. 183 “Se o cálculo lógico não irá mais servir como uma das ferramentas adequadas para modelar nosso comportamento, onde poderão ser encontradas ferramentas alternativas? A resposta a esta questão reside em reconhecer que o comportamento simplesmente não pode ser estudado [apenas] objetivamente, isto é, desvinculado dos sujeitos deste comportamento. Qualquer modelo de comportamento irá requerer, como pré-requisito, um modelo da mente que controla tal comportamento. Em outras palavras, não parece ser adequado tentar analisar o comportamento de um sujeito sem tentar ao mesmo tempo ‘entrar no cérebro’ deste sujeito”. 184 “Tanto quanto posso vislumbrar, é razoável sustentar que os estudos acerca do cérebro são metodologicamente privilegiados sobre outras formas de pesquisa a respeito da mente apenas se você está preparado para sustentar que fatos a respeito do cérebro são metafisicamente privilegiados em se tratando de fatos a respeito da mente; e você pode sustentar isto apenas se você considerar que o cérebro e a mente são coisas essencialmente diferentes. Mas eu acredito que uma metafísica dualista está forma de moda no momento, sobretudo na comunidade neurocientífica. Neurocientistas são supostamente materialistas, e materialistas supostamente não têm dúvidas de que estados mentais distintos apresentam ipso facto distintas contrapartes neuronais. Assim, de que forma pode importar onde, no cérebro, estariam localizadas estas diferentes contrapartes?” 185 “Há técnicas muito úteis para decidir se uma área determinada do cérebro está envolvida ou não com diferentes funções. Uma ‘dissociação’ ocorre se pode-se encontrar, por exemplo, o sintoma [neuropsicológico] X sem o sintoma Y. [...] Uma ‘dupla dissociação’ ocorre quando X é encontrado sem Y em um paciente, e Y é encontrado sem X em outro paciente; [... esta] pode ser considerada uma forte evidência (embora não incontestável) de que os dois sintomas estão relacionados a diferentes subsistemas cognitivos”. 186 "Uma revisão da literatura de pesquisa relevante [em música] indica que os resultados podem diferenciar-se muito entre si dependendo de variáveis do sujeito (tais como a quantidade e o tipo de treinamento que o sujeito possui), variáveis de estímulo (tais como sons gerados por computador versus música "real") e variáveis nos testes (tais como o que se pede para os sujeitos prestarem atenção). Mais que isso, muitos podem contestar que trechos sonoros de aproximadamente dois segundos (requeridos parta muitas pesquisas atuais deste tipo) não representam adequadamente música, e que o uso de fragmentos amusicais não pode nos dizer muito sobre o que ocorre quando se escuta uma sinfonia de Mozart, por exemplo". 187 "Muito embora a pesquisa psicológica [experimental] em música esteja interessada em algumas das dimensões relativamente negligenciadas na pesquisa da linguagem e da fala, há relativamente pouco atenção dada à mensagem artística veiculada nestas dimensões. Ao invés disso, elas são tratadas como aspectos puramente físicos, psicoacústicos, de estruturas sonoras frequentemente artificiais mais do que com conteúdo artístico, e espera-se que os sujeitos reportem suas impressões sonoras mas raramente suas reações estéticas ou emocionais à música, que, na verdade, serão mínimas dentro das circunstâncias dos típicos experimentos psicológicos". 188 “Elementos do processamento musical tem sido limitados, por óbvias razões inerentes e metodológicas, apenas na percepção e na cognição” 189 "Os estudos neuropsicológicos sobre a percepção musical têm se direcionado para as diferenças de funções cerebrais entre músicos e não-músicos para revelar os determinantes neurais da habilidade musical. Ao mesmo tempo, a abordagem comportamental tem se preocupado com os divergentes aspectos da musicalidade que precede a habilidade musical". 190 "De acordo como esta perspectiva, a questão mais importante é se existem ou não tecidos neurais dedicados ao processamento musical, no cérebro adulto. Por 'tecidos neurais dedicados', queremos dizer mecanismos neurológicos que processem seletivamente e exclusivamente informação musical. As evidências de existência de tais módulos musicais no cérebro indicam que a música não é uma atividade derivada ou parasitária de funções cerebrais mais importantes como a linguagem". 191 “A partir desta concepção, é um salto natural considerar a noção de que o input musical projeta-se neurologicamente do nível mais baixo para o mais alto através do núcleo ventral da cóclea, o núcleo central do colículo inferior e do corpo geniculado medial do tálamo, até o córtex auditivo primário. Da mesma forma, pode-se supor que um sistema do nível mais alto para o mais baixo processa os sinais eferentes através do núcleo dorsal da cóclea, no lemniscus lateral, do núcleo externo e pericentral do colículo inferior, e do corpo geniculado medial [do tálamo], até o córtex secundário cerebral”. 192 “A lateralização distinta de alturas/tonalidades (hemisfério cerebral direito) e de ritmos musicais (hemisfério cerebral esquerdo) explica a maior lateralização de acordes do que de melodias reportada em estudos de escuta dicótica, já que uma melodia é formada tanto por elementos tonais quanto rítmicos, enquanto os acordes contém apenas elementos tonais. Da mesma forma, a predominância relativa de fatores rítmicos ou tonais em uma melodia pode determinar o lado e a intensidade de lateralização no processamento de uma dada melodia — explicando assim as discrepâncias de relatos anteriores de escuta dicóide”. 193 “Alucinações musicais podem ser evocadas pela estimulação das superfícies superiores ou laterais do primeiro girus temporal. Crises epilépticas originadas tanto no lobo temporal esquerdo quanto no direito podem incluir alucinações musicais entre suas manifestações”. 194 “Experiências auditivas complexas (escutar uma voz, música, ou outros sons significativos) têm sido reportadas por pacientes durante cirurgias, quando pontos críticos do primeiro girus temporal são estimuladas eletricamente. [...] Experiências musicais têm sido reportadas mais frequentemente depois de estimulações corticais no [hemisfério] direito do que no esquerdo”. 195 "Dois tipos de processos ou propriedades podem ser identificadas como importantes funcionalmente no processamento de padrões sequenciais de alturas musicais: a altura de notas individuais [...] e o contorno que caracteriza a direção seguida pelas alturas, independentemente da determinação precisa das notas”. 196 “É amplamente difundida a idéia de que, sob a noção de senso comum de 'ritmo', dois diferentes tipos de organizações temporais existem: a métrica [...] e o ritmo [...]. Neste contexto, é especulativo, embora razoável, esboçar uma analogia entre o processamento de contornos e amplitudes de intervalos musicais nas sequências de padrões melódicos, e o processamento da métrica e de valores de duração (ritmo) em sequências de padrões rítmicos. Assumindo que a métrica caracteriza uma organização global dos tempos de uma melodia, tal como o faz o contorno na dimensão das alturas musicais, deve ser esperada uma predominância de [processamento do] hemisfério direito. De maneira similar, se os valores das durações estão para a dimensão temporal da música assim como os intervalos musicais estão para a dimensão das alturas, deve ser esperada uma superioridade de [processamento do] hemisfério esquerdo para o processamento da organização rítmica". 197 “De fato, não parece que as diferenças entre os hemisférios cerebrais devam ser caracterizadas de acordo com sua dimensão musical, mas sim de acordo com a natureza local/global da informação a ser extraída [da percepção]”. 198 “Em cada teste os sujeitos foram apresentados a uma melodia monoaural [(em um único ouvido)] seguida de uma sequência de duas notas, e foram solicitados a responder a duas perguntas: (1) se a sequência fazia parte ou não da melodia; (2) se a sequência já tinha sido ouvida durante a experiência. Músicos (sujeitos habilitados em um instrumento musical por pelo menos 4 anos) reconheceram melhor as melodias no ouvido direito do que no esquerdo; não-músicos demonstraram um efeito oposto. [...] Os autores concluíram que apenas músicos eram capazes de processar melodias de uma forma analítica, típica do ouvido direito; não-músicos processariam as melodias de uma forma 'holística' ou 'global', típica do hemisfério direito”. 199 “Ao que tudo indica, quando as melodias diferem apenas em termos de padrões tonais e quando as diferenças recaem em apenas uma ou em poucas notas, um envolvimento predominante do hemisfério esquerdo não requer necessariamente um treinamento formal em música. Nós sustentamos a hipótese de que, em tais casos, não-músicos podem descobrir os princípios que governam as diferenças entre as melodias e usar um modo analítico de processamento, isto é, prestar mais atenção na forma como que elas variam, e tentar se concentrar em constituintes ao invés de tentar tratar cada melodias como uma unidade fechada”. 200 "A escuta de melodias de uma forma analítica não é uma atividade inconsciente, que independa de marcas particulares e da decisão de voltar a atenção para elas. [...] Os resultados mostram a separação entre sujeitos 'analíticos' e 'não-analíticos' em relação à forma com que lidam com melodias, e não meramente com sua capacidade de ter insights e respostas a partir de um modo invariável de processamento. [...] Músicos tendem a ser processadores analíticos de melodias pelo fato de terem sido treinados para escutá-las desta maneira". 201 “Em PAPCUN ET ALL (1974), foram testados sujeitos (que não sabiam código Morse) numa tarefa envolvendo o reconhecimento de padrões de pontos, e encontrou uma vantagem [de processamento] no ouvido direito para padrões como um número pequeno de elementos, e uma vantagem [de processamento] no ouvido esquerdo para padrões com um largo número de elementos. [...] Sujeitos engajados em tarefas que compartilhem da mesma função cognitiva [(ex. a audição)] podem fazer uso de diferentes modos de processamento”. 202 “VAN LANCKER, FROMKIN (1973) descobriram que a altura [(em Linguística, o tom)], uma variável relevante linguisticamente na língua Thai, mostrou uma vantagem de processamento para o ouvido direito para falantes desta linguagem, enquanto que o mesmo estímulo não gerou tal efeito para falantes nativos do inglês”. 203 “Pacientes com agnosia auditiva são incapazes de organizar os sons do ambiente em que se encontram, de tal forma que vozes, sons de animais, sinos e outros ruídos, são percebidos como uma cadeia confusa e ininterpretável de ruídos. Poucos casos de uma agnosia puramente musical foram descritos, nos quais os pacientes eram incapazes de organizar música em uma percepção coerente embora sua habilidade na compreensão da fala e de estímulos não-musicais permanecesse intacta”. 204 “O estabelecimento de uma dominância hemisférica para música tem sido há tempos o principal objetivo do estudo de amusias, isto é, o estudo das perturbações de habilidades musicais a partir de lesões adquiridas no cérebro”. 205 ‘[Muitos autores] têm se pronunciado contra uma divisão simples entre música e linguagem em hemisférios cerebrais separados. Ao invés disso, música e linguagem são vistas em si próprias como divisíveis em componentes que podem ou não ser compartilhados entre si”. 206 “O ponto de vista que eu defendo aqui é que um primeiro passo mais coerente para testar a especificidade das operações cognitivas envolvidas com o processamento linguístico seria comparar a linguagem com outro sistema organizado e definido por regras, como a música”. 207 “Apesar da aparente convergência entre música e prosódia, permanecem muitas indeterminações que podem se tornar críticas em uma postulação de princípios similares de organização cerebral nos dois domínios. A maior fonte de dificuldade é que a prosódia ainda é uma área de investigação científica largamente negligenciada. Além disso, quando os processamentos de música e linguagem são comparados, o são tradicionalmente ao nível de funções delimitadas como um todo cada uma”. 208 “A redução de condições verbal-articulatórias melhora significativamente a performance de pacientes cérebro-lesados no hemisfério esquerdo, mas não no direito, uma descoberta que corrobora com a suposição de que a prosódia afetiva é fortemente lateralizada par a o hemisfério direito. A performance de pacientes não está ligada à presença, tipo ou profundidade de perdas afásicas”. 209 “Deve-se notar que a pesquisa em respostas emocionais, sensitivas e de estados de humor se encontra muito menos desenvolvida em psicologia e neurociências do que pesquisas em tópicos como por exemplo o aprendizado e a percepção sensórea”. 210 “O estudo neuropsicológico da música como uma linguagem emocional apenas começou. [...] Esta nova perspectiva na relação entre música e cérebro, entretanto, não é acidental, e traz grandes promessas para um melhor entendimento em como o cérebro humano responde à música”. 211 “De maneira simplificada, MIT consiste na fala com uma prosódia simplificada e exagerada, caracterizada por um componente melódico (duas alturas, alta e baixa) e um componente rítmico (duas durações, curta e longa). [...] Os resultados apresentados podem parecer estranhos e contra-intuitivos a princípio, uma vez que a MIT ativou zonas essencialmente motoras do cérebro, tais como a área de Broca no hemisfério esquerdo, enquanto reduziu ativações anormais no hemisfério direito. Uma explicação possível deste aparente paradoxo é que a MIT não é um tipo de canto, mas meramente uma prosódia exagerada da fala”. 212 “Testamos aqui a hipótese de que a produção de palavras cantadas deve melhorar a articulação de pacientes afásicos com uma redução geral da expressão oral. Comparamos a repetição [por eles] de palavras em sua forma cantada (palavras + música) com a repetição das mesmas palavras na forma meramente recitada. [...] De modo geral, nossos resultados não apóiam a hipótese de que a música ajude a recuperar a fala afásica, mas avançamos na definição de processos dissociados de produção para a música e a linguagem”. 213 “Um grande problema, na interpretação de alguns dos dados tanto da literatura clínica quanto da experimental, é a noção bastante simplista de dois hemisférios cerebrais como duas unidades homogêneas e auto-suficientes. Tal ponto de vista ignora as diferenças cruciais em cada hemisfério com respeito a sua organização estrutural e funcional. Assim, devemos evitar a noção simplista das vantagens do hemisfério direito ou esquerdo, e começar a considerar mais seriamente quais subsistemas podem estar envolvidos em uma determinada tarefa”. 214 “A resposta mais importante para a questão é que não existe um 'centro musical' no cérebro. E que nem todo o processamento musical está alocado no hemisfério direito ou esquerdo”. 215 “Uma visão moderna diz que a memória está distribuída em várias partes do cérebro, e que diferentes tipos de memória ativam estruturas neurais diferentes. Uma memória para música -- assim como uma memória para prosa ou para figuras -- provavelmente compreende em si diferentes subsistemas cognitivos para codificar os vários atributos do estímulo musical”. 216 “A música persiste em pessoas cegas, surdas, emocionalmente perturbadas, profundamente excepcionais, ou afetadas por doenças ou síndromes como o mal de Alzheimer. Apesar do grau de debilitação ou doença, permanece possível ao indivíduo ter uma plena experiência musical. [...] A literatura em pesquisas sobre amusias revelam que a destruição de tecido cerebral pode eliminar uma função musical particular (por exemplo a habilidade de acompanhar ritmos), mas não eliminar a música completamente”. 217 “Os experimentos nestes estudos empregam tipicamente um paradigma de memória de escolha forçada de reconhecimento. Pede-se aos ouvintes que memorizem e reconheçam melodias, versos, ou ambos, em condições onde a melodia e a poesia se combinam ou não. [...] O uso de paradigmas de escolha forçada para um ou para outro pode limitar a validade geral destas descobertas”. 218 “Um evento no mundo, que pode ser uma luz, um som, uma sentença, um saber ou uma ocorrência mental, tal como uma decisão ou uma intenção, é refletido na atividade elétrica conjunta de diferentes partes do cérebro. Enquanto que a resposta cerebral a cada evento em particular pode ser difícil de ser discernida dada a multiplicidade de respostas que ocorrem simultaneamente, a repetição destes eventos particulares [...], e a média aritmética entre estas repetições torna possível ao sinal emergir por entre o ruído de fundo criado pela eletrogênese cortical. Este sinal registrado representará uma variação da voltagem em razão do tempo, sincronizada à apresentação do estímulo cognitivo”. 219 “Assumindo que o ruído intrínseco do registro [do EEG] e da atividade relativa a outros processos cognitivos -- não integrados temporalmente ao processamento do estímulo estudado -- são mutuamente cancelados na média estatística de várias dezenas ou centenas de sinais de EEG que se seguem à apresentação de um estímulo isolado, a atividade remanescente pode ser atribuída ao processamento do estímulo de interesse”. 220 “Andrew Neher [...] registrou EEGs de respostas [neuronais] a batidas de um tambor de 3, 4, 6 e 8 pulsações por segundo. A principal resposta dos sujeitos no estudo de Neher foi a sincronização do ritmo dos neurônios do córtex auditivo com a batida do tambor”. 221 “Frequências diferentes de EEGs estão relacionadas a diferentes funções. O assim chamado ritmo alfa (aprox. 8-12 Hz), o mais estudado destes ritmos, é observado predominantemente no córtex posterior. Este ritmo está relacionado com um estado de relaxamento, e por esta razão ele tem sido interpretado como um sinal de inibição da atividade sob a qual ele foi registrado. A ativação do córtex causa uma dessincronização da banda alfa, isto é, a amplitude decresce”. 222 “Uma sincronização das frequências alfa gerada por uma percepção auditiva tem sido observada [...] durante a codificação de informação auditiva simples (por exemplo vogais, notas). Memorização ou reconhecimento, por outro lado, resultam em dessincronização”. 223 “Portanto, mesmo evitando falar de identidade funcional, os resultados aqui apresentados favorecem a idéia segundo a qual as operações cognitivas que presidem ao tratamento da linguagem e da música obedecem a princípios de funcionamento, senão comuns, pelo menos similares. Assim, uma vez mais, devemos ir de encontro à hipótese de uma forte modularidade [dissociada] das representações linguísticas e musicais”. 224 “Os resultados se mostram um argumento contrário à especificidade linguística do P600, e sugerem que linguagem e música podem ser estudados de forma paralela para apontar questões sobre a especificidade neural no processamento cognitivo”. 225 “Ambas, linguagem e música, são compostos de eventos sequenciais que se estendem no tempo. Portanto, fortes expectâncias desenvolvem-se durante a escuta da fala e da música; assim como uma palavra específica é esperada dentro de um contexto linguístico específico, uma nota ou um acorde específico é esperado dentro de um contexto musical específico”. 226 “Ao final e à medida em que um comportamento se caracteriza por repetir-se [...], as antecipações representativas necessárias à produção desta conduta tornam-se cada vez mais automáticas, e necessitam cada vez menos da intervenção ou do suporte dos aspectos mais proposicionais da linguagem expressiva”. 227 “Padrões sonoros da fala podem ser considerados redundantes no que diz respeito a elementos da mensagem linguística, de uma forma muito maior que sons que estão apenas concatenados. Além disso, uma vez que sons ritmicamente padronizados têm uma trajetória temporal que pode ser traçada sem a necessidade de monitoramento contínuo, a percepção de elementos iniciais num padrão permite a elementos subsequentes de serem antecipados em tempo real”. 228 “Seres humanos e animais estão ambos sintonizados com as frequências de ocorrência de vários estímulos de seu meio ambiente. Esta sensibilidade a padrões probabilísticos é evidente em estímulos auditivos, visuais e táteis, e têm sido observada em grande número de espécies”. 229 “Variações de um padrão repetitivo (ou seja, novidades) evocam desabituação (de orientação), que é sentida e cuja sensação é gerada independentemente do reconhecimento da variação. A tese a ser defendida neste ponto é a de que, enquanto a estética musical é dada numa função com o reconhecimento de variações, o significado musical resulta da produção de sensações geradas por estas mesma variações, nos padrões de repetição [da estrutura musical]”. 230 “Quanto mais um contexto musical 'implica' em um determinado evento (uma certa nota musical, ou harmonia, ou padrão rítmico, por exemplo), maior a expectativa do ouvinte para aquele tipo de evento; quanto maior a sua expectativa, mais sua atenção está voltada diretamente para o evento esperado; e quanto mais sua atenção estiver assim direcionada, mais ele tenderá a notar qualquer desvio do que está esperando”. 231 “Hume notou que nenhum período imaginável de observação [(ou de experiência sensível)] poderá possibilitar por si só uma resolução sobre a verdade de alguma proposição de caráter geral. [...] De um ponto de vista puramente lógico, não é possível inferir os verdadeiros princípios que estão por trás do mundo apenas através da experiência”. 232 “O fato de diferentes representações musicais estarem correlacionadas positivamente é tanto uma vantagem quanto uma desvantagem. A vantagem é que isto implica que pode-se proceder a uma análise probabilística com relativamente pouca preocupação com a escolha da representação analisada. Por outro lado, este alto nível de correlação pode levar a onerosos erros de interpretação. Resultados de experimentos perceptuais podem muito bem ser consistentes com uma representação particular, mas os mesmos resultados podem ser também consistentes com várias outras representações da mesma maneira. Por exemplo, um resultado correlacionado a extensões de pequenos intervalos musicais, mas também correlacionado com sucessões de graus conjuntos, ou com cromas de notas isoladas, ou com pequenas diferenças no registro espectral, ou com pequenas variações da banda crítica, ou com a proximidade tonotópica de frequências, ao longo da partição da cóclea [(no ouvido interno)]”. 233 “Assim, a tendência ao temperamento igual [na afinação européia], e a propensão a adicionar novas notas a uma escala musical com distâncias desiguais entre as notas, parecem ambas, deste ponto de vista, serem produtos de uma necessidade psicológica mais geral por estruturas completas -- pela eliminação de incompletudes estruturais, não apenas da linha melódica da peça individual, mas também do sistema tonal em si”. 234 “A progressão costumeira ou esperada de sons pode ser considerada como uma norma, sendo-a realmente de um ponto de vista estilístico; e a alteração da progressão esperada pode ser considerada um desvio [da norma]. Assim, desvios podem ser tomados como estímulos de valor emocional ou afetivo”. 235 “A frustração de expectativas pode ser apontada como a base da resposta estética afetiva e intelectual em música. Se esta hipótese estiver correta, então uma análise de processo de expectâncias será claramente como que um pré-requisito para o conhecimento de como o sentido musical, seja afetivo ou estético, aflora em qualquer instância em particular”. 236 “Qualquer inibição ou retardo cria incerteza ou suspense, mesmo que brevemente, porque o momento do retardo nos torna mais atentos à possibilidade de modos alternativos de continuação [do fluxo musical]. A diferença é de escala e duração, não de tipo. Ambos criam incertezas e ansiedades, na qualidade de eventos futuros”. 237 “Em um estudo de John Sloboda, da Universidade de Keele, na Inglaterra, foi pedido a apreciadores de música que identificassem passagens que eles consideravam mais emocionantes. (SLOBODA 1991) descobriu que ‘arrepios na espinha’ ocorriam mais frequentemente em passagens contendo harmonias não-esperadas”. 238 “Toda música não é nada mais que uma sucessão de impulsos que convergem para um ponto de repouso definido. [...] Esta lei geral de atração é satisfeita de uma forma apenas limitada pelo sistema diatônico tradicional, por este sistema não possuir nenhum valor absoluto per se”. 239 “Há de fato um número de relações probabilísticas estáveis que podem ser observadas em música. Algumas destas propriedades refletem propriedades de obras musicais individuais. [...] Outras possibilidades parecem refletir propriedades particulares de gêneros ou estilos. E ainda outras relações de probabilidade parecem refletir propriedades da música como um todo. Podemos começar nossa história musical buscando por regularidades estatísticas que parecem caracterizar a música ocidental em geral”. 240 “COONS & KRAEHENBUEHL propuseram um modelo de probabilidades adaptativas para os fenômenos musicais, já em 1958 (COONS, KRAEHENBUEHL 1958; KRAEHENBUEHL, COONS 1959). Kraehenbuehl & Coons Imaginaram que as expectâncias do ouvinte, moldadas estatisticamente, se tornarão mais adaptadas a uma obra musical na medida em que cresce o total de exposição à obra. Um ouvinte pode começar a experiência auditiva já com expectativas que reflitam probabilidades gerais, afloradas durante toda a vida de exposição à musica. Mas à medida em que a peça progride, o ouvinte pode criar expectativas engendradas por eventos da própria obra”. 241 “À primeira vista, os estudos experimentais sugerem que as expectâncias são aprendidas, e que as formas de expectância usadas pelos ouvintes não passam de aproximações de propriedades estruturais, presentes na música em si”. 242 “Ouvintes parecem ser muito sensíveis á frequência com a qual os vários elementos [das alturas musicais,] e suas combinações sucessivas, são utilizados em música. Parece provável, então, que as relações abstratas tonais e harmônicas sejam aprendidas através da internalização das propriedades de distribuição [estatística dos elementos], característica do estilo musical”. 243 “Ouvintes produzem julgamentos similares de continuação melódica [(onde, em um fragmento melódico, são questionados sobre qual nota poderia representar uma possível continuação)], a despeito de variações substanciais em seu treinamento musical e familiaridade com os estilos musicais. [...] O nível de consistência encontrado entre os ouvintes sugere que a expectância musical é um fenômeno compatível com este dado”. 244 “A estabilidade relativa de uma nota irá depender, em larga medida, de seu tratamento dentro de um contexto particular de composições musicais [...]. Entretanto, é presumível que haja uma hierarquia de estabilidades mais abstrata, invariante, típica de um estilo musical de caráter mais geral, e que esta hierarquia abstrata seja uma característica importante na contribuição da percepção de cada nota, dentro de uma sequência musical complexa”. 245 “ 'Tonalidade' é um sistema de relações que aumenta a previsibilidade de certos sons em certos contextos, que evoca tanto uma resposta bastante positiva em predições, quanto uma resposta de saída valorizada positivamente, formada na atribuição errônea de previsibilidade de certas saídas”. 246 “HURON, VON HIPPEL (2000) desenvolveram um estudo detalhado da construção de séries dodecafônicas, pelos compositores da clássica 'Segunda Escola Vienense': Arnold Schoenberg, Anton Webern, e Alban Berg. Usando aprox. 80 séries de 12 notas, Huron & von Hippel examinaram as implicações [de expectâncias] nota-a-nota, usando o algoritmo de estimativa [tonal] de notas musicais de Krumhansl e Schmuckler. O desenrolar do fluxo musical momento-a-momento demonstrou possuir organizações fortemente contra-tonais”. 247 “Para o sujeito treinado musicalmente, a configuração do córtex auditivo é muito similar ao teclado de um piano, com distâncias iguais entre oitavas”. 248 “A existência de picos de percepção frequencial (a representação tonotópica) tem sido demonstrada no córtex auditivo primário de vários mamíferos [...]. Portanto, a hipótese [de sua não-existência] não pode ser levada a termo. Deve-se considerar, porém, que ela tem sido formulada de maneira irrealisticamente simples, porque a maior parte dos neurônios corticais mostram funções aferentes não-monotônicas, e curvas excitatórias e inibitórias de respostas de frequência”. 249 “Quando três componentes sonoros de uma integral de Fourier, com frequências de 600, 800 e 1000 Hz [são ouvidos], não apenas as alturas espectrais de 600, 800 e 1000 Hz são percebidas, mas supõe-se que estes componentes podem ser percebidos como harmônicos de um som complexo, cujos harmônicos mais baixos foram atenuados ou mesmo removidos por uma distorção linear do sinal sonoro”. 250 “Ao que tudo indica, um algoritmo eficiente para a determinação de notas fundamentais de um acorde perfaz uma contribuição significativa para uma teoria da harmonia. Como uma consequência da natureza do fenômeno de nota fundamental, a teoria dos 'virtual pitchs' provê eficientemente tal algoritmo”. 251 “Ao invés de tentar explicar a fundamental do acorde como um efeito 'colateral' do desenvolvimento cultural da música (como fez Helmholtz), o fenômeno da fundamental deve ser encarado como um fator primariamente psicofísico em larga escala, que efetivamente impeliu a evolução da música”. 252 “A dicotomia entre 'nota' e 'acorde' foi sobrepujada, e ambos colocados num continuum analítico integrado”. 253 “Parncutt faz questão de assegurar ao leitor que seu modelo de harmonia não é baseado no 'naturalismo' das séries harmônicas como um fenômeno acústico, mas na familiaridade do sistema auditivo com as séries harmônicas dadas na grande variedade de sons complexos, experimentada no ambiente [que nos cerca]”. 254 “Basear uma teoria da significação musical (ou mesmo da percepção gestáltica) em representações similares às partituras, embora possa ser útil num ponto de vista funcional, implica numa severa redução da riqueza do domínio musical. A idéia tacitamente aceita atrás desta atitude é a de que a significação musical não pode ser concebida em termos de construções proposicionais, mas necessitam de uma relação com uma organização causal de imagens que determinem diferentes qualidades de significação”. 255 “Leman transcende o trabalho de Krumhansl, liberto das restrições simbólicas dos textos de teoria musical, e aponta na direção de uma percepção um pouco mais próxima de um ambiente realmente musical”. 256 “Afinal, o efeito do som no sistema humano de processamento de informações é mais do que uma simples resposta do sistema auditivo. Movimentos do corpo estão conectados particularmente à percepção do pulso e da frase musical, e a associação com a emoção e o afeto está ligada por sua vez a processos cinestésicos e sinestésicos”. 257 “A Análise do Cenário Auditivo descreve a habilidade dos ouvintes de separar os eventos acústicos recebidos de diferentes fontes do ambiente em representações perceptuais distintas (cadeias). Embora tenha um caráter mais geral, está relacionada ao conhecido 'efeito de coquetel', que refere-se à habilidade dos ouvintes de segregar uma voz da mistura de muitas outras vozes”. 258 “Especificamente, o projeto via de regra investiga uma arquitetura de redes neurais de larga escala que implementa uma teoria computacional a respeito de [processos de] atenção, aprendizado, programação hierárquica, sincronização motora, e comunicação trans-cortical, baseada numa sincronização adaptativa de oscilações de frequências gama (25-100 Hz) e sub-gama (1-25 Hz) entre áreas corticais. O objetivo desta mútua colaboração entre um biofísico, um neurologista, um fisiologista, e um matemático, é desenvolver e aplicar tal arquitetura como uma ponte por sobre o espaço entre a neurociência e a psicologia humana, através dos dados de simulações tanto eletrofisiológicas quanto comportamentais. [...] Um objetivo imediato é aplicar sistemas matemáticos e computacionais avançados em pesquisas sobre comunicação rítmica na fala, na música, e na dança diretamente em aplicações artísticas e terapêuticas”. 259 “Neste sentido, expectâncias temporais estão voltadas para a orientação de respostas [do organismo] -- ou seja, um comportamento que aperfeiçoe a percepção. Assim, as expectâncias podem ser vistas como preparações de comportamentos motores apropriados”. 260 “O objetivo deste projeto de pesquisa é investigar a performance expressiva em música, dança, fala, e linguagem corporal, comparar estas performances com respeito a suas similaridades e diferenças, e relatá-las à intenção expressiva do intérprete e à impressão causada no ouvinte ou no observador [do evento]”. 261 “Nós partimos da hipótese de um princípio, o realizamos em termos de uma performance sintetizada [por computador], e o avaliamos na audição, Se necessário, o princípio hipotético é posteriormente modificado, e o processo repetido. Eventualmente, uma nova regra [performativa] passa a ser formulada. Em outras palavras, o método consiste em ensinar o computador a executar peças de uma maneira cada vez mais musical. O sucesso deste método é inteiramente dependente da formulação de hipóteses, assim como de ouvintes competentes”. 262 “Uma possível razão para o comportamento simbólico na fonação e na articulação [verbal] talvez seja uma linguagem corporal das emoções, que exerça sua influências também sobre o comportamento dos órgãos vocais”. 263 “Sinergismos são casos onde o que aparentam ser elementos comportamentais distintos estão na verdade 'fundidos' um ao outro, de forma que o conjunto funcione como um todo único; mais ou menos como um pianista bem preparado executa um arpejo fluente”. 264 “THACH (1996) e THACH ET ALL (1992), em particular, têm sustentado que a função básica do cerebelo está no aprendizado de 'sinergismos' motores, agregamentos de movimentos simples que estão na formação de comportamentos mais complexos”. 265 “A categorização perceptual é o primeiro passo do caminho de Edelman rumo a um modelo geral de consciência. [...] Se não houver acepções a priori que sirvam para identificar os objetos que estão sendo percebidos, ou qualquer atributos característicos que distingam estes objetos, então a primeira coisa que qualquer sistema consciente deverá fazer será traçar quais estímulos estão associados a um objeto comum entre si”. 266 “Quando temos sensações conectadas a emoções, a atenção está localizada substancialmente aos sinais do corpo, e partes da paisagem do corpo movem-se do fundo para a o centro de nossa atenção”. 267 “A experiência da subjetividade depende de um processo de três estágios de geração de imagens [...] — quando o cérebro produz não só imagens de um objetos, não só imagens de respostas do organismo ao objeto, mas também um terceiro tipo de imagem, a de um organismo no ato de perceber e responder ao objeto”. 268 “Um schema de uma imagem é um construto cognitivo dinâmico que funciona de certa forma como a estrutura abstrata de uma imagem, e portanto está conectado a uma vasta gama de diferentes experiências que manifestam a mesma estrutura. [....] Schemata não se restringem de forma alguma ao visual — a noção de ‘imagem’ é simplesmente uma forma de capturar em palavras a organização inferida de padrões do comportamento e da formação de conceitos”. 269 “Damasio repudia a noção de uma constrição linguística na subjetividade: ‘O construto metasubjetivo que viso é puramente não-verbal’ ”. 270 “Mais precisamente, um schema pode se definido como um conhecimento estrutural que advém de experiências passadas, e que influencia a forma como percebemos e interpretamos os eventos atuais. Em resumo, schemata são como ‘histórias’ arquetípicas”. 271 “Já temos evidências satisfatórias da existência de diferentes schemata musicais. Talvez a diferença mais bem documentada seja a distinção entre modos maior e menor”. 272 “O que EDELMAN (1987) chama de ‘consciência primária’ manifesta-se no comportamento auditivo através da habilidade em formar expectâncias que, por sua vez, afetam em como os estímulos auditivos são percebidos no momento”. 273 “O aspecto ‘hipnótico’ do som repetitivo, a sensação de que o ritmo nos leva consigo, se relaciona com propriedades das formas temporais impressas nele, que requerem apenas uma decisão inicial para a geração do pulso — a partir daí nenhuma decisão consciente é mais necessária: na escuta até mesmo esta decisão inicial é tomada de nós! Enquanto a impressão de formas temporais se dá sem uma consciência maior do processo, elas são elementos de uma determinada atitude que persiste através da repetição. A natureza desta atitude é [mudada] em várias formas de música clássica, étnica e popular”. 274 “Os movimentos da alma e os do corpo, uma vez que tenham sido expressados matematicamente [de acordo com MERSENNE (1636)], exibem estruturas análogas Sensação, emoção e pensamento são unificados pelos intervalos musicais que os expressam. Ao reproduzir os mesmos intervalos que correspondem à flutuação de paixões e humores corporais, a música pode ser usada para representar e comunicar os afetos. Este uso sistemático de intervalos musicais pode não apenas possibilitar a representação das paixões. Ele pode também gerá-las ou alterá-las, e suscitar efeitos na mente como um todo”. 275 “As investigações com PET necessitam sempre de pelo menos duas condições experimentais, de tal forma que seus estados metabólicos [do córtex cerebral] possam ser comparados numa operação subtrativa, e que assim possa ser indicada a atividade cerebral específica para uma determinada operação mental”. 276 “As técnicas que envolvem tomografia por emissão de prótons (PET) e por emissão de fótons simples (SPET) complementam os achados estruturais [em neuropsicologia cognitiva] com importantes dados funcionais. [...] As limitações e armadilhas teóricas, entretanto, não mudaram. As constrições operacionais requeridas para tornar válido seu uso são tão necessárias quanto eram antes, e a interpretação apropriada dos resultados depende ainda de competência em neurologia”. 277 “Os pontos mais contundentes são que as áreas [secundárias] de processamento auditivo, de associação, estão envolvidas no processamento da imaginação de meoldias familiares. [...] A ativação do córtex auditivo durante a imaginação de melodias deve ser dada de acordo com processos que vão além dos elicitados apenas pela estimulação auditiva. Este padrão de ativação cortical corrobora com a hipótese que áreas corticais da percepção podem mediar informação gerada internamente. Esta conclusão é consistente com descobertas no domínios da percepção visual (KOSSLYN ET ALL 1993; FARAH 1995). Também consistente com dados a priori (ZATORRE ET ALL 1996), apenas regiões corticais associativas [secundárias], e não as primárias, estão ativas durante o teste sobre imaginação musical”. 278 “A descoberta de ativação da área motora suplementar (SMA) [na imaginação musical] pode portanto [...] estar de acordo com a idéia de que a imaginação de melodias incluem não só um componente auditivo (‘escutando a música dentro da mente’), provavelmente correlata a atividade temporal do córtex, mas também um componente subvocal (’cantando a melodia para si mesmo’), refletida na atividade da SMA”. 279 “Hervé Platel, Jean-Claude Baron e seus colegas da Universidade de Caen usaram tomografia por emissão de prótons (PET) para monitorar os efeitos de mudanças de altura [na percepção auditiva]. O que eles descobriram — para sua surpresa — foi que as áreas 18 e 19 do mapa de Brodmann (ver Capítulo II), no córtex visual, são ativadas. Estas áreas [(áreas associativas secundária e terciária do córtex visual)] são mais conhecidas com os ‘olhos da mente’ porque são, em essência, nossa paisagem imaginativa. Qualquer imagem mentalmente verossímil tem inícios nestas áreas. Assim, Baron sugere que talvez o cérebro possa criar uma imagem simbólica para decifrar mudanças de altura musical”. 280 “Estes achados sugerem que o processo de experimentação de diferentes emoções está associado a atividades distribuídas de diferentes estruturas cerebrais. Como a dissonância é apenas uma forma de elicitar respostas emocionais em música, é possível que a música que induza a diferentes tipos de emoção deva utilizar-se de diferentes substratos neurais. Este fato pode vir a ser especialmente importante caso a emoção seja elicitada por associação ou pela memória, ao invés de espontaneamente”. 281 “Há no momento um razoável nível de consenso entre funcionalistas envolvidos com psicologia das emoções, a respeito de pelo menos quatro emoções básicas: ‘raiva’, ‘tristeza’, alegria e ‘medo’ ”. 282 “Estudos em estimulação elétrica [do córtex] estão revisados em in ERVIN, MARTIN (1986) para 8 emoções postuladas como básicas por PLUTCHICK (1980) (raiva, medo, alegria, tristeza, nojo, aceitação, antecipação, surpresa). Emoções como raiva, medo, ansiedade ou curiosidade/expectativa podem ser conseguidas pela estimulação elétrica de estruturas subcorticais. Nos seres humanos, por exemplo, a estimulação da substância cinza central pode suscitar medo/incerteza, a estimulação lateral do hipotálamo pode suscitar euforia, enquanto que medo e raiva podem ser suscitados por estimulação da amídala”. 283 “Diferenças entre emoção e sensação pode ser artificiais e podem ser originadas de um absolutismo inconsciente da dicotomia anglo-saxã entre o corpo e a mente. A assimilação do conceito de emoções pelo conceito de sensações (sentir-se cansado, sentir uma dor de dente, sentir-se faminto ou sedento, sentir dor) tem produzido sérios erros — ‘não podemos nem sequer começar a identificar uma emoção a menos que levemos em conta a relação do indivíduo com o objeto ou a situação’ (WIERZBICKA 1994)”. 284 “[Para WIERZBICKA (1995)], as emoções pertencem a um domínio semântico, e devem ser investigadas em termos de uma metalinguagem semântica, isto é, em termos de primitivos ou indefinidos (universais semânticos) que são compartilhados por todas as linguagens [verbais] humanas”. 285 “Alguns tipos de associação entre música (ou estruturas musicais) e eventos emocionais podem ser compartilhados por todas as pessoas de dentro de um grupo social ou cultura. [...] A extensão na qual as associações entre tipos específicos de música e estados emocionais específicos são coincidentes entre diferentes culturas permanece um assunto a ser investigado”. 286 “O ouvinte não chega até a experiência auditiva sem conhecimento previamente existente. Estilos provêem normas em oposição às quais a música é percebida. A emoção é evocada quando os eventos se distanciam das normas estilísticas”. 287 “A metáfora consiste em empregar um termo com significado diferente do habitual, com base numa relação de similaridade entre o sentido próprio e o sentido figurado. A metáfora implica, pois, numa comparação em que o conectivo comparativo fica subentendido” (TERRA 1996). 288 “Baseados em evidências advindas de um vasto número de exemplos similares na aparição de construções metafóricas na vida cotidiana, LAKOFF, JOHNSON (1980) propõem que as metáforas são uma estrutura básica de compreensão através da qual nós conceitualizamos um domínio (tipicamente não-familiar ou abstrato — o domínio-alvo) em termos de outro (muito frequentemente familiar e concreto — o domínio fonte)”. 289 “Os conceitos abstratos são conceituados (sic) por sua similaridade a noções mais próximas da experiência corporal, isto é, a experiência sensível [(perceptiva)], a experiência motora etc. [...] As metáfora são produzidas porque nossos cérebros são estruturados de uma certa maneira”. 290 “A metáfora conserva em si a razão e a inferência: ela não é pertinente somente à linguagem, mas também ao pensamento”. 291 “SASLAW (1996) oferece uma detalhada análise da teoria de modulação de Hugo Riemann à luz das recentes pesquisas sobre metáforas; Saslaw também fornece um valoroso resumo teórico sobre schemas. [...] A teoria dos schemas também fornece uma maneira de conduzir o aspecto emocional em música, constantemente citado, para sua definição nos trabalhos de KÖVECSES (1990) sobre conceitos de emoção, os quais ele tem afirmado basearem-se em metáforas conceituais”. 292 “O argumento de SCRUTON (1983) centra-se numa distinção crucial entre som e música. Nesta perspectiva, o som é um fato material, e como tal, pode ser considerado matéria para um estudo científico. Em contraste, a música é um construto intencional, uma questão acerca dos conceitos através dos quais percebemos o mundo. A evidência desta distinção é dada pela natureza metafórica de nossas caracterizações da música: embora falemos de um ‘espaço musical’ (e localizemos notas dentro dele), isto não corresponderá, em termos racionais, ao espaço físico em si; embora falemos de ‘movimento musical’, o movimento [dentro das tessituras de altura] é, na melhor das hipóteses, aparente, e não real”. 293 “Merleau-Ponty defende a idéia de que a percepção não é ‘pura’, não deve ser entendida como um registro involuntário de sensações que não age sobre elas. Ele rejeita a ‘hipótese da constância’ que afirma que ‘temos, por princípio, uma correspondência ponto-por-ponto e uma conexão constante entre o estímulo [sensório] e a percepção elementar’ (MERLEAU-PONTY 1945). As práticas da psicologia da Gestalt [...] mostram que os mesmos estímulos podem estar abertos a diferentes interpretações”. 294 “A natureza da vontade, como expressada na iniciação do ato voluntário, é inseparável da consciência e de seu exame. Recentes estudos atribuem um papel importante a estruturas neurais que precedem e preparam a ação voluntária, e à imaginação na constituição do ato (LIBET 1985; JEANNEROD 1994). Além disso, a ação voluntária é preementemente uma experiência vívida que tem sido discutida na literatura sobre fenomenologia, mais especificamente no papel do encorporamento (“embodiement”) como um corpo vivo (‘corps propre’, MERLEAU-PONTY 1945), e na interdependência entre o corpo vivo e seu mundo”. 295 “Fenomenologicamente, quando eu percebo uma coisa, eu experimento uma série de atitudes sinestésicas pré-determinadas (o corpo) que pendem a uma unidade maximizada (a coisa). O fenômeno do corpo e da coisa não é redutível a processos intelectuais, mas requerem uma análise de um tipo completamente diferente: ‘A constância de formas e tamanhos na percepção não é portanto advinda de uma função intelectual, mas de uma função existencial, o que significa que ela tem de estar relatada a um ato pré-lógico através do qual o sujeito ocupa seu lugar no mundo’ ”. 296 “[De acordo com OKRENT(1996),] uma ação não é objetivada a um fim porque a consciência tenha já decidido por este fim, ao invés disso, a ação mesma é intrinsecamente direcionada dentro do contexto de um mundo repleto de sentido. A consciência recebe sua influência, e encontra a si mesma num desenvolvimento com estruturas intencionais que já estão estabelecidas no mundo das relações sociais”. 297 “A comunicação nunca é algo como uma transmissão de experiências, tanto quanto de opiniões ou desejos, do interior de um sujeito ao interior de outro. Dasein-com (o processo de estar como outros) já é essencialmente manifesto em um co-estado-mental, e em uma co-compreensão. No discurso o co-existir torna-se ‘explicitamente’ compartilhado; isto é, ele já o é, mas ainda não chega a sê-lo como algo que não foi tomado e apropriado”. 298 São várias as perturbações linguísticas consideradas tradicionalmente como sintomas relevantes na classificação e no diagnóstico de distúrbios afásicos: agramatismo, ou perturbação das relações sintáticas entre os elementos de uma frase (NOVAES-PINTO 1997); neologismos, ou o surgimento considerável de palavras inexistentes na língua (MORATO, NOVAES-PINTO 1997), confabulação, ou produção incoerente, de sentidos não condizentes com a realidade (MORATO 1995); problemas fono-articulatórios etc. 299 “Em toda cultura há uma conceitualização convencionalmente prescrita, ou normal, da situação humana, a teoria normal da situação humana. E as pessoas normais de toda cultura aceitam a teoria normal da situação humana. De fato, aceitar a teoria normal é uma parte essencial do que significa ser normal”. 300 APUD CARMELO (S.D.) 301 “É possível postular-se que uma função de precursores da capacidade musical como estes seja a de facilitar processos de redescrição representacional [(KARMILOFF-SMITH 1992)], fornecer meios não-direcionados previamente de integração de informações, e exercitar competências por entre modalidades e domínios. Estes precursores da capacidade musical são caracterizáveis como brincadeiras (sic) indiretas, como o exercício de sequências de movimentos espaço-temporais que não estão direcionados a fins específicos, como a repetição e variação de conjuntos de sons e movimentos associados a, mas não diretamente interpretáveis como, atos e signos de comunicação e intencionalidade. Os precursores tornaram-se adaptados ‘as estruturas e funções da música das culturas infantis, no decorrer de seu desenvolvimento (cf. PAPOUSEK M. 1996), e podem vir a desempenhar um importante papel nas interações da criança e nas acomodações necessárias a um ‘existir-no-mundo’ como membro de uma cultura”. 302 “O fato de que estes complexos fenômenos musicais são [(como quer PINKER 1997)] uma presença indesejável na consciência dos ouvintes comuns — que podem no entanto apreciar música — torna difícil relacionar as descobertas da análise musical às experiências musicais dos ouvintes ‘passavelmente educados’ mas musicalmente não-treinados (a não se que se possa simplesmente aceitar que a percepção dos analistas musicais e a percepção dos ouvintes destreinados possam ser diferentes). Relacionadas a isto, algumas das descobertas empíricas da ciência cognitiva com respeito à percepção musical parecem indicar que existem poucas diferenças qualitativas entre a percepção de ouvintes musicalmente destreinados e ouvintes altamente treinados musicalmente”. [...] “Isto ocorre provavelmente porque elas foram desenvolvidas e testadas quase que exclusivamente no domínio da música tonal — a música dominante da cultura ocidental. E cultura é algo a respeito do qual as teorias no domínio da inteligência artificial — de fato, no domínio das ciências cognitivas — não tem muito a dizer até a bem pouco tempo”. 303 “[...] consistem em gerir o espaço e a repartição dos corpos no espaço, gerir a paz social na função de observação e de prevenção da violência que possa surgir no cotidiano, na apropriação de um espaço no qual os atores sociais devem necessariamente conviver juntos”. 304 “Afirmação estética 2: a melhor música surgirá de uma aliança entre uma gramática composicional com uma gramática do ouvinte”. 305 “A experiência humana está começando a ser concebida de formas cada vez mais ricas e complexas dentro da ciência cognitiva; está começando a ser reconhecida como um conjunto complexo, encorporado, aculturado, valorado e ‘historicizado’ de processos sociais e cognitivos. [...] A música deve ser concebida de uma maneira semelhante, ao invés de ser encarada como simples padrões agradáveis de som, e neste sentido o estudo da experiência musical poderá oferecer muito [às ciências cognitivas]”. 306 “Sollertinsky estava trabalhando em suas idéias na aplicação da terminologia bakhtiniana à música am mesmo tempo em que a Sétima Sinfonia [de Shostakovich] estava sendo composta, em uma época em que o compositor e o crítico encontravam-se em um diálogo constante e profundo. [...] A contradição de formas esperadas, a importação de objetos familiares em contextos não-familiares, e o compositor ‘ele-mesmo’ encarado como um mecanismo formal, são algumas das formas pelas quais os processos que ocorrem no 8o Quarteto podem ser ouvidos e analisados de uma maneira formalista”. Sobre a função do “autor” na constituição da possibilidade de uma obra musical, ver também SCHATZ (1997). 307 “Estarei satisfeito em supervisionar projetos explicitamente devotados a Bakhtin ou sua escola, assim como no desenvolvimento e extensão de suas teorias. [...] Estarei interessado também em supervisionar estudantes que queiram aplicar teorias culturais no estudo de música, tanto popular quanto erudita”. 308 Sobre uma intencionalidade musical, também cf. CROSS 1999B (citação na nota 301). 309 “A semiótica hermenêutica concerne ao estudo das relações entre sujeito-objeto e do problema da comunicação social em sua acepção cultural geral, de um ponto de vista ao mesmo tempo sociológico e estético. Ela também está apontada para o problema mais peculiar da intencionalidade e da consciência musical, assim como a questão de como os signos musicais podem se tornar portadores de qualidades expressivas/emocionais”. 310 “Vários autores distinguem entre uma assim chamada compreensão científica da música e da compreensão prática de uma obra musical. BENGTSSON (1973), por exemplo, argumenta que as aparições típicas e costumeiras de estilos musicais podem ser entendidas dentro da estrutura proposicional da linguagem natural. Entretanto, o sentido individual de uma peça musical particular não pode ser entendido de uma forma proposicional. Ele só pode ser acessado por meio de um método hermenêutico apropriado. Idéias similares podem ser consideradas como prevalecentes no trabalho de EGGEBRECHT (1973), que afirmou que o conhecimento científico da música utiliza-se de um insight proposicional, enquanto a compreensão musical prática tem um conteúdo de base não-proposicional que é expressado em som. Conceitos e idéias musicais não são considerados como expressivos como proposições, mas sim como formas de uma imaginação musical”. 311 “Fodor acredita que as representações recebem seu sentido como uma propriedade intrínseca em virtude de conexões causais com o que eles representam, e suas relações com outras representações são inconsequentes. Ele não vislumbra nenhuma intencionalidade emergindo das relações entre estados mentais, num ponto de vista que ele chama de ‘semântica funcional’ ”. 312 “O ponto que eu chamo a atenção é que, mesmo no caso de linguagens públicas, a coerência não requer uma relação estável entre o modo que os termos [semânticos] é utilizado e o modo como o mundo é; o que ela requer é uma relação estável o modo que os termos são usados e o modo pelo qual o falante acredita que o mundo seja”. 313 “Para Meyer, estilos são conjuntos aprendidos de expectâncias. Estilos fornecem as normas contra as quais o fluxo de eventos musicais pode ser captado por um ouvinte como esperado ou inesperado. [...] ‘Os estilos musicais são sistemas mais ou menos complexos de relações sonoras compreendidas e usadas em comum por um grupo de indivíduos”. 314 “Provavelmente crenças também fazem um papel importante na determinação do caráter de uma resposta [na escuta musical]. Aqueles que aprenderam a crer que a experiência musical é primariamente emocional e que portanto estão dispostos a responder afetivamente à música, provavelmente o farão. [...] Aqueles ouvintes que aprenderam a compreender a música m termos técnicos tenderão a fazer dos processos musicais um objeto de considerações conscientes. Isto provavelmente corrobora para o fato de que a maioria dos críticos e estetas treinados favorecem uma posição formalista”. 315 “Os padrões dos estilos não são definidos nem por Deus nem pela natureza, mas são produzidos, modificados e descartados essencialmente pelos músicos. O que permanece constante é a natureza das respostas humanas e os princípios de percepção de padrões, as formas através das quais a mente opera dentro de um arcabouço estilístico apreendido”. 316 “O núcleo deste Paradigma Convergente indica que (1) a complexidade do processamento de informações cognitivas pode ser dirigida por meio de uma aproximação correlativa comum entre metodologias diferentes de pesquisa; em musicologia específica, no modelamento por computadores, na psicologia experimental e na neuromusicologia. O que implica (2) que os estímulos usados para a entrada e os dados recolhidos na saída do processamento de informação, assim como o nível comportamental intermediário, do cérebro e de achados computacionais, devam convergir”. --------------- ------------------------------------------------------------ --------------- ------------------------------------------------------------